Eles já ajudaram milhares de jovens a ingressar na universidade dos sonhos. São inspirações, fontes de conhecimento e dignos de respeito. Aprenderam a se dividir entre as salas de aula e os caminhos do empreendedorismo. Apostaram na educação por satisfação pessoal, por acreditar em um país melhor no futuro, e dentro do próprio espaço assinaram uma metodologia não só de estudo, mas de vida. Disciplina, liberdade, sonhos, inclusão social e aprendizado. Os professores que montaram cursinhos por acreditar em uma forma diferente de passar o conhecimento também tiveram de reiventar a profissão e empreender. Conheça a história de três professores pernambucanos que acreditaram na educação e montaram verdadeiros "impérios" de preparatórios para o ensino superior.
Fernando Beltrão, 54, conhecido popularmente pelos vestibulandos pernambucanos como "Fernandinho", coleciona aprovações nos principais vestibulares do país. Em sua conta, já são mais de dez mil alunos graduados em medicina, sua especialidade, durante a trajetória de quase 40 anos trabalhando no ramo da educação. Professor desde os 17 anos, Fernandinho precisou enfrentar obstáculos, barreiras e muitos desafios para realizar os três principais sonhos, os quais sempre elencou como meta de vida. Em primeiro lugar, ajudar a família financeiramente e em outros patamares, se tornar médico para cuidar das pessoas e conhecer o máximo de países e culturas diferentes. “Eu nunca conheci um garoto que olhava para o mapa como eu. Passava os meus dedos para marcar os países que um dia iria. Era fascinante”, relembrou.
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Fernando nasceu na cidade de Catende, na Zona da Mata Sul de Pernambuco, a 142 quilômetros do Recife e durante a adolescência, os estudos sempre estiveram em primeiro lugar, apesar das dificuldades pela falta de dinheiro. A família era grande, seis filhos, e financeiramente viviam no limite. A mãe, professora de escolas públicas nos anos 1950 e o pai ocupava o cargo de carteiro na cidade e posteriormente se formou em contabilidade. “Em casa, eu sempre estive envolto no ambiente da leitura e do aprendizado. Meu pai logo após se tornar contador, virou professor do curso de contabilidade. Meus familiares valorizaram muito o estudo, tanto que dos seis filhos todos quiseram estudar em diferentes graduações”, contou Fernandinho.
“Em menos de dois meses, eu já estava certo de que queria fazer isso pelo resto da minha vida e eu só tinha 17 anos”. - Foto: Paulo Uchôa/LeiaJáImanges
O sonho de ser médico foi algo que Fernando Beltrão sempre manteve como uma possibilidade real, mas a graduação se afastava aos poucos porque a família não conseguiria manter o garoto na cidade grande para estudar, nem pagar uma faculdade particular, que na época era "coisa de gente bacana". Estudou somente em escolas públicas de Catende e após terminar o ensino médio teve de enfrentar mais uma barreira. “Na época, fui obrigado a fazer o curso médio de contabilidade porque o governo da época, parecido com o atual, entendia que impor determinadas profissões fazia de conta que as pessoas estariam prontas para o mercado de trabalho. Mas, eu não tinha nenhum interesse nisso porque queria ser médico e não tinha ninguém que me ajudasse naquele momento. Então, fui e fiz”.
Os seus sonhos eram distantes, mas ele se agarrava na sensação de que um dia os realizaria. Aos 17, 18 anos, não se lembra bem, ele veio à capital pernambucana prestar o primeiro vestibular para medicina. “Levei pau, ponto de corte e não passei”, resumiu. Para fortalecer os estudos e focar no futuro, Fernandinho decidiu se arriscar na cidade grande e veio morar no Recife para estudar em cursinhos e se preparar melhor. Procurou um bolsa de estudos e foi recusado em 28 instituições ao todo. Ele se lembra bem. A 29ª o aceitou e como quase um presente de mãe para filho lhe deu uma bolsa integral. “Estudei de graça nos anos de 1980. Morei de favor, me virava para comer e dava aulas particulares para conseguir algum trocado”.
Passou vários meses se preparando para a prova e no fim do ano, Fernando prestou vestibular novamente. Desta vez, passou em medicina na Universidade de Pernambuco (UPE), onde atualmente é professor de Anatomia, há quase 30 anos. “Não passei com nenhum destaque, fui penúltimo lugar. Mas entrei de modo honrado”, relatou.
“Na época, a faculdade era particular e para mim era caro e impossível pagar. Eu consegui de presente de uma pessoa com muito dinheiro e ela me deu uma quantia para pagar a matrícula. Lá dentro, fui em busca de bolsas de estudo e e assim me mantendo. Dentro da universidade já estabelecido, eu decidi trabalhar porque eu precisava viver na cidade e não era barato. Entre as opções possíveis, dar aulas particulares foi o que me despertou mais interesse. Apareceu uma chance para ser professor de biologia em um cursinho no centro do Recife. Era um estabelecimento voltado para estudantes de baixa renda. Passei no teste e consegui a vaga”, disse.
“Em menos de dois meses, eu já estava certo de que queria fazer isso pelo resto da minha vida e eu só tinha 17 anos”.
Fernando Beltrão ajuda a potencializar a colocação de alunos nos principais processos seletivos do Brasil. - Foto: Paulo Uchôa/LeiaJáImanges
Beltrão terminou a universidade, abriu consultório médico, mas se encontrou profissionalmente na arte de lecionar. Passou no concurso público para ser professor da mesma universidade em que se graduou. “Era impossível manter tudo ao mesmo tempo, tive que dar prioridade ao que me fazia mais feliz”, disse. Em 1987, um ano após se formar, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) anunciou a criação da segunda fase do vestibular, uma espécie de prova específica para as disciplinas. “Quando eu descobri isso, pensei que poderia aproveitar da melhor forma possível, sendo professor de biologia. Eu sabia que essa prova seria pesada e daria muito trabalho para os alunos”, explicou.
De olho no preparo mais denso e na nova metodologia da prova de vestibular, Fernandinho, em 1988, abriu matrículas no curso de biologia, especificamente para a segunda fase, em que alunos da área de saúde seriam o público-alvo. “Eu era médico e muitos professores de biologia não eram. Eu tinha estudado, meu espaço estava montado e em dois anos, o meu curso já era grande e conhecido”, afirmou.
Para ele, empreender é oferecer no presente mas visando o futuro. “É entender que existem coisas para ser ditas que o jovem precisa escutar. Antigamente, era a segunda fase da federal e Recife virou o paraíso dos professores bons e empreendedores. Atualmente, aposto muito na tela de celular porque acredito que isso é futuro e todas as minhas aulas já podem ser vistas pelo telefone, de casa ou de qualquer outro local com acesso à internet”, frisou.
Fernandinho ensinou em colégios, cursinhos menores e outros até famosos. Mas, há 30 anos, decidiu investir na sua marca. Sua especialidade são alunos que sonham em um dia serem médicos, também. Ao longo dos anos o curso foi se modificando e se moldando ao mercado, com o fim da segunda fase dos vestibulares e a implementação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como prova que levaria o aluno à universidade.
“Eu não concordei com o Enem, no início. Achava alvo predador e pensava que não era democratizar a educação. Era dar vagas para alunos de classe média em todo país, que poderiam facilmente se mudar para onde fossem aprovados. Mas, eu precisava entrar com os três pés no Enem porque esse era o método e o fiz. Entendi a metodologia para ensinar aos meus alunos e hoje eles aprendem e se preparam para isso. Tenho alunos hoje desde o nono ano que já se preparam para o vestibular”.
Alunos estudam no pátio da Academia de Estudos Fernandinho Beltrão. Foto: Paulo Uchôa/LeiaJáImanges
A Academia de Estudos Fernandinho Beltrão, localizada no bairro da Madalena, no Recife, possui atualmente 1500 alunos, 25 professores, 15 monitores, quatro salas de aula e seis salas de estudo, além do pátio de estudos. Todas as sextas-feiras os alunos devem fazer o simulado semanal. São 180 questões inéditas, como é cobrado no Enem.
“Tenho que exaurí-los porque esse é o modelo do Enem. Aqui, ninguém escolhe onde senta na sala de aula, não pode atender celular e nem ir ao banheiro. O aluno não pode atrapalhar o fluxo de aulas. E se quiser ir ao banheiro pode sair, mas não volta. A aula é um momento de comunicação e tem que ter o seu valor. Temos um pátio grande só de dúvidas, o mesmo professor que dá aula presta o atendimento. Também temos vários monitores para ajudar os alunos. Se o aluno não fizer as tarefas de casa não adianta de nada. É mais importante praticar o do que assistir a minha aula. É necessário fazer isso porque funciona e eu sei disso porque estou no ramo há mais de 30 anos”, pontuou.
No site de Fernandinho, a equipe garante que o método inovador provocou o crescimento. "O curso foi crescendo. Primeiro, se tornou uma Central de Matérias Isoladas, que lançou grandes nomes da nossa educação. Rapidamente, ao oferecer todas as matérias, a central tomou a forma de Centro de Estudos. Hoje, temos o orgulho de sermos uma Academia de Estudos, nome que traduz de forma mais fiel a transformação que acontece aqui, todos os dias. Somos uma estrutura 100% voltada para o conhecimento e para o aprendizado".
“Hoje, o curso tem matérias isoladas de todas as disciplinas e plataforma digital porque a web é o futuro e o presente. Isso pode até custar caro agora, mas quando isso virar lei no futuro, eu já vou ter essa metodologia faz tempo. Enxergar primeiro é o mais importante para ser empreendedor. As aulas aqui são de segunda-feira a quinta. Entre uma aula e outra todas têm recreio para um respiro de 15 minutos”, complementou.
Sem esquecer da origem e da falta de oportunidades que teve de vencer, Fernandinho garante bolsas de estudos para alunos mais pobres. “Aqui no curso não são os melhores que estudam de graça. Pelo contrário, os fracos têm oportunidade. Quanto pior o aluno, mais eu quero ele aqui. Se eu conseguir fazer por ele alguma coisa eu ganho. A vitória tem muito a ver com isso. Eu sei da minha caminhada e como eu só precisava de uma oportunidade. Analiso o conjunto de fatores do aluno que precisa mais. É fácil convencê-lo de que ele tem que ser o protagonista. O fraco vale ouro pra mim”, frisou.
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Matuta, mãe solteira e graduada em uma faculdade particular
Fernanda Pessoa, 38, nasceu na cidade de Arcoverde, no Sertão pernambucano, distante 256 quilômetros da capital pernambucana. Nome conhecido entre os estudantes que pretendem prestar vestibular na capital pernambucana, a professora de português é dona de um dos cursos mais grandiosos e famosos do Recife. Em 2018, ela soma mais de 4 mil alunos, cem funcionários e muitos aprovados nos vestibulares do Brasil.
A competência é acompanhada pelo sucesso e a alta procura por vagas no curso todos os anos. Mas, a trajetória de Fernanda como professora, líder e empreendedora não foi das mais fáceis. Portas fechadas, desconfiança, preconceito e muitas decisões arriscadas. “Eu digo sempre que não nasci professora, me tornei”, disse.
Durante a adolescência se dividiu entre o Recife e a terra natal. Na época, seu maior sonho era ser médica, desejo comum nas cidades do interior nordestino, em que a carência da assistência hospitalar é um dos principais problemas estruturais da região. “Meu sonho era ir para África ajudar as pessoas, mas a minha família era muito humilde. Minha mãe era dona de casa e meu pai professor de escola pública”, contou Fernanda.
Em 2018, ela soma mais de 4 mil alunos, cem funcionários e muitos aprovados nos vestibulares do Brasil. - Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens
Os planos de exercer a medicina foram adiados ao longo da adolescência. Aos 15 anos, Fernanda engravidou do namorado e teve de assumir a filha sozinha. “Meus pais me apoiaram moralmente, mas financeiramente eu tinha que me virar”, relembrou. Para conseguir bancar os custos da filha, ela começou a fazer doces e salgados para vender. Após terminar o ensino médio, a oportunidade que pensou ser mais viável foi estudar licenciatura em letras. “Entrei em uma faculdade privada porque pensei no que me daria mais possibilidades, já que poderia ensinar literatura, gramática e redação. E assim, conseguiria dinheiro com mais facilidade”, explicou.
Já cursando letras, o empreendimento dos doces teve de aumentar. Ela vendia os quitutes nos corredores da instituição de ensino e conta que muitas vezes era preciso conversar com os professores para ser liberada das aulas e vender os lanches. “Em troca, eu dava aulas para eles em outras turmas. Era a forma que eu achei de ganhar um dinheiro para criar a minha filha”.
Aos 18 anos, decidiu vir morar na capital pernambucana para lecionar. “Eu dei aulas em muitos colégios pequenos, no início. Mas, enfrentei muitas barreiras e tive muitas portas batidas na cara. Meu currículo era muito ruim, no sentido de não ser professora formada por uma universidade federal, era de uma faculdade particular do Sertão”, lamentou.
Com a dificuldade de se manter como professora de colégios, Fernanda decidiu que podia dar aula particular nas casas dos alunos a noite para complementar a renda. Também continuava cozinhando para vender os lanches e mandar o dinheiro para casa, já que a filha ainda morava em Arcoverde com os avós. “Matuta, mãe solteira e graduada em uma faculdade particular. Foi assim que tudo começou”.
O primeiro cursinho que ela criou era composto por 13 alunos e funcionava em uma sala alugada. Mas, oito estudantes eram bolsistas. “Eu dava aula particular, em colégio e ainda cozinhava. Decidi fazer desse curso a minha África e ajudava os que não podiam pagar a mensalidade”. A forma como Fernanda passava o conhecimentos para os estudantes dizia muito sobre o amor que tinha pela profissão. “Eu tinha o sonho de ter um curso com a minha cara porque eu não me adaptava ao formato de uma educação tradicional e reguladora que algumas escolas tinham”.
Sem perder de vista o sonho de ajudar mais pessoas, ela vendeu o único carro que tinha para montar o curso no local atual, dentro da área do Clube Internacional do Recife, no bairro da Madalena. “Cheguei aqui e nada era assim. O prédio era tombado e o local estava caindo aos pedaços. Entrei aqui com R$ 5 mil. Mas eu precisava de algo com a minha cara e eu notava que as pessoas não entendiam o meu sonho. Diziam que eu estava no caminho errado, que era loucura eu vender o carro, apartamento e se endividar em banco. Uma menina achando que vai chegar a algum lugar. Filho de pobre é pobre, pensavam”.
Ao longo dos anos, o curso foi crescendo, parcerias foram feitas e desfeitas e o aprendizado mais que triplicou. Em 2018, o curso de Fernanda Pessoa completa duas décadas. “Eu sempre empreendi na minha vida. Isso nasceu comigo e meu instinto de sobrevivência era muito grande sempre. Desde as vendas de doces e salgados”. Bem sucedida em seu empreendimento, a professora de português diz que o financeiro não está em primeiro lugar. “A sociedade não entendia que não era o dinheiro. Queria participar da vida das pessoas, ajudar a transformá-las, ser lembrada por elas pelo meu trabalho e foi assim que eu comecei a brincar do que eu faço hoje”.
Para ela, a educação no Brasil enfrenta graves problemas. “Hoje nós temos um formato de educação do século 19, professores do século 20 e alunos do século 21. Esse é o grande desafio”. Fernanda esclarece que o trabalho dos professores não é respeitado. “Muitas vezes as pessoas perguntam: ‘‘você só dá aula ou trabalha também”.
“Hoje nós temos um formato de educação do século 19, professores do século 20 e alunos do século 21". Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens
O expediente de Fernanda tem início às 8h e as aulas seguem até as 22h. “Nos intervalos eu atendo os alunos. É exaustivo sair daqui todos os dias de madrugada. A gente, professor de verdade, não se preocupa muito com a auto promoção, não fazemos para aparecer. Eu não faço propaganda minha, só divulgo meu resultado quando saem os resultados dos vestibulares nas redes sociais. Nós temos hoje no Nordeste o maior curso de português em quantidade de aluno e resultado em aprovação do país”.
A professora percebe também que ao longo dos anos, o acesso à universidade tem se tornado mais democrático no país. “Sei que antigamente filho de pobre não tinha espaço em faculdade. Eu noto que essa democratização aumentou absurdamente e vejo uma parte positiva nisso. Mas, me preocupo muito em saber se os alunos estão sorteando as notas deles em cursos que nunca quiseram para entrar em qualquer instituição”.
Sobre o futuro do curso, o alto número de estudantes e de aprovações, Fernanda é taxativa. “Eu não me preocupo com o tamanho e o quantitativo. Me preocupo com a intensidade. Hoje o curso tem uma quantidade grande de alunos para que eu consiga beneficiar pessoas que não podem pagar. Atualmente, temos 600 alunos que estudam de graça. Então, tenho que trabalhar mais para que a conta se pague. Nós temos um setor de assistência social e selecionamos por renda e não por nota. Acho que ajudar aluno bom é muito fácil, mas ajudar o que não tem oportunidade é mais complicado”.
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Dos palcos do teatro às salas de aula, Bené é um dos criadores do curso “Os caras de pau”
Trabalhar com o público sempre fez parte dos anseios profissionais do pernambucano Benedito Serafim, 28. Aos 13 anos, ele atuava em peças teatrais e espetáculos como ator profissional. Dois anos depois, começou a dar aulas de teatro em Organizações não Governamentais nas periferias recifenses e em áreas de risco. Ele acreditava que a arte e o acesso à educação poderia mudar a vida de muitas pessoas.
Morador de comunidade carente e com dificuldade financeira na família, Benedito, conhecido popularmente como Bené, teve a oportunidade de se inscrever em um curso técnico de Química Industrial. “Eu não gostava, tudo era monocromático e branco dentro do laboratório. Eu odiava aquilo demais”, relembrou. Anos depois, ele teve a oportunidade de prestar vestibular e escolheu licenciatura em geografia. Foi aprovado na Universidade de Pernambuco (UPE).
Aos 18 anos, Bené se tornou professor e no início da carreira dava aulas em colégios públicos e em alguns cursinhos menores. “Se tornar professor, para mim, foi mais fácil do que para outras pessoas. Eu já tinha uma metodologia com o público que funcionava. O conteúdo aprendi com a faculdade e com a vida”.
A estratégia do empreendimento 'Os Caras de Pau do Vestibular' era fundar algo a preço popular para que o foco fosse para alunos de colégios públicos e estudantes de baixa renda. - Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens
Em 2010, após assistir ao filme chamado ‘The Blues Brothers’, na tradução: “Os Irmãos Caras de Pau do Blues”, Bené e outros professores decidiram criar aulas interativas e com apresentações. “No filme, era a história de dois homens que tentam salvar um orfanato através do blues. Usamos a mesma lógica para os aulões e tínhamos a intenção de salvar a geografia. A gente alugava teatros e os alunos adoravam”, explicou.
O espaço ‘Os Caras de Pau’, localizado atualmente no bairro da Boa Vista, área central do Recife, surge como ‘Os Caras de Pau da Geografia’, inicialmente. “A gente começou a fazer uns aulões em um cursinho de pré-vestibular público que trabalhávamos na época. Fazíamos paródias nos aulões para os alunos da instituição e dava super certo. Todo mundo gostava muito dos roteiros e pediam que o grupo criasse um cursinho nesses mesmos moldes. Por isso, arriscamos em montar nosso próprio estabelecimento”, afirmou Bené.
Por três anos, Bené e os sócios permaneceram realizando os aulões de geografia. “Como deu certo no início, decidimos abrir para outras disciplinas. Eu era ator, eu escrevia roteiros, montava cenografia e os professores se tornavam personagens dentro da história. Os aulões eram ótimos na união da música, interpretação e conteúdo. Esse era o nosso diferencial. Tudo era pensado. As atuações estavam no boca a boca da cidade e os alunos continuam a cobrar a criação de um cursinho. Mas, é preciso ter coragem para empreender porque um cursinho seria uma responsabilidade muito maior”, pontuou.
Em 2013, o professor Bené e os sócios decidiram abrir o cursinho com um conceito diferente do que era feito na época. Recife vivia o império das matérias isoladas e os valores eram praticamente impossíveis de serem pagos por pessoas mais pobres. “Eu cresci em comunidade carente, estudamos muito e somos filhos desse crescimento econômico dos anos 2000 e por isso queríamos dar acesso às pessoas que não tinham essa oportunidade. Percebemos que no mercado havia essa brecha porque as isoladas e os cursos eram muito caros”.
“Eu tenho muito orgulho de ver negros, periféricos entrarem nos cursos de direito e medicina e presenciar a população mais pobre ter esse acesso também". - Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens
A estratégia do empreendimento era fundar algo a preço popular para que o foco fosse para alunos de colégios públicos e estudantes de baixa renda. “Para manter o curso, a gente precisaria de muitos alunos. Enquanto um pré-vestibular cobrava R$ 200 em uma disciplina, a gente cobrava R$ 100 em todas as matérias. Fomos de 300 alunos a 5 mil alunos. Após um tempo, a sociedade se separou e perdemos um pouco de estudantes. Hoje temos um pouco mais de 2 mil”, calculou. No vestibular de 2018, de 1.500 alunos matriculados, foram aprovados quase 600.
Há dois anos, quando a crise começou a dar indícios mais fortes no país, o grupo de professores precisou contratar profissionais para além da educação. “A gente sentiu um pouco na pele de não ter o manejo administrativo. Já éramos professores, empreendedores e nos unimos a um administrador para que ele pudesse nos ajudar a embalar o negócio”. Atualmente, além dos 2 mil alunos, a empresa tem mais de 40 professores e 15 funcionários administrativos. “Hoje eu costumo falar que eu não tenho um trabalho, mas tenho um emprego porque não faço por obrigação, faço porque gosto”.
Para ele, o grande crescimento do curso e a fama que ganhou se deve ao fato de dar mais oportunidades aos que mais precisam. “Eu tenho muito orgulho de ver negros, periféricos entrarem nos cursos de direito e medicina e presenciar a população mais pobre ter esse acesso também. Todos pagam impostos e a universidade é um local de aprendizagem para todos”.