O ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, negou ter pedido dinheiro a Marcelo Odebrecht, herdeiro da empreiteira que leva seu sobrenome, para as campanhas do PT em troca de benefícios do Governo Federal à empresa. Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, nesta segunda-feira (15), Mantega classificou como “mentira” a suposta entrega de “um papelzinho” para Odebrecht durante a negociação de um Refis em 2009, programa que permite às empresas regularizarem dívidas com tributos, pedindo R$ 50 milhões em troca.
“Isso não ocorreu. É mentira do Marcelo. Ele é um ficcionista. Ele criou uma história. E ela é totalmente inverossímil”, declarou Mantega. Indagado sobre porque Odebrecht mentiria, o ex-ministro disparou: "para você conseguir uma delação, tem que entregar pessoas do alto escalão do governo. Um ou dois presidentes e um ou dois ministros. De certa forma é uma exigência e aí fala do ministro sem provas. Porque não faz sentido essa questão do Refis. E menos ainda R$50 milhões que diz que pedi num bilhetinho. Que bilhetinho? Mostra o bilhetinho".
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Na delação, Odebrecht disse que o valor foi destinado a conta de crédito administrada por Antônio Palocci e gasto em 2014 com a campanha de Dilma Rousseff (PT). "Por que não usamos esse crédito em 2010, quando a campanha acabou com uma dívida de R$ 17 milhões? Esse crédito foi transferido para 2014? Eu nunca vi um crédito dessa natureza. É da cabeça dele”, observa Mantega na entrevista.
Ao jornal, Mantega também disse que teve várias reuniões com Odebrecht e que o próprio empresário manifestou o desejo de contribuir com a campanha de Dilma. "Havia uma certa animosidade entre ele e a Dilma. O Marcelo foi derrotado várias vezes e não gostava do governo. Eu acho que queria sinalizar para a Dilma que estava ajudando", ressaltou.
Anistia para tributos
Sobre a acusação de ter negociado doações a partir de um Refis de tributos de exportação, Mantega disse que vai "explicar e tudo vai ficar claro".
"Eu estava atrapalhando os planos deles, não estava ajudando... Em 1969, uma lei permitiu que as empresas exportadoras creditassem de IPI, para estimular as exportações. Esse benefício deveria vigorar até 1990, mas eles recorriam à justiça e ganhavam, usufruindo até os anos 2000", relatou, explicando que em 2007 o Superior Tribunal de Justiça julgou uma ação validando o crédito apenas até 1990.
"O pessoal [empresários] ficou desesperado. Eles estavam aproveitando créditos há 17 anos e teriam que devolver tudo com multa e correção. Procuraram o governo:' se tivermos que pagar vamos quebrar", completou Mantega.
Segundo o ex-ministro, naquela ocasião a Odebrecht e outras empresas queriam uma anistia e chegaram, inclusive, a fazer uma emenda numa medida provisória do Minha Casa Minha Vida, no Senado. "Articularam apoios, governadores escreveram a Lula para que ele não vetasse a emenda. E o chato do ministro da Fazenda defendeu o veto", declarou, referindo-se a si mesmo.
Na época, segundo Mantega, Lula vetou a emenda, mas em 2008 fez um Refis para que as empresas parcelassem os débitos. O ex-ministro disse que Lula não conversou com ele sobre o assunto. Já questionado se Marcelo Odebrecht o procurou para negociar, ele disse que sim.
"O Marcelo quer dar a entender que ele era o protagonista, mas eu conversei com Gerdau, Vale, todas as grandes exportadoras brasileira. E também com o Marcelo. E desde quando Refiz é bondade para um segmento? É para milhares e milhares de empresários”, declarou.
“É humilhação ser chamado de ladrão”
Em setembro de 2016, o ex-ministro foi preso pela Lava Jato, mas no mesmo dia teve a prisão revogada para acompanhar a esposa que fazia uma cirurgia contra o câncer no intestino. Desde então, Mantega disse que sua vida “virou um inferno”.
“Eu me sinto terrível porque minha reputação foi colocada por água abaixo. A repercussão foi péssima... É uma humilhação ser chamado de ladrão. Praticamente perdi minha reputação, com mentiras, diga-se de passagem, seja na área econômica, seja nessa questão. A minha vida virou um inferno”, lamentou.
Longe do governo desde 2014, Mantega disse que se arrepende de não ter deixado a administração federal em 2011 quando descobriu a doença da esposa e pontuou que hoje participa de projetos internos na FGV. Além disso, o ex-ministro também ponderou durante a entrevista que tem medo de ser preso e condenado.