A debandada nos conselhos de administração das companhias do grupo EBX, no auge da crise financeira, abre um debate sobre o papel deles nas companhias abertas brasileiras. Renunciar ao cargo é uma prerrogativa dos conselheiros. Mas até que ponto abandonar a empresa no olho do furacão vai contra à própria essência da função, que é orientar as decisões societárias?
Para especialistas ouvidos pelo Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, a questão é complexa, mas há espaço para questionar em que casos os conselheiros pecam por omissão. Na OGX, petroleira do grupo, todos os membros independentes abandonaram seus assentos e o conselho ficou reduzido à metade. Eles tinham papel fundamental para a possível recomposição do caixa da companhia. Caberia aos independentes acionar as condições para o exercício da opção de venda de US$ 1 bilhão por parte do controlador da empresa, Eike Batista, até abril de 2014.
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O grupo de notáveis tinha entre seus integrantes dois ex-ministros do governo Fernando Henrique Cardoso: Pedro Malan (Fazenda) e Rodolpho Tourinho (Minas e Energia). Além deles, estava no quadro a ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Gracie Northfleet. Os últimos a sair foram Luiz do Amaral de França Pereira e Samir Zraick, em 10 de julho.
A comunicação das renúncias pela OGX foi sempre sucinta e sem explicações ao mercado. Ficou no ar a hipótese de estarem sendo pressionados a não insistir no exercício da put (opção de venda) por Eike, o que foi negado pela empresa. Outra hipótese é que tenham aberto mão do cargo por perceber que o empresário não estava disposto a honrar o compromisso. Se ficassem, teriam de opinar, por se tratar de uma questão relevante para a companhia, mas não poderiam obrigar o controlador a injetar US$ 1 bilhão. O caso lembra a frase dita pela capitania dos portos ao comandante Francesco Schettino, que abandonou o navio Costa Concórdia após o acidente na Itália: Volte a bordo!, brinca um ex-integrante da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Controlador
A professora da Direito GV, Viviane Müller Prado, diz que a expectativa em torno do conselheiro independente é que ele exponha mais as divergências com o controlador, justamente por não ser (ao menos em tese) diretamente ligado a ele. No Brasil, o critério de independência é que o conselheiro não seja funcionário, nem ex-funcionário, prestador de serviços, ou tenha qualquer outro vínculo com a companhia ou seu principal acionista.
Em um trabalho recente sobre o tema, entretanto, a Direito GV identificou que no País há pouca divergência nos conselhos. A opção em geral é fugir do embate. O que se percebe é que ao invés de apontar o que não está correto, a tendência é renunciar. Pode-se dizer que, em muitos casos, a renúncia dos independentes no Brasil é uma forma de dizer que há algo errado, diz Viviane.
A especialista em mercado de capitais diz que a legislação não obriga o conselheiro a permanecer no cargo. Para ela, a responsabilização por quebra de dever de diligência ou lealdade só existe enquanto estiver no cargo. O conselheiro faltaria com o dever de diligência se permanecesse no cargo, soubesse de problemas e não apontasse isso ao órgão colegiado, declara, frisando que a renúncia pode ser uma maneira de evitar uma futura punição.
Omissão
A Lei das Sociedades Anônimas permite ao administrador consignar sua divergência em decisões do conselho, eximindo-se de responsabilidade. A ex-diretora da CVM e professora da PUC-Rio, Norma Parente, avalia que a xerife do mercado de capitais pode questionar os conselheiros que deixaram a OGX. Ela não descarta que a saída dos administradores, justamente no momento em que deveriam orientar o exercício (ou não) do contrato de put, venha a ser interpretada como falha por omissão. Ao tratar do dever de lealdade, a Lei das S/A veda ao administrador se omitir na proteção de direitos da companhia. A CVM já condenou conselheiros por omissão, embora o caso não envolvesse renúncia.
O especialista em governança da Mesa Corporate, Renato Chaves, faz coro. Em sua análise, a presença de três figurões no conselho da OGX era uma espécie de garantia ao mercado sobre os rumos da companhia. No mínimo vale questionar o que levou à renúncia, diz. Procurados, os três ex-conselheiros independentes da OGX não retornaram os pedidos de entrevista sobre o caso.