Após garantir a inexistência de ilegalidades nas operações passadas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o presidente da instituição, Gustavo Montezano, disse que o próprio País "legalizou" o esquema de corrupção. "A gente (Brasil) construiu leis, normas, aparatos legais e jurídicos que tornaram legal esse esquema de corrupção. A conclusão é essa", comentou, em entrevista coletiva para explicar os gastos com a auditoria externa contratada pelo banco para apurar eventuais irregularidades em operações de mais de R$ 20 bilhões com as empresas do Grupo J&F.
Ao ser questionado sobre quais leis deveriam então ser alteradas para evitar a repetição do episódio, o presidente do BNDES disse que não poderia "comentar no detalhe o tema legislativo".
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"Nosso Brasil viveu um dos maiores escândalos de corrupção da história, turbinado com dinheiro público. Esse dinheiro saiu dos cofres do povo brasileiro. Então é legítimo que o povo se pergunte e questione mas como não houve nada de ilegal?. E a verdade é que a gente concluiu que não houve nada de ilegal. A gente construiu leis, normas, aparatos legais e jurídicos que tornaram legal esse esquema de corrupção. A conclusão é essa. E é legítimo que a população tenha essa dúvida, e é importante que o banco esclareça que não fez nada de ilegal", disse Montezano.
O presidente do BNDES foi então questionado se o problema são as leis vigentes no País.
"O problema de temas complexos não necessariamente é o fato, é a explicação. Como você explica para uma população geral, que paga altos impostos, que não tem escola, não tem saúde, não tem segurança, que a gente emprestou R$ 20 bilhões para (quem se envolveu em) um dos maiores esquemas de corrupção da história, com o dinheiro deles (população), e não teve nada de ilegal?", comentou Montezano. "Eu me referi às leis e a todo o esquema normativo, que passa desde de que é decidido alguma coisa em Brasília, nas leis, até o dinheiro ser usado para financiar campanha lá na outra ponta. Esse esquema todo é que foi legalizado. É difícil explicar isso. Como a gente explica isso para a população? E como a gente garante que isso não vai acontecer de novo? É legítima a dúvida", acrescentou.
Ele disse ainda que é importante a sociedade fazer um debate "consistente" e "aprender com os erros do passado".
Segundo o presidente do banco, foram fatos que "machucaram" o País. "Acho que todos nós estamos convencidos que foi um erro grande para o nosso país. Ninguém tem dúvida disso. Então como é que a gente legalizou um troço desses?", questionou.
Montezano garantiu, porém, que o BNDES trabalha para disciplinar o banco "para isso não acontecer mais". Ele disse, porém, que só pode falar pelas ações da instituição de fomento.
'Raspar o tacho'
Na coletiva de imprensa no Ministério da Economia, o presidente do BNDES tentou justificar por mais de uma hora e meia o gasto milionário com a auditoria estrangeira que, de acordo com suas próprias palavras, "não achou nada ilegal".
Questionado sobre a crítica do presidente da República, Jair Bolsonaro, em relação a "raspar o tacho", Montezano disse que "não foi o caso" e que o gasto milionário foi necessário. "(Com relação à fala do presidente) Entendi que parecia que alguém queria gastar todo dinheiro. A gente provou aqui (na coletiva) que não foi o caso", afirmou, após exibir planilhas que detalhavam os aditivos das contratações.
'Garoto'
Sobre ter sido chamado de "garoto" pelo presidente, Montezano minimizou: "agradeço, acho que é um elogio". Ainda segundo o presidente do BNDES, novas explicações poderão ser dadas pela diretoria da instituição de fomento, caso outras demandas da imprensa ou da sociedade surjam com relação à auditoria.
Ao encerrar a coletiva ele afirmou, porém, que naquele momento todas as questões estavam "exauridas". O executivo disse que não conversou pessoalmente com Bolsonaro depois que o presidente criticou publicamente o custo da auditoria. "Foi com interlocutores, não foi pessoal."
E destacou: "Meu entendimento em relação ao que 'está esquisito' é que era importante a gente estar aqui para esclarecer o que está esquisito. A gente fez um trabalho extenso de revisão de tudo o que aconteceu no banco para dar segurança e esclarecimento. A gente veio a publico."
Os diretores do BNDES também confirmaram a informação, revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo e o Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), de que no início 40 funcionários eram alvos da auditoria da Cleary. Em novembro de 2018, o conselho do banco aprovou um aditivo de R$ 4 milhões, que ampliou o escopo da investigação para 50 funcionários e dirigentes.
Mais de 1.5 gigabytes de informações de computadores foram colhidos durante um ano e dez meses de investigação, mas a empresa contratada para investigar a caixa-preta, ao final dos trabalhos, apresentou um relatório de oito páginas que não atribuía qualquer ilegalidade a funcionários da instituição.
Escopo de auditoria
O presidente do BNDES disse também nesta quarta-feira que o aumento do escopo da auditoria externa para avaliar as operações da instituição com as empresas do Grupo J&F não decorreu de nenhuma influência do governo. "Foi o próprio time jurídico que recomendou o aumento do escopo e a continuidade das apurações", comentou.
O aumento do escopo ampliou em R$ 11,9 milhões o valor do contrato em julho de 2019. "Sem o aumento do escopo, relatório teria ressalva que praticamente o invalidaria", disse.
Esse aditivo foi seguido por um adicional de R$ 2,3 milhões no contrato com a auditoria KPMG, para que ela acompanhasse os trabalhos da investigação externa como uma espécie de revisor, no que é chamado no jargão do setor como "auditoria shadow".
O custo total subiu dos iniciais R$ 23,4 milhões para R$ 42,7 milhões no final das investigações. O valor é diferente dos R$ 48 milhões informados pelo BNDES via Lei de Acesso à Informação (LAI) por conta da taxa de câmbio usada no cálculo.
O BNDES informou ainda que está com um processo em curso para criar uma corregedoria dentro do banco de fomento. O nome indicado está em avaliação pela Controladoria-Geral da União (CGU).