Cerca de 3% dos presos em flagrante que recebem liberdade provisória em audiência de custódia voltam a reincidir em Pernambuco - número que corresponde à média nacional. A quantidade de reincidência é considerada baixíssima pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), que apresentou um balanço das audiências de custódia desde sua implementação no Estado em agosto de 2015 até a primeira quinzena de dezembro de 2019.
Na audiência de custódia, o juiz avalia, no prazo de 24 horas, se a prisão em flagrante será convertida em prisão preventiva ou se será concedida a liberdade provisória ao autuado, com ou sem a aplicação de medidas cautelares. No caso de prisão preventiva, o custodiado é encaminhado ao presídio. Nas comarcas do interior, o custodiado poderá ser encaminhado às cadeias públicas. Já no relaxamento (prisão ilegal) ou liberdade provisória (não necessidade de prisão preventiva), a pessoa recebe o alvará de soltura. O magistrado também poderá avaliar denúncias de eventuais maus-tratos e torturas praticados por policiais no momento da prisão.
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No período de 2015 a 2019, foram realizadas 40 mil audiências de custódia em 19 comarcas pernambucanas. Segundo as estatísticas do Judiciário pernambucano, cerca de 60% tiveram o flagrante convertido em prisão preventiva e 40%, liberdade provisória por meio de alvará de soltura.
Para o desembargador da 2ª Câmara Criminal do TJPE, Mauro Alencar, a principal consequência da audiência é evitar o encarceramento desnecessário. "Não se trata de uma medida para ‘não prender’, mas para decidir de forma embasada e num primeiro momento após o flagrante, ou seja, no prazo máximo de 24 horas, se é necessário realizar a prisão preventiva do acusado ou não. Então, uma das grandes conquistas desse procedimento é antecipar a liberdade provisória de quem já teria esse direito, após posterior análise, e que seria preso desnecessariamente. Evita que um indivíduo que tenha cometido um crime de menor potencial ofensivo, como o furto de gênero alimentício, por exemplo, fique preso com outros que praticaram crimes mais graves como latrocínios e homicídios", ele explica.
Caso o preso receba liberdade provisória, o processo segue para uma unidade judiciária da comarca onde o crime foi cometido e será julgado após o devido processo legal. Durante o trâmite processual, haverá a fase de instrução, em que são avaliadas as provas e ouvidas testemunhas, caso sejam arroladas, e são analisadas as alegações da acusação, ou seja, do Ministério Público, e também da defesa do réu.
A Central de Flagrantes do Recife, que funciona no Fórum Desembargador Rodolfo Aureliano, na Ilha Joana Bezerra, área central da capital pernambucana, é a unidade que recebeu o maior número de custodiados e tem o número mais alto de acusados apresentados diariamente. Desde que foi implantada em 2015, a unidade recebeu 12.692 custodiados em 10.813 audiências, sendo apresentados uma média de 20 autuados por dia. Do total recebido, cerca de 40% recebem alvará de soltura, com ou sem a concessão de medidas cautelares e o pagamento de fiança, acompanhando a média percentual do restante do estado. Os tipos penais mais frequentes são tráfico de drogas, furto e roubo, que correspondem a cerca de 70% dos casos.
O coordenador de Audiência de Custódia no Estado, juiz José Carlos Vasconcelos, sugere alguns motivos para o baixo percentual de reincidência criminal: "Tentamos humanizar a audiência de custódia e procuramos conversar com os custodiados, explicando a legislação, o funcionamento do sistema prisional e buscando informações a respeito do seu envolvimento com drogas, por exemplo, se estão inseridos no mercado de trabalho, e da necessidade de alguma documentação específica para conseguir um emprego."
Em todos os casos de concessão de liberdade provisória, o acusado é encaminhado para o Centro de Penas Alternativas (Ceapas) do TJPE, que dá suporte ao setor de audiência de custódia no Estado. No local, há uma análise do perfil do custodiado, que recebe assistência psicológica e assistência social, e é encaminhado, quando necessário, para órgãos ou instituições em que são providenciados documentos ou possam ser direcionados para um emprego. O centro é composto por psicólogos, assistentes sociais e advogados.
O autuado que recebe alvará de soltura também pode ainda ser direcionado ao Centro de Apoio Psicossocial (CAP) do TJPE, em caso de envolvimento com drogas, por exemplo, onde recebe apoio psicológico. A unidade é formada por psicólogos e assistentes sociais que prestam ainda assistência técnica a juízes e varas judiciais em pareceres e estudos periciais.
Para tomar a decisão, o juiz analisa informações como tipo penal, existência de antecedentes criminais, endereço fixo, se o réu representa um risco ao convívio social e se irá comprometer a investigação policial.
"Às vezes, o acusado tem endereço fixo, emprego e é réu primário, mas o crime cometido ou a maneira de agir no cometimento do delito, com emprego de violência ou grave ameaça, configuram precedentes para decretar a prisão preventiva. Os magistrados que atuam em Pernambuco são bem rigorosos nessa análise, tanto que figuramos, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre os estados que mais decretam prisão preventiva, desde que o serviço foi implantado nacionalmente", pontua o juiz José Carlos Vasconcelos.
A audiência de custódia já foi objeto de crítica do presidente Jair Bolsonaro (PSL). “Tratar esse tipo de gente com dignidade, com direitos humanos ou como se fossem excluídos da sociedade é pavimentar a estrada para a violência no nosso Brasil", diz Bolsonaro em um vídeo de 2017 criticando a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em 2019, ele escreveu em seu Twitter: “Lutamos para desfazer políticas erradas das últimas décadas, a começar pela audiência de custódia e desarmamento do cidadão.” Após Bolsonaro sancionar o Pacote Anticrime aprovado pelo Congresso, a audiência de custódia passou a constar em lei.
Com informações da assessoria