Na última semana, organizações sociais lançaram no Recife um documento intitulado "Guia Prático sobre Abordagem Policial". O material, voltado aos jovens periféricos, orienta sobre como se portar durante o 'baculejo', quais são os direitos do abordado e a quem as vítimas de violência policial podem recorrer.
Entre o trabalho de ambulante, ajudante de pedreiro e tatuador, o autônomo José Carlos relata que vive uma rotina de constrangimento, a qual é ordenado a colocar as mãos na cabeça até quando vai comprar pão. Aos 26 anos, ele diz que perdeu as contas de quantas vezes foi abordado dentro ou fora do seu bairro, na comunidade do Detran, na Zona Oeste do Recife, onde os moradores observam o policiamento ser distanciar da preservação da ordem social.
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"Uma vez teve um que me revistou e quando ele foi embora, coloquei a mão no bolso e vi que não tava o meu dinheiro. Eu chamei: 'Ei, senhor, e meu dinheiro?', ele começou a me ameaçar e disse: 'Tas me chamando de ladrão, é? Vai embora'", recorda, ao descrever o sentimento de incapacidade e humilhação.
Ele recebeu o primeiro 'baculejo' quando tinha 13 anos. Assim como em outras oportunidades, José Carlos nunca decidiu denunciar os excessos, por medo de ameças como a citada.
O autônomo não generaliza a categoria e ressalta que há policiais que respeitam o dever junto à sociedade, mas enxerga o preconceito como motivação para o que insistem em se desviar da integridade da função.
Mais de 1.000 processos em andamento
De 2019 a 2021, 506 policiais foram punidos em Pernambuco, aponta a Corregedoria Geral da Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS). As queixas mais frequentes foram de 'agressão física' e 'ameaça', que representam 1.358 casos, 'abuso de autoridade' (355), 'trabalhar incorretamente' (1.143) e 'faltas/atrasos' (494).
Atualmente, 1.414 processos estão em andamento no estado, informa o órgão, que garante a apuração rigorosa nas ações, que podem definir a suspensão ou até a exclusão dos agentes denunciados.
Informação contra a impunidade
Para dar visibilidade ao assunto e emponderar quem se vê fragilizado com truculência das abordagens, o 'Guia Prático sobre Abordagem Policial' foi produzido pela Rede Comunitária de Santo Amaro, através do Grupo AdoleScER e do Ruas e Praças, em debate com a Caritas Alemã, o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), a Comissão de Direitos Humanos da OAB-PE e com o mandato do vereador Ivan Moraes (Psol).
O material conta com 14 páginas e está disponível no formato online para alcançar mais leitores. O texto reúne os direitos da pessoa abordada como os limites do acesso da autoridade policial ao celular, a devolução de pertences, apresentação de documentos e a entrada em residências.
Entre as recomendações, o Guia informa que não há obrigatoriedade de portar documentos, apenas informar os dados do registro, o nome dos pais e a data de nascimento. O policial tamém não pode "mexer no seu celular sem autorização por escrito de um juiz. Se fizer isso, estará violando sua privacidade e sigilo da comunicação, assegurado pela Constituição"
"O policial pode revistar bolsas, sacolas e mochilas sem mandado judicial, desde tenha indício que justifique a suspeita [...] sem ameaças, agressividade, gritaria e/ou xingamentos. Se um policial ameaçar alguém para que confesse algo, isso é crime de TORTURA", ressalta.
Além da Corregedoria, que recebe queixas pelo telefone (81) 3184-2714 ou de forma presencial no endereço Avenida Conde da Boa Vista, 428, o Guia listou o contato das principais organizações que podem prestar assistência. Confira o material.