A versão impressa do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), principal meio de entrada no ensino superior do Brasil, será aplicada neste domingo (17) e no 24 de janeiro. Com a proximidade da prova e em meio à pandemia de Covid-19, estudantes direcionam a o pensamento para questões Linguagens, Ciências Humanas e pela redação, bem como alguns são acometidos por ansiedade.
Guilherme Souza Queiroz tem 20 anos, faz provas do Enem desde 2016 e deseja estudar medicina. Ele conta que apesar das dificuldades impostas ao longo do último ano letivo, se sente confiante para a prova. “Foi e está sendo um período bastante atípico, a adaptação à versão remota exigiu bastante de mim durante esta preparação. Com o apoio dos meus professores e de toda equipe para que tudo fosse, de fato, ressignificado, a sensação é de confiança”, contou o estudante.
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O primeiro dia de provas, para ele, é “um momento de colocar em prática o meu senso crítico e a minha capacidade de leitura”. Ele espera encontrar “uma prova extensa, uma vez que são áreas exclusivamente teóricas, mas nada que possa ser além do que vem acontecendo nos últimos anos”.
No que diz respeito à pandemia e seus reflexos tanto nos estudos como nos dias de prova, Guilherme conta que uma mudança implementada em sua rotina foi usar máscara para fazer simulados para o Enem. “Semanalmente, costumo fazer simulados e um grande diferencial foi testar fazê-los, dentro do limite do tempo de cada dia de prova, com a máscara. Parece que o meu antigo conceito de ‘resistência’ passou a ter um significado ainda mais real. No início, confesso que achei que seria muito complicado, porém, à medida que fui fazendo mais testes para o dia da prova, notei que não seria tão difícil quanto aparentava”, relatou o jovem.
Questionado se ele se sente seguro com as medidas instituídas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) para evitar o contágio do novo coronavírus, Guilherme afirmou que “teoricamente, sim”, pela redução do número de alunos por sala. No entanto, ele revela: “A insegurança, na minha opinião, é maior quando paramos para notar a quantidade de pessoas que farão o exame, entende? É inegável a questão de aglomerar, porque é um processo seletivo de alta demanda. Noto que a condição dos locais de provas é extremamente heterogênea. Acho que não posso generalizar e informar que confio em todos os regulamentos proferidos no edital. Agora, como o atual contexto exige uma postura de muita responsabilidade, torço para que haja a efetivação segura de todos os protocolos e tudo possa acontecer da melhor forma neste momento tão decisivo”.
Maria Eduarda Maranhão, de 20 anos, está no terceiro ano do ensino médio e se decidindo entre os cursos de psicologia ou medicina. A jovem já faz a prova desde o ano de 2015 e está se sentindo angustiada devido a tudo que aconteceu em 2020 com a pandemia de Covid-19 e seus reflexos.
“Nunca convivi comigo por tanto tempo como agora, então cada dia que se passa e vai chegando o dia da prova eu vou ficando mais aflita por não saber como vai ser este ano. O medo de se contaminar e contaminar alguém que eu amo é surreal, me sinto insegura com as medidas de segurança e ansiosa para tudo isso acabar, pois eu sinceramente não sei o que esperar disso tudo. Eu tenho um pingo de esperança que tudo dê certo, mas eu sei que é complicado por ser muitas pessoas fazendo a prova e um cenário bem atípico dos outros anos. Posso falar que acho esse Enem uns dos mais injustos e perigosos que vamos ter, mas ele também é o que define a mudança de vida para muitos e inclusive para mim”, disse a estudante.
Entender e aceitar que o cenário de afastamento do ambiente presencial de estudos não seria uma realidade de curta duração não foi fácil para Maria Eduarda, que buscou maneiras de se adaptar à nova realidade. “Eu tive certas dificuldades para me organizar e planejar, pois a ficha do que estava acontecendo não caía. Depois de um mês eu consegui encontrar meu método de estudos para um cenário tão atípico e aí as dificuldades diminuíram. Posso dizer que a internet, especialmente o Instagram, foi um grande aliado para não me deixar surtar. Decidi criar uma página (@Dudamaranhaostudies) de estudos para compartilhar minha rotina e ajudar as pessoas”, contou a jovem.
A edição 2020 do Enem será repleta de regras inéditas que são necessárias devido à pandemia, com o objetivo de tentar reduzir as chances de contágio pela Covid-19. Uma delas é o uso obrigatório de máscara. “Eu comecei a usar máscaras para praticar os simulados e para fazer coisas rotineiras dentro de casa, para que no dia da prova eu não sinta a presença dela. Em momentos rotineiros muitas vezes não sinto a presença dela, mas em momentos de muita pressão, às vezes começo a ficar agoniada, com falta de ar, por ter ansiedade. Mas estou aprendendo a lidar com isso e procurando máscaras onde me dá um espaço entre ela e meu nariz, assim não me sinto muito sufocada e consigo lidar tranquilamente com ela”, relatou.
Apesar das inseguranças no que diz respeito à realização da prova durante a pandemia, ela se sente tranquila sobre o conteúdo estudado durante o último ano letivo. “Me sinto confiante no que diz respeito a isso, eu tenho conhecimento de ter uma bagagem grande em relação aos estudos por já estar três anos tentando o Enem”.
A aproximação da data da prova também é um momento de ansiedade para os professores que passaram todo o ano letivo se esforçando para estar ao lado dos estudantes, dentro das limitações impostas pela Covid-19. O professor de português e redação Isaac Melo espera uma prova normal, mas tem muitas expectativas e preocupações acerca do estado mental e emocional dos estudantes.
“Quem vai de fato estar diferente é o aluno. Este viveu na pele essas mudanças, esse adiamento, e portanto vai chegar lá mais tenso, mais nervoso. Não foi um ano fácil, atingiu não somente a vida de muitas pessoas, mas também a saúde mental de tantas outras. Estar em isolamento social não foi fácil, e obviamente também não foi fácil para quem vai fazer o Exame Nacional do Ensino Médio. Expectativa da prova em si, nenhuma. A prova vai estar como em todos os anos, a expectativa é como estará a qualidade desse aluno para fazer a prova, afetados pelo adiamento numa fase da vida delicada e vivendo na pele como todo mundo essa pandemia”, disse o professor.
Tal preocupação levou à necessidade constante de buscar meios para auxiliar emocionalmente os alunos a distância, para garantir o apoio necessário sem trazer maiores riscos à saúde de ninguém. “A gente tem coisas tão intensas quanto o nervosismo para a prova. A solidão de uma casa trancada com raros momentos de saída. Falar com os alunos precisou envolver muitos momentos que até fugiam da correção de redação, fugiam da resposta a questões e dúvidas. Foi conversar sobre a vida. Quantos e quantos alunos me procuraram para conversar sobre a vida! A gente precisou criar um botão on-line chamado 'chegue mais perto', que era um modo do aluno ter um canal on-line com os professores para falar com os professores. Para desabafar, para chorar, sorrir, para contar como foi o dia. Durante esse ano não foram somente questões e correção de redação, foi antes de tudo abraçar com conversa. A gente precisou conversar muito, indicar psicólogos, possíveis psiquiatras que viessem nos auxiliar, porque ansiedade para alguns é comum e para outros é patológica e o professor sozinho não tem como dar conta do que está acontecendo”, contou Isaac.
Em um momento assim, a apreensão não gira somente em torno das questões da prova, também há o medo de aglomerações e transmissão do vírus. Nesse sentido, Isaac afirma que há riscos na aplicação da prova, mas que é importante minimizá-los cumprindo rigorosamente todas as regras que foram impostas para reduzir as possibilidades de contágio. “A gente está em um momento em que não temos vacinação ainda no Brasil, infelizmente. Portanto, há risco sim, mas a precaução e a fiscalização dessa precaução, afinal de contas são adolescentes em maioria, precisa ser feita para que todos eles cumpram esses protocolos para prevenção da Covid-19”, opinou o professor.
Apesar da torcida para a aplicação de uma prova que transcorra dentro da normalidade, o histórico do Inep nas provas dos últimos anos também causa preocupações a Isaac. “É uma prova gigantesca, a natureza gigante da prova já nos mostra que existe aí uma situação delicada para a distribuição de provas, precisa de máxima segurança para distribuição, para elaboração de provas, para o não vazamento. O histórico dessa prova nos mostra que é necessário ter protocolos de segurança muito rígidos e fortes, convocando policiamento. Eu acredito, espero de verdade que seja uma prova tranquila, mas para falar do lado político e ideológico da coisa, é sempre um terreno movediço num momento tão duvidoso da política brasileira”, disse o professor.
Antes da prova, já presenciamos momentos em que membros do governo falaram sobre mudar a “cara” do Enem, buscando retirar o que consideram ser questões de cunho “ideológico”. Sobre isso, o professor afirma que o que pode ser visto como “ideologia” muitas vezes trata-se na verdade de questões de respeito às diferenças.
“Se por ideológicas for tratar de questões de respeito às diferenças, isso não é ideologia, isso é lei. Todos são iguais perante a lei, todos devem ser respeitados, ter direito a viver bem, a respirar ares de democracia, segurança, educação, saúde e dignidade de forma igual. Se ideologia por questões que provoquem questionamento sobre o quanto somos racistas, isso não é ideologia, é uma coisa necessária, urgente, que é inclusive papel da educação formar pessoas que pensem nas diferenças, prezem pelo respeito, que aplaudam e sejam fomentadoras da democracia. Ideologia seria talvez direcionar as pessoas para uma ideia partidária. Mas uma prova que fala sobre LGBT’s, sobre racismo, sobre machismo e misoginia, não é ideologia. É formação de pessoas para o bem estar comum e dignidade de todos”, opinou o docente.
O professor de geografia Wagner Rocha, por sua vez, torce para que a prova do Enem 2020 seja justa. “Que sejam provas bem contextualizadas, realmente tenham o DNA do Enem. Que aguce o senso crítico do aluno. Que permaneça fiel à postura de habilidades e competências. Isso que a gente espera”, disse ele. Apesar dessa expectativa, Wagner se preocupa com o bem-estar físico e mental dos estudantes, uma vez que em sua opinião, faltou organização do Inep para marcar a prova em uma data na qual os estudantes pudessem se sentir seguros.
“Estamos vendo aí uma segunda onda, uma escalada e um tempo hábil para preparação de prova seria melhor até para a segurança do aluno. Ir tranquilo para a sala de aula, dar tempo de estudar salas de aula mais arejadas que deem mais segurança. Para o aluno se preocupar apenas com a prova e não com efeitos colaterais que podem ocorrer com essa aglomeração. Na realidade, foi precoce marcar a prova para janeiro, mas já que foi marcada, o foco é acalmar os alunos, ajudar sobre a ansiedade para que eles tenham preocupação exclusivamente com aquilo que estudaram durante o ano e com a prova que vai fazer”, disse o professor.
Ao longo do ano, a preocupação emocional com os estudantes foi grande e permeou todo o processo de ensino e aprendizado. Na reta final, para o professor, esse apoio se torna mais importante ainda devido à toda pressão sobre os alunos nesse momento.
“Desde o começo da pandemia, a gente está trabalhando muito o emocional do aluno. A pandemia abalou todos de alguma forma. Ou você perdeu alguém, conhece alguém que adoeceu, teve algum problema no emprego, de alguma forma todos foram afetados. Desde o início, a gente vem trabalhando o lado emocional e não é o conteúdo pelo conteúdo, que o aluno é muito maior que uma prova e fracassar faz parte, porque com erros a gente aprende. Tem o Zoom com aulas ao vivo, então sentimos nosso público com canais para o aluno falar com o professor diretamente e dessa forma compartilhar o peso desses anos de 2020/2021, porque quando compartilhamos o peso, ele fica mais leve. Depois da aula, eu sempre tenho um momento de conversa com eles mostrando que realmente a vida da gente vale muito mais do que números, do que uma prova”, disse Wagner.
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