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Colocar o pão na mesa da família é uma tarefa que muita gente tenta cumprir. Em uma das vias mais famosas do Recife, o vendedor ambulante Edvaldo Gomes disputa um pequeno espaço da calçada da Avenida Conde da Boa Vista, no Centro da capital pernambucana, com os pedestres e outros ambulantes para conseguir levar dinheiro em prol do sustento dos cinco filhos e da esposa. Pela necessidade, alguns comerciantes trabalham até sem a autorização dos órgãos públicos.
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No ramo há mais de 38 anos e desde 2002 na Conde da Boa Vista, Edvaldo, hoje com 46 anos, aprendeu cedo a tirar seu sustento das ruas. Criado dentro de uma feira, ele conta que já passou por muita coisa ao longo desses anos na profissão. "Comecei bem pequeno, aos sete anos. Já vendi de tudo um pouco, desde frutas, água, picolé e pipoca, a produtos mais pessoais como massageadores e óculos, mas também já perdi muitas mercadorias", relembra.
Também presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comercio Informal do Recife (Sintraci), o ambulante conseguiu criar todos os cinco filhos e ainda hoje paga a faculdade da filha mais nova com o dinheiro das vendas. Para ele, ser vendedor ambulante é um dom. "Não é para qualquer um ficar aqui não, você tem que saber vender e ter aquele jeitinho para conquistar os clientes. Além disso, é uma tarefa difícil, a gente mal senta, só tem tempo para comer, ir no banheiro e voltar. Passo o dia todo em pé, e quando chove, mesmo com o guarda sol, é uma luta. Já perdi muitos produtos por causa da chuva também", desabafa Edvaldo, que ainda não possue liberação da Prefeitura do Recife para trabalhar no local.
Ainda na Boa Vista, próximo a um centro de compras, Ivaí Antônio, aos 50 anos de idade, também revela trechos da sua história. "Aqui todo dia é uma luta, faça chuva ou sol eu tenho que trabalhar. Vendo acessórios para celular, vendo sobrinha, o que tiver eu vendo. Mas é mais fácil trabalhar com isso do que com o emprego que tinha antes", comenta o ex-cobrador de ônibus que está desde 2004 no local e possue liberação da Prefeitura para comercializar seus produtos.
Assim como Edvaldo, seu Ivaí também começou cedo. Ele conta que aos sete anos de idade já vendia picolé e jornal para ajudar os pais em casa. Por conta do trabalho, o ambulante não conseguiu concluir o ensino médio e apesar de já ter trabalhado com carteira assinada achou melhor voltar para o mercado informal. "Aqui eu chego a tirar em média R$ 1,5 mil por mês. Não tem estresse. Chego na hora que quiser e se o dia for bom, eu fecho cedo e vou para casa. Sou feliz com isso porque não tenho aperreio, muito menos preciso viver dependendo de empresa", diz.
Apesar de também não possuir nenhum vínculo empregatício com empresas ou ter a carteira assinada, o prazer e a satisfação em ter o próprio negócio fazem com que Edvaldo tenha orgulho do seu trabalho. "Me sinto feliz. Faço aquilo que gosto, sou o meu próprio patrão e empregado e não tenho ninguém mandando em mim. Quando é trabalho, tudo é digno".
Uma certeza entre ambos é de que por falta de opções e com o desemprego em alta, não dá para ficar esperando cair comida do céu. "Como eu vou alimentar minha família sem trabalhar?", questiona Edvaldo. "Essa foi a forma que a gente encontrou de sustentar a nossa casa. Não tem emprego para todo mundo, o jeito é trabalhar por conta própria", complementa.
Os calos de uma vida de trabalho
Ainda no Centro do Recife, especificamente na Avenida Dantas Barreto, o vendedor ambulante Marco Aurélio, 48 anos, não teve uma vida nada diferente de Edvaldo e Ivair. Aos oito anos de idade foi vender pipoca e água na rua para realizar um desejo pessoal de colocar tranças no cabelo. Foi daí, que Cigarra, apelido dado pelos amigos a Marco, começou a trabalhar como ambulante. Estudou, completou o ensino médio e aos 19 anos começou a vender laranjas em um pedaço de madeira, que naquela época era sustentada com os braços para chegar ao alcance de quem estivesse passando nos ônibus.
As marcas nas mãos do vendedor ambulante mostram os calos criados ao longo da vida pelo trabalho duro nas feiras e com as vendas das laranjas no Centro do Recife. Calos esses que contam a história difícil de quem achou na rua um sustento.
"Não é nada fácil estar aqui. É um trabalho duro, que exige força e coragem. A gente passa por muita vergonha, você precisa se humilhar e reconhecer que precisa desse trabalho, não só por necessidade, mas por obrigação de ter algo digno para ensinar aos filhos", relata Cigarra.
Ao longo desses 40 anos, ele retrata como conseguiu se manter no mercado formal e como lida hoje com sua rotina pelas ruas da cidade. Confira a entrevista exclusiva:
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Marco ainda conta para a nossa equipe que foi do trabalho como ambulante que aprendeu a ser honesto. "Daqui eu tiro só coisas boas e o meu sustento. Foi aqui que aprendi a ser honesto, digno de mim mesmo. Foi com o dinheiro daqui que comprei minha casa própria e ainda um sítio. Eu tenho estudo, tenho capacidade de conseguir um emprego formal, mas não troco nada do que faço ou tenho por uma carteira assinada".
Segundo ele, sua alegria está no trabalho. "Quando eu estou aqui, eu me transformo. Eu sou o rei. Tenho contato com todo mundo, eu tenho prazer em conversar com as pessoas e se eu ganhar R$ 10 no dia, eu estou alegre.
Mercado informal
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em agosto comprovam que há crescimento do mercado informal. O desemprego tem levado a população a buscar outras alternativas de trabalho, mesmo não tendo carteira assinada ou vínculo empregatício com empresas.
Segundo o IBGE, no contexto da crise econômica e da consequente falta de oferta de empregos formais, a maioria dos 721 mil brasileiros que deixaram a fila do desemprego no trimestre encerrado em julho trabalhou informalidade. Atualmente, o Brasil possui 10,7 milhões de trabalhadores sem carteira assinada contra 33,3 milhões com o vínculo empregatício.
“O aumento aconteceu, principalmente, entre os empregados sem carteira assinada, contingente que respondeu por mais 468 mil novos empregos, e entre os trabalhadores por conta própria, que respondeu pelo ingresso de mais 351 mil pessoas no mercado”, aponta o estudo do IBGE. Já a população com carteira assinada manteve-se estável em 33,3 milhões”, diz a nota do IBGE.
De acordo com o presidente do Sintraci, hoje existem mais de 5 mil trabalhadores informais no Recife. Mas nem todos os ambulantes que trabalham na Conde da Boa Vista possuem cadastro junto a Prefeitura do Recife para comercializar suas mercadorias. Ainda segundo o sindicato, mesmo não possuindo carteira assinada, a maioria desses vendedores paga o Simples Nacional, tributos Federais, Estaduais e Municipais, para ter direito a aposentadoria.