No último grande ciclo de eventos culturais, o Carnaval de 2017, o governo de Pernambuco resolveu deixar bem claro que alguns estilos musicais não seriam aceitos na programação oficial da festa. Segundo a convocatória publicada em dezembro de 2016, "não se enquadram (...) os seguintes gêneros musicais: Forró Eletrônico, Forró Estilizado, Brega, Swingueira, Arrocha, Funk, Sertanejo e Pagode Estilizado".
A exclusão causou imediatamente uma reação. De um lado, artistas locais manifestaram contentamento, por achar que tais estilos descaracterizam a festa; do outro, classificaram a postura de ser preconceituosa e uma espécie de censura. O público também tomou parte, e muitos debates foram travados em redes sociais por pessoas com visões opostas sobre o posicionamento da Secretaria de Cultura.
##RECOMENDA##
[@#video#@]
Em abril, a Assembleia Legislativa de Pernambuco aprovou o projeto de lei 1176/2017, que inclui o brega na lista das expressões artísticas consideradas genuinamente pernambucanas. O projeto altera a lei 14.679, de 2012, que traz em seu artigo 3º o rol das expressões que podem ser beneficiadas pela determinação de que 60% das apresentações artísticas resultantes de convênio entre o governo estadual e as prefeituras sejam garantidas a elas.
Na primeira de uma série de matérias sobre a gestão cultural de Pernambuco, resultado de uma conversa de cerca de duas horas com os gestores do segmento no Estado - Marcelino Granja, secretário de Cultura, e Márcia Souto, presidente da Fundarpe -, o LeiaJa.com traz o posicionamento do governo sobre a limitação de gêneros nos ciclos de grandes eventos incentivados com recursos públicos. Com o São João se aproximando, Marcelino e Márcia garantem que a política será a mesma do Carnaval: nada de brega ou forró estilizado nas programações.
Confira a entrevista com Marcelino Granja e Márcia Souto:
O governo do Estado tomou a decisão de não trazer para as programações dos grandes ciclos de eventos culturais determinados tipos de atrações munsicais. Representantes de diferentes estilos, identificados de maneira genérica pelo termo 'brega', protestaram, e recentemente a Alepe aprovou uma lei que inclui o brega na lista de expressões culturais genuinamente pernambucanas. A Secretaria de Cultura vai rever sua postura e incluir esses artistas nas programações?
Marcelino Granja - Não vai mudar a política cultural. É preciso compreender que a política cultural não é baseada no formalismo legal, numa regulação de leis. Debater o que é uma linguagem cultural, o que é bom ou ruim, não há lei no mundo que vá resolver o problema, porque nós estamos tratando da pura subjetividade humana. Nós vemos aqui uma discussão muito intensa que é permanente, não tem como resolver por lei.
Mas o governo, de forma objetiva e documental, através da convocatória, barrou este tipo de música em suas programações.
Marcelino Granja - Não. O governo disse apenas que a nossa contratação, com recurso público, para os ciclos, não consideraria a disponibilidade de recurso para determinadas linguagens da música. Tão somente isso. Não fizemos juízo de valor, não dissemos que brega ou funk não são música popular. É evidente que é musica popular, mas duvido que uma lei ou uma universidade sejam capazes de definir algo que seja minimamente consensual a respeito do que é brega. Ao mesmo tempo, todos sabem do que estamos tratando.
Essa lei então não muda nada para este ciclo do São João, que se aproxima?
Marcelino Granja - Não muda nada. Nem para esse nem para os outros ciclos.
Márcia Souto - A intenção da Secretaria não é excluir, mas valorizar a música e as tradições daquele ciclo. O brega, por exemplo, tem um período específico que toca no ano? Não. Mas o frevo tem. Ele faz parte da formação do nosso povo, na dança, na expressão cultural, na história do povo pernambucano. O frevo está vinculado a Pernambuco. O que a gente quer garantir é a valorização das tradições dos ciclos. É por isso que a gente vai dar prioridade à cultura popular, ao frevo, à música da tradição. É isso que está colocado, não há nenhuma exclusão do brega ou do funk. Uma coisa é a música, o estilo brega, outra coisa é a música que comete crimes de racismo, de homofobia. Essa daí não é contratada por nós em época nenhuma. Independentemente de ser brega, ou samba, ou o que for. Esse tipo de agressão a gente não contrata. O que a gente percebia era que muitas vezes o palco em que a gente precisava mostrar nossa tradição era ocupado por outros ritmos. E cabe ao poder público dar esse direcionamento também. A gente tem a obrigação como poder público de garantir a tradição do ciclo. O frevo, por exemplo, é patrimônio da humanidade. Cabe ao governo de Pernambuco ser o principal responsável por garantir a preservação dessa tradição. No São João também nós temos os melhores artistas nessa área, então não é um problema de exclusão, mas de dar um direcionamento correto para a preservação da tradição cultural do Estado.
Não estaria o governo ignorando uma expressão cultural popular contemporânea, ou tendo uma visão engessada do que é cultura?
Marcelino Granja – O brega é um valor cultural, isso é óbvio. Não está se discutindo isso. Outra coisa é dizermos que vamos deixar de priorizar o forró no São João, por exemplo. O gestor público pode sim dizer: 'O brega toca o ano todo. É mais beneficiado pela indústria cultural de massa, tem muito mais empresários botando dinheiro neles, as rádios resolveram tocar eles, isso faz parte da estratégia de certa dominação político-ideológica porque não desenvolve o espírito crítico'. E eu digo. Nós vamos sim ter escolhas e não vai ter nenhuma lei no âmbito da cultura que impeça essas escolhas porque isso é impossível.