O deputado federal Daniel Coelho (Cidadania-PE) é, talvez, a escolha política mais evidente da governadora Raquel Lyra (PSDB) para o novo secretariado de Pernambuco. Perto de completar uma semana de mandato, a gestora tem sido alvo de debates acerca de sua decisão por compor os representantes do governo através de um viés mais técnico. Ou seja, com poucas nomeações da política e mais servidores que já possuem atuação direta em suas áreas designadas. Muitos deles, atuantes também em Caruaru, município do Agreste no qual Lyra foi prefeita reeleita.
O quadro técnico, porém, não é um claro indicador de que o governo possui pouca leitura política. Essa é uma possibilidade a ser desbravada a médio prazo, e que provavelmente não vai obter insucesso no começo da gestão. Quem explica as nuances dessas escolhas é a cientista política Priscila Lapa, entrevistada pelo LeiaJá, e que evidencia: político e técnico dão se desassociam, pelo contrário, se misturam e complementam, em uma relação fundamental para entender as demandas do estado.
##RECOMENDA##“Foi criada uma falsa dicotomia entre técnico e político. Isso não é uma coisa do governo de Raquel, já veio da primeira gestão de Eduardo [Campos] e depois do movimento do PSB, de buscar técnicos no Tribunal de Contas e em outros órgãos para exercer cargos políticos, dando a ideia de que uma escolha que atenda critérios políticos é insuficiente para entregar as políticas públicas que a sociedade e o Estado precisam. Criou-se essa dicotomia de 'ou se dá ênfase ao técnico ou ao político' quando, na verdade, essas coisas estão completamente misturadas. O que a gente pode dizer é que ela não recrutou, na classe política, - que são os atores de mandato ou aqueles que não se elegeram, mas exercem liderança política -, o perfil para o seu secretariado”, esclareceu a especialista.
De acordo com a leitura de Priscila, é possível observar essa movimentação na prática através do Governo Federal, com os ministros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, por exemplo, tem formação em Direito e Economia, e perfil técnico para assumir a pasta, mas o critério de escolha foi mais político do que técnico, levando em conta que ele possui agenda política e é um antigo aliado de Lula.
“O fato dela ter escolhido esse perfil não significa que ela não tem uma visão de construção de governo. Há dois lados, porém; esse de dizer que ela inovou em não trazer essa visão política mais cansada e, por outro lado, isso pode gerar um esvaziamento político no governo. E há outra crítica estruturadora: até que ponto a ausência de políticos não reflete uma falta de visão política mais estruturada de Raquel, Priscila e do governo eleito, sobre as grandes questões no estado? Qual a agenda do desenvolvimento, as ênfases prioritárias? A partir do momento que ela nivela todas as secretarias nesse perfil, fica difícil perceber as escolhas prioritárias e a marca do mandato dela, parece que não tem carro-chefe e nem programas estruturadores”, acrescentou Lapa.
Dos 40 gestores gerais, somando 27 secretarias e 13 outros órgãos, 17 são mulheres, o que equilibra e supre uma promessa de campanha, de formar um “governo feminino”. No recorte das secretarias, são 14 mulheres, além das chefes de segurança pública e controladorias. Em termos de preenchimento, de fato, é um governo de mulheres também, mas não necessariamente com o perfil militante, como visto em outras gestões mais abertamente progressistas.
“Ela ter contemplado mulheres foi um aspecto completamente positivo, a gente tem um equilíbrio grande na composição de gêneros. Porém, não é um perfil de mulheres a partir de suas militâncias, ou que atuam nas causas de ampliação dos espaços de mulheres na política. São mulheres com suas áreas de expertise, com provável vivência junto a Raquel, e que cumprirão um papel nas suas áreas de atuação, mas sem visar questões ligadas à mulher. É natural ver um reflexo de ocupação, mas a diversidade de gênero não é uma agenda marcada no governo Raquel Lyra”, pontuou a entrevistada.
Priscila acrescentou, ainda pontuando a questão da diversidade: “É por isso que outros recortes que deem conta da diversidade fazem falta no mandato dela, como o racial. Isso não significa que vai haver um esvaziamento dessas políticas, mas elas não são estruturadoras e nem o pano de fundo. Durante a campanha, a não-vinculação de Raquel a nenhuma das candidaturas majoritárias no âmbito nacional - nem a Bolsonaro e nem a Lula- deu essa isenção da visão política e as escolhas de agora não são incoerentes. Incoerente seria ela ter apoiado um dos dois e agora, estivesse levando as coisas dessa forma”, concluiu.
Expectativas
Considerando tudo, é possível dizer que Raquel inovou em não levar ao primeiro escalão políticos que foram eleitos e têm a ideia de usar as secretarias como vitrine política. Sem essa necessidade política, o secretariado pode, neste primeiro momento, ter uma atuação mais focada em sua expertise e equipes, apesar de toda secretaria ter sua estância política.
“Vendo os perfis, considerando essa falsa dicotomia, me parece que o que vai acontecer é um tom mais gerencial, que também aconteceu em Caruaru. Um governo 'arrumado' do ponto de vista de indicadores e metas, uma clareza de como fazer o estado funcionar. É uma lembrança da gestão municipal. Pode ser que isso gere, no médio prazo, um secretariado que não é capaz de fazer as leituras políticas. Imagine, o Governo Federal está em curso e tem suas narrativas, como o governo de Raquel vai responder a isso?”, deixou o questiomento que deve ser respondido pela atuação da governadora no decorrer de seu mandato.
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