Sem mencionar explicitamente o fato, o governo culpa o vazamento das conversas do empresário Joesley Batista com o presidente Michel Temer, em maio de 2017, pelo fracasso na aprovação da reforma da Previdência. O documento "Encontro com o Futuro", que será lançado na próxima terça-feira em evento que deverá confirmar a pré-candidatura de Henrique Meirelles à presidência da República, diz que o governo tinha a aprovação da proposta "quase assegurada" a determinada altura do ano passado. "A oportunidade se perdeu pelo oportunismo de iniciativas no campo judicial, que desviaram, talvez propositadamente, a atenção do sistema político."
O documento não diz que iniciativas são essas. Mas pessoas mais próximas de Temer repetem que o vazamento das conversas gravadas no Palácio do Jaburu colocaram a perder o trabalho político que criara condições para a votação da reforma, com boas chances de aprovação.
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"A ideia da injustiça e da insustentabilidade dos nossos sistemas de previdência, no entanto, incorporou-se definitivamente à agenda política do país e sua reforma será a principal pauta de qualquer ajuste fiscal definitivo", diz o documento, o terceiro de uma série iniciada com o "Ponte para o Futuro" e que teve em seguida o "Travessia Social."
O próprio documento aponta para a falta da reforma da Previdência, um ponto de fragilidade da economia brasileira apontado também por especialistas e analistas de mercado, como o principal desafio a ser superado. "O ajuste fiscal e as reformas de Estado não são um fim em si mesmo", diz o documento. "Seu propósito é tornar o crescimento possível."
Em entrevista exclusiva publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, no último dia 12, Temer disse que, após o resultado das eleições, pretende convidar seu sucessor para retomar a negociação da reforma da Previdência e tentar aprová-la ainda este ano.
Defesa de reforma do serviço público
Além da reforma da Previdência, o documento "Encontro com o Futuro", elaborado pela Fundação Ulysses Guimarães, defende uma reforma do serviço público, sem detalhar medidas. O texto, no entanto, aponta para o crescimento dos chamados gastos obrigatórios do governo, dos quais previdência e folha salarial são os principais, como um obstáculo ao reequilíbrio das contas públicas e à implantação de políticas que combatam a desigualdade no País.
"As despesas da União com pessoal e gastos previdenciários no Orçamento de 2018, por exemplo, absorverão 73% da receita federal líquida", diz o documento. "E não beneficiarão a imensa maioria da população necessitada." Ele acrescenta que, "acima de qualquer outra medida", é necessário alterar as regras que determinam o aumento das despesa previdenciárias e as que "regulam os custos do serviço público em geral."
Tais mudanças abririam espaço, inclusive, para aumentar a parcela do orçamento federal sobre a qual os parlamentares podem opinar e decidir, diz o texto. Hoje, os gastos se concentram em despesas sobre as quais não há margem de manobra, como salários e benefícios previdenciários.
O governo Temer tenta, no Congresso, autorização para adiar reajustes salariais já concedidos ao funcionalismo. Boa parte desses reajustes foram negociados no governo de Dilma Rousseff e mantidos pela atual gestão.
Documento quer superávit de 2,5% do PIB nas contas públicas
Meirelles diz que será necessário alcançar um saldo positivo (superávit primário) nas contas públicas equivalente a 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para que a dívida brasileira comece a cair.
Atualmente, o saldo é negativo em 2,5% do PIB. Isso significa que para alcançar o cenário ideal será necessário buscar um ganho em termos de aumento de receita e corte de gastos equivalente a 5% do PIB. Isso deverá ocorrer "em algum momento da próxima década", informa.
Além das reformas da Previdência e do Serviço Público, o documento cita a revisão de incentivos ao setor produtivo, como subsídios e desonerações fiscais, como uma medida necessária para o ajuste das contas públicas. "Estas despesas não produziram resultados em termos de aumento da competitividade e chegaram a consumir mais de 6% do PIB nos últimos anos", informa.
Com esse objetivo alcançado, haverá espaço e recursos "para o investimento público e os gastos verdadeiramente sociais, como em educação, saúde e segurança pública." O documento cita um relatório elaborado pelo Banco Mundial, chamado "Um Ajuste Justo", que aponta para a má qualidade e o mau direcionamento dos gastos públicos no Brasil, e sugere uma série de mudanças para garantir que os beneficiados sejam realmente os mais pobres.
O relatório do Banco Mundial avalia os resultados das políticas de apoio às empresas adotadas principalmente pelos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) e conclui que, com poucas exceções, elas não atingiram os objetivos propostos. E, nas áreas sociais, toca em "vacas sagradas" da sociedade brasileira. Por exemplo, para a concentração de gastos federais no ensino superior gratuito, ao qual os realmente pobres têm pouco acesso. Ou para o grande volume de receitas que o governo deixa de arrecadar por causa dos abatimentos com despesas e planos de saúde no Imposto de Renda, que tampouco beneficiam as famílias de menor renda.
"As políticas sociais de educação, saúde e combate à pobreza, bem como os serviços de segurança pública, precisam continuar a ser reformadas", diz o documento do MDB. "Mas é inegável que será necessário, em alguns casos, também um aumento dos gastos."
O documento fala, por exemplo, em investir mais na informatização do sistema de saúde. Diz que o atual governo empregou perto de R$ 1,5 bilhão para instalar equipamentos e treinar pessoal em 17.000 unidades básicas de saúde, e a intenção é chegar a 43.000 até o fim do ano. Com isso, o potencial de economia foi calculado em R$ 22 bilhões ao ano. "Nos próximos anos será necessária uma maior integração do Sistema, de modo a reduzir custos e ineficiências, já fartamente detectadas, e aperfeiçoar as portas de entrada, através do programa de Saúde da Família."
Já na área de Educação o problema não é tanto a falta de recursos, mas seu uso. O "Encontro" diz que o Brasil gasta perto de 6% do PIB na área, o que é superior à média dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). "Isto significa que a falta de resultados efetivos não está na falta de recursos, como muitas vezes se alega."
Para melhorar a qualidade, a aposta "para os próximos anos" é a qualificação de professores e "incentivos remuneratórios, baseados em resultados efetivamente avaliados, para que as mudanças sejam de fato implementadas."
Será dada ênfase também aos primeiros anos de escola, com universalização da educação infantil e o ensino em tempo integral, "especialmente para as crianças de famílias mais pobres."
O documento cita também a necessidade de alinhar as escolas à evolução tecnológica. "Nosso ambiente educacional público é muito tradicional, ainda preso aos processos analógicos, mais caros, menos eficientes e atrativos para a juventude de hoje", atesta. "Nos países desenvolvidos a educação está sendo totalmente transformada, e, tal como a comunicação, a música e o entretenimento, pode estar disponível a custos extremamente baixos."
Luta contra a criminalidade
"É justo dizer que o Estado brasileiro até agora vem perdendo a luta contra a criminalidade", diz o documento "Encontro com o Futuro", ao tocar num dos temas que deverão pautar a campanha eleitoral deste ano.
O texto admite que os níveis de criminalidade alcançados no Brasil são "absolutamente excepcionais, muito acima de outros países equivalentes ao nosso" e registra o "cúmulo" de, em algumas localidades, haver áreas urbanas onde o Estado não pode agir.
O documento diz que a responsabilidade de mudar esse quadro recai sobre União, Estados e Municípios, cada um na sua área de atuação. Isso porque o agravamento da situação se deu pela "desarmonia" entre as esferas de poder, a falta de sintonia entre as instituições públicas e uma "série histórica de medidas paliativas e descontínuas", segundo avaliou.
A grande aposta do governo para é a criação do Sistema Único de Segurança Pública e Defesa Social (Susp), que vai integrar as instituições que atuam na segurança. Assim, vai permitir o compartilhamento de informações e ações conjuntas, "dando unidade à ação pública". A proposta já foi encaminhada ao Congresso Nacional e está em vias de ser aprovado, informa o "Encontro".
Em 2016, diz o documento, o setor público empregou o equivalente a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em ações de segurança pública, sendo que a parcela destinada a custeio e investimento foi inferior a 10% do total. "Todo o valor gasto com segurança foi inferior ao crescimento anual das despesas com previdência do Governo Federal nos últimos dois anos", informa.
A intervenção militar no Rio de Janeiro é classificada como uma "medida de emergência", num quadro de "problemas institucionais" e a escalada do crime organizado colocavam em risco a sociedade. "Foi uma mostra de como, doravante, o desafio da segurança pública será enfrentado: com prioridade, recursos financeiros e institucionais e, principalmente, com coragem e responsabilidade."