Se é verdade que um jornalista deve ter bastante cuidado ao redigir uma matéria, elaborando seu texto com base em fontes fidedignas e outras atenções necessárias, também é verdade que o cidadão tem um papel muito importante no sentido de não repassar as notícias falsas, as famosas fake news. No cenário político, essas informações erradas podem trazer sérios prejuízos a um candidato em uma disputa eleitoral.
Muitos podem achar o tema bobagem, no entanto, o problema é mais sério do que se imagina. Para se ter uma ideia, de acordo com um levantamento recente divulgado pelo O Estado de S.Paulo, em apenas um dia são mais de 3, 5 mil notícias relacionadas à política. Em dias onde há notícias de forte impacto, as falsas ou não verificadas publicadas em sites sempre estão entre as dez mais lidas. Fato é que, entre as dez mais lidas, já aconteceu de seis não terem sido verificadas ou não forem verdadeiras.
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Um dado do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), da Universidade de São Paulo (USP) revela um dado ainda mais grave: cerca de 12 milhões de pessoas difundem notícias falsas sobre política no Brasil. O dado foi resultado de um monitoramento de 500 páginas, no mês de junho, que abordavam conteúdos políticos distorcidos ou falsos.
Nesse contexto, há um verdadeiro vilão para a propagação de fake news: o Facebook, considerado uma das principais fontes de informação dos brasileiros. Na prática, para se ter noção do prejuízo que pode causar uma notícia falsa, basta ter como exemplo um vídeo publicado, nessa quarta-feira (8), pelo deputado federal Marco Feliciano (PSC) em sua página do Facebook. Nele, o parlamentar atribuiu ao Movimento de Trabalhadores Sem Terra (MST) uma invasão que aconteceu em uma produtora de alimentos localizada na Bahia, no qual torres de energia foram derrubadas. No entanto, o episódio não tinha nada a ver com o movimento.
Feliciano, que criticou veemente, chegou a pedir que os internautas compartilhassem o vídeo, que teve mais de 430 mil visualizações. Ao todo, mais de 17 mil pessoas fizeram o compartilhamento da fake news.
Mais especificamente na política, um dos deputados que mais se diz prejudicado nesses casos é o psolista Jean Wyllys. O parlamentar, não raro, critica a atuação dos que chamou de “caluniadores inesgotáveis”. No mês passado, ele contou que foi vítima até de uma montagem onde colocaram um cartaz escrito “Pedofilia não é crime, é doença”. A foto foi repassada por meio de perfis fakes nas redes sociais.
Jean afirmou que quem assim agia eram criminosos sem limites. “São capazes de tudo pelo poder, até recorrerem à prática de calúnia e difamação e ainda se dizem pessoas de bem, defensores da moral e bons costumes”, desabafou dando a entender que o ato ilícito teria sido protagonizados por adversários políticos.
Recentemente, um vereador da cidade de Ponta Grossa, no Paraná, também cometeu um grande equívoco. No plenário, ele falou sobre uma turnê que Jean Wyllys e a cantora Pabllo Vittar fariam nas escolas para debater diversidade sexual. O parlamentar chegou a dizer que iria prender os dois, caso isso acontecesse, no entanto a reportagem também era falsa.
Pós-verdade
O cientista político Elder Bringel destaca um novo termo utilizado que tem uma ligação direta com notícias falaciosas e com o cenário político. “Essa palavra ganhou o cenário mundial na eleição dos Estados Unidos, com o marketing do Trump, e ganhou as páginas dos jornais com a saída da Inglaterra do Bloco Europeu. A pós-verdade está ligada com as inverdades e mentiras criadas dentro do cenário político para, de certa forma, promover alguém ou desestabilizar um outro alguém, um inimigo político que seja”, explicou.
“A fake news e a pós-verdade possuem uma ligação direta com o pleito eleitoral e com a vontade geral do povo manifestada nas urnas. Tanto a fake news e a pós-verdade tem uma ligação direta com o crescimento e a robustez da comunicação via mídia social”, declarou.
Bringel salientou que a pós-verdade tomou corpo e robustez maior quando se trata das mídias sociais. “A internet é um campo minado para a busca da informação. Você tem que ter muito cuidado com as informações veiculadas nas redes sociais e em páginas criadas tão somente para fazer ou para produzir essas notícias falaciosas. Isso tem que ser um ponto essencial de discussão em toda campanha política. Você tem, em primeiro lugar, tomar cuidado com as notícias veiculadas”.
O cientista pontuou que todos os candidatos que tenham interesse de concorrer de forma séria e competitiva, na eleição de 2018, terão que destinar um esforço para trabalhar na desvinculação de notícias falsas. “Para quem quiser concorrer de forma competitiva vai ter que ser um ponto de foco e de preocupação na preparação da campanha e fiscalizar as notícias que, por ventura, tenham sido veiculadas de forma mentirosa. Isso porque a fake news e as pós-verdade, depois de veiculadas na internet, fazem uma devastação de ponto de vista conceitual do candidato. O trabalho é infinitamente maior de tentar sanar eventuais riscos ou danos à imagem do que propriamente a sua construção. Então, construir uma imagem perante a opinião pública talvez hoje seja mais fácil do que desconstruir uma fake news".
Também ressaltou que quem quiser disputar de forma competitiva, a pós- verdade tem que ser o centro, a essência de toda e qualquer discussão de campanha política.
Monitoramento
Que costuma repassar informações sem o zelo necessário deve redobrar a atenção, ao menos na eleição de 2018. No final de outubro passado, Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a regulamentação da propaganda eleitoral na internet por meio do Tribunal Superior Eleitoral (TSF).
Moraes garantiu que a regulamentação não irá provocar censura e, sim, “responsabilidade”. “A Constituição proíbe censura, é vedada, mas a Constituição prevê a responsabilização. Ou seja, proíbe censura prévia. Se [alguém] descobre que algo é mentiroso, não só o Judiciário pode tirar, como pode mandar indenizar se descobrir quem postou”, alertou.
O pensamento do ministro vai de sintonia com o do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes. O magistrado ressaltou que não se pode menosprezar as notícias falsas. “Não dá para menosprezar. Temos a fake news simples, mas temos as manipulações muito elaboradas”.
Gilmar lembrou a eleição do presidente Emmanuel Macron, na França, onde milhares de documentos de campanha dele foram vazados na internet. “Houve aquilo que chamaram de ‘MacronLeaks’ em que misturam coisas verdadeiras com falsas, documentos que foram vazados e que afetavam de maneira significativa as eleições”, pontuou em um evento.
Crime
Um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB), quer tornar crime o compartilhamento ou a divulgação de notícias falsas na internet. O parlamentar argumentou que a internet é um “campo fértil” para propagar informações que não são verdadeiras, que podem causar “prejuízos muitas vezes irreparáveis”.
Caso aprovada, a pena prevista pode chegar de 2 a 8 meses de reclusão e pagamento de 1,5 mil a 4 mil dias-multa, que serão revertidos para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDDD).