O Projeto de Lei 6642/2016 do Deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), que versa sobre o trabalho rural, vem causando polêmica devido a alguns artigos que poderiam retirar direitos e fragilizar os trabalhadores do campo. O LeiaJá ouviu especialistas em direito do trabalho para explicar o que muda para o trabalhador caso o texto seja aprovado.
O projeto modifica a lei 5889/73, que regulamenta o trabalho rural no Brasil, e um dos pontos polêmicos que ganhou repercussão foi a definição de trabalhador rural presente no seu artigo 3º. Segundo especialistas, tal definição permitiria que os trabalhadores rurais deixem de receber salários e possam trabalhar em troca, por exemplo, de comida e moradia.
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Remuneração de qualquer espécie
“Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural ou agroindustrial, sob a dependência e subordinação deste e mediante salário ou remuneração de qualquer espécie”, diz o projeto. Para a professora, Mestre e Doutora em Direito Trabalhista Isabele Moraes D’Angelo, este trecho abre precedente para que os empregadores possam deixar de pagar o salário dos trabalhadores e remunerá-los de maneira precária. “O trabalho rural, assim como o doméstico, é um resquício das senzalas, de quando os trabalhadores não tinham formação para o mercado e continuaram nesse tipo de atividade. Este artigo permite que o trabalhador não tenha nem mesmo o salário e seja pago com qualquer coisa, que trabalhe até por comida para sobreviver”, analisa.
O professor de Direito e Processo do Trabalho Paulo Rodrigo Oliveira, que também é Presidente da Subcomissão de Direito do Trabalho da OAB de Paulista - PE, também afirma que este trecho fere os direitos dos trabalhadores e que servem a interesses de patrões e da classe política ligada ao agronegócio. “Na minha opinião como docente, isso vai ferir demais os direitos desses trabalhadores que têm pouca informação. O deputado é um ruralista e faz o projeto para atender os seus interesses”, diz o professor.
Descanso semanal e venda de férias
O projeto determina que o trabalhador tem direito a um dia de descanso a cada seis dias de trabalho. No entanto, o segundo parágrafo do artigo oitavo diz que “A fim de possibilitar melhor convívio familiar e social, o trabalhador rural que desenvolva sua atividade laboral em local distinto de sua residência poderá, mediante solicitação e sujeito à concordância do empregador, usufruir dos descansos semanais remunerados em uma única vez, desde que o período trabalhado consecutivamente não ultrapasse 18 (dezoito) dias”.
Para o professor Paulo Rodrigo, esta medida também é ruim por alongar muito o período de trabalho sem pausa e, para ele, “O trabalhador rural, em sua esmagadora maioria de origem humilde e com dificuldade no acesso das informações, sofrerá maior desgaste físico e mental em decorrência do árduo trabalho, em benefício do lucro dos grandes latifundiários”.
O quinto parágrafo do artigo 5º diz: “Ao trabalhador rural, residente no local de trabalho, fica assegurado o direito de venda integral das férias regulares, desde que previsto em acordo coletivo ou individual sem prejuízo dos proventos regulamentares de suas férias, mediante concordância do empregador”. Para o professor Paulo, este trecho “Fere de morte” as normas que protegem o trabalhador rural no sentido de garantir condições salubres de trabalho e coibir abusos dos patrões.
Ampliação da jornada de trabalho e horas extras
O projeto prevê intervalos para descanso e alimentação em jornadas superiores a seis horas consecutivas. No entanto, há um parágrafo determinando que “Em caso de necessidade imperiosa ou na ocorrência de situações emergenciais peculiares, ainda que previsíveis, o período mínimo de descanso intrajornada poderá ser alterado, devendo a diferença ser compensada em período de descanso subsequente à cessação do motivo que lhe deu causa”.
Já o artigo 7º determina que “Admite-se a prorrogação da jornada diária de trabalho por até 4 (quatro) horas ante necessidade imperiosa ou em face de motivo de força maior, causas acidentais, ou ainda para atender a realização ou conclusão de serviços inadiáveis, ou cuja inexecução possa acarretar prejuízos manifestos. condições climáticas adversas como períodos de chuva, frio ou de seca prolongados, previsão oficial de chuvas ou geadas, bem como o combate às pragas que exijam medida urgente, além de outras situações emergenciais peculiares” e “Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em qualquer outro dia”.
Na opinião da professora Isabele Moraes D’Angelo, estas medidas que permitem a ampliação da carga horária e a compensação de horas extras com folgas são artifícios para fazer com que os empregadores possam explorar a mão de obra por um custo ainda mais baixo e por mais tempo.
”Como compensar e fiscalizar compensação de banco de horas com folga se isso acontece em lugares afastados? O patrão vai dizer que vai dar folga e descanso mas vai ficar por isso mesmo e o trabalhador sem receber o pagamento pelas horas extras. Na cidade o sindicato pode bater em cima, mas no campo quem vai ver?”, questiona a professora.
Ainda de acordo com Isabele, essa medida trará um aumento no número de doenças, acidentes de trabalho e casos de trabalho análogo à escravidão. “O PL prevê que a jornada possa chegar a até 12 horas e a maioria dos acidentes acontecem por fadiga, a condição é precária demais e o empregador poderá aumentar por uma força maior não especificada, essas normas não poderiam passar de jeito nenhum pois aumentará muito o número de acidentes e doenças do trabalho”.
Acidentes de trajeto
Há um ponto do projeto que versa sobre acidentes no trajeto dos trabalhadores de casa ao local de trabalho e determina que “Os acidentes de trajeto não ocorridos em veículos do empregador, seja ele próprio da vítima ou transporte público, não são de responsabilidade da empresa”.
A professora Isabele afirma que “Pela Previdência Social, que abrange o trabalhador rural, o empregador tem responsabilidade com os empregados no campo também em caso de acidentes de trajeto com qualquer tipo de transporte, além do tempo de deslocamento estar incluso na carga horária de trabalho diário desses trabalhadores. Esse projeto de lei tira essas garantias e no trabalho rural os meios são muito inseguros. O empregado acidentado que não conseguir mais exercer atividades que exigem muito do corpo no campo vai virar peso morto para o empregador, será demitido. Esse projeto ataca, também, a Previdência Social”.
‘Usos e costumes’
Alguns artigos do projeto determinam que determinadas normas sejam atendidas de acordo com os “usos e costumes da região”. De acordo com a professora Isabele, isso significa que as condições e estruturas do local de trabalho, como moradia, alimentação ou transporte possam ter uma qualidade baixa devido ao meio rústico do ambiente campesino.
“No meio rural, as de alimentação, moradia, saneamento e outros aspectos são piores do que no meio urbano. A aprovação desse projeto com este tipo de ressalva faria com que o empregador pudesse ofertar condições de trabalho de péssima qualidade por ser o ‘uso da região’ rural e isso abre um precedente extremamente negativo para o trabalhador”, explica ela.
Terceirização irrestrita no meio rural
O artigo 27º diz que “É facultado ao empregador rural a contratação com pessoas físicas ou jurídicas para execução de sua atividade fim, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta”.
Para Isabele, assim como no meio urbano, a terceirização sem restrições à atividade-fim é um problema, porém com um agravante, pois na opinião dela “A armadilha nesse artigo de terceirização é dizer que o trabalhador não é seu empregado mas sim alguém que aluga a terra, ou então terceirizar, quarteirizar, ou colocar capatazes como responsáveis pelos trabalhadores para que não apareçam como empregadores e fique mais fácil de escapar da responsabilização na Justiça”.
Negociado sobre o legislado
Vários trechos do projeto determinam normas a cumprir que podem, no entanto, perder a obrigatoriedade em caso de decisão distinta constar em convenções coletivas ou acordos de trabalho entre trabalhadores e empregadores, colocando negociações acima da legislação. O mesmo acontece de forma semelhante na reforma trabalhista para os trabalhadores urbanos, que será votada no Senado Federal.
Para o professor Paulo Rodrigo Oliveira, esta questão retira as proteções legais que existem atualmente e acaba com conquistas históricas em nome do lucro dos latifundiários Na opinião dele, se o projeto for aprovado, “Será consagrada uma frase utilizada pelos advogados: o encontro do pescoço do trabalhador com a foice”.
Já a professora Isabele Moraes D’Angelo afirma que o que é garantido pelo Direito do Trabalho aos empregados no campo é “a condição mínima para a sobrevivência” e questiona se “Vamos tirar isso em nome do lucro do patrão”.
Constitucionalidade
Para o professor Paulo Rodrigo, “Esse projeto é inconstitucional e só atende os interesses dos proprietários de terras e empregadores que exploram essas atividades”.
Para a Mestre e Doutora em Direito Trabalhista Isabele Moraes D’Angelo, esse projeto não poderia, de forma alguma existir pois em sua opinião de especialista, professora e pesquisadora, ele “Está praticamente legitimando o trabalho escravo e é claramente inconstitucional, pois o artigo quinto da constituição - cláusulas pétreas, que não podem mudar de forma alguma - estão sendo mudadas através de leis ordinárias e isso é um escândalo. Os direitos que esse projeto pretende retirar são supraconstitucionais, têm que estar garantidos até se trocarmos de constituição, pois preservam a dignidade humana dos trabalhadores. Esse é um problema que deve preocupar a todos nós como cidadãos e não somente aos trabalhadores rurais”.
Confira o Projeto de Lei na íntegra.
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