A partir dos efeitos da pandemia da Covid-19, o mercado de trabalho deixou de ser como antes. Os novos modelos de atuação tendem a ser cada vez mais consolidados nas empresas, e as relações trabalhistas correm o risco, segundo especialistas, de serem afetadas negativamente após o período pandêmico.
Os trabalhadores brasileiros enfrentam uma forte crise econômica oriunda da pandemia. Essa crise, inclusive, deixou 14,4 milhões de brasileiros desempregados no primeiro trimestre de 2021, como apontou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). O alto índice de desemprego, para Juliana Inhasz, economista e professora no Instituto de Ensino e Pesquisa Insper, está relacionado com as desarticulações do mercado de trabalho.
##RECOMENDA##
"Muita gente perdeu o emprego e muitas empresas começaram a reduzir sua participação dentro da economia por conta das dificuldades de conseguir se manter neste momento, em que a demanda caiu muito. Além disso, hoje, o mercado de trabalho ficou muito competitivo porque há muitas pessoas qualificadas disponíveis”, comentou a especialista.
A professora explica, ao LeiaJá, que a grande quantidade de profissionais qualificados procurando novas oportunidades ocasiona uma concorrência ainda mais feroz e baque salarial. “O mercado de trabalho se tornou mais competitivo por conta desse número grande de pessoas que hoje estão disponíveis para trabalhar, o que naturalmente faz com que o valor desse trabalho caia. Então, temos aí muitas pessoas que topam trabalhar por salários inferiores, o que tem feito com que a renda caia e o poder de compra desse consumidor caia também”, alertou.
Diante desse cenário econômico e profissional, muitos trabalhadores questionam se correm o risco de enfrentar empregos precarizados e ter direitos trabalhistas afetados. Para André Morais, economista do Conselho Regional de Economia de Pernambuco (Corecon), essa crise, infelizmente, tende a precarizar cada vez mais o trabalho.
“A precarização do trabalho é real e já começou a acontecer antes mesmo da pandemia, com a retirada de vários direitos trabalhistas. Acredito que agora em diante tendem a se acentuar”, afirmou. Essa precarização, descendente da crise econômica, pode gerar, além da queda no salário, o aumento da jornada de trabalho, a diminuição drástica de férias e de contratos formais. Além disso, como aponta André Morais, pode haver um aumento de contrato de trabalho com carga horária reduzida. "A pejotização, uma forma de contratar um trabalhador sem os encargos e obrigações trabalhistas, deve continuar sendo tendência, e se o trabalhador não for muito organizado, terá muitos problemas lá na frente para ter qualidade de vida na aposentadoria", alertou.
Juliana Inhasz, especialista em economia do Insper, também confirma que os profissionais encontrarão no mercado de trabalho pós-pandemia empregos com baixa qualidade, salários abaixo do esperado e pouca segurança trabalhista, como 13º salário e férias. “Eles vão ter uma qualidade de emprego bem menor até, mais ou menos, o fim de 2022”, aponta.
Melícia Carvalho Mesel, procuradora do Ministério Público do Trabalho em Pernambuco (MPT-PE), comenta, em entrevista ao LeiaJá, que estão sendo realizadas ações para preservar os direitos trabalhistas. “Inicialmente, nós esperamos que esse risco não aconteça. Na verdade, se está tendo um cuidado muito grande para que os direitos trabalhistas, que são decorrentes de muita luta, lutas históricas, sejam preservados. Agora, na realidade, há uma dificuldade na fiscalização porque, outrora, a empresa poderia ser fiscalizada pelos auditores fiscais do trabalho, poderia ser inspecionada pelo próprio Ministério Público do Trabalho, e hoje, com o trabalhador estando em sua residência, dificulta um pouco esse aspecto fiscalizatório”, esclarece.
A procuradora afirma que com esse novo mercado de trabalho e seus desafios, a legislação não estava preparada. Mas ela reforça que, apesar disso, “sabemos que o direito acompanha os fatos e, por isso, pensamos em uma série de medidas, de mecanismos e também de criações e alterações legislativas para que possamos continuar tutelando esses direitos, fiscalizando o cumprimento deles, a fim de que não haja um retrocesso para o trabalhador.”
Melícia complementa: “Haverá, obviamente, um período que vamos ver toda essa mudança [no direito] acontecer, mas se espera também, concomitantemente, que vários mecanismos, várias medidas e normas surjam para não permitir que esse novo modelo, essa nova ordem de coisas, destrua ou impacte negativamente toda uma série de conquista que vemos aí no mundo do trabalho”, conclui.
Novo mercado de trabalho
É fato que a pandemia da Covid-19 transformou o mercado de trabalho. E, na visão do especialista em economia da Corecon, André Morais, o modelo de emprego híbrido “veio para ficar”. “É mais inteligente e menos oneroso para as empresas. O trabalhador que ainda não se adaptou a esse modelo vai precisar fazê-lo o quanto antes. Além disso, é preciso ter muita disciplina para adotar um modelo de trabalho home office ou híbrido”, disse.
Alguns empregos, para ele, não mudarão facilmente sua forma, já outros conseguirão se adaptar bem aos novos modelos de trabalho. Algumas funções, segundo o economista, tendem até a sumir.
“Um cargo de assistente administrativo, por exemplo, pode estar com os dias contados, já que muitas das suas funções foram automatizadas. Já as vagas de enfermagem e empregos em centros de distribuição logística tendem a aumentar expressivamente por causa da demanda”, exemplificou.
Do ponto de vista de Juliana Inhasz, a realidade trabalhista mudou. Tínhamos, segundo a professora do Insper, um mercado de trabalho com um modelo muito tradicional, e majoritariamente presencial, para uma estrutura de economia em desenvolvimento, e essas características começaram a mudar. “O mercado de trabalho passou, mais recentemente, por algumas transformações e vai continuar passando daqui para frente com a necessidade cada vez maior de que o profissional se modernize e se atualize. Além disso, as corporações precisam ter uma necessidade de incorporar tecnologias dentro do seu dia a dia para conseguir ter mais eficiência”, aconselhou.
Embora o plano de vacinação contra a Covid-19 ainda esteja caminhando a passos lentos, a professora acredita que a imunização em massa deve trazer um alívio ao mercado de trabalho, pressionado pelos milhões de desempregados, e melhores qualidades profissionais. “Se a gente conseguir acelerar o plano de imunização, conseguir fazer com que a população tenha uma maior segurança para sair às ruas e poder levar uma vida um pouco mais próxima do que a gente tinha antes da pandemia, certamente vamos ter uma dinâmica maior no mercado de trabalho”, comentou. Ela complementa: “Nós devemos ter mais gente sendo contratada, empregos de maior qualidade sendo ampliados, e, também, uma redução dessa situação de maior vulnerabilidade do trabalho que acontece neste momento de crise, como o aumento, por exemplo, do trabalho informal e intermitente”, finalizou a docente.