No Natal de 2022, a família do bombeiro Yasser Youssef Batista Cordeiro protagonizou um episódio de violência e terror horas após a celebração da ceia natalina. O militar estava dormindo e acordou com os gritos da esposa, enquanto sua casa era invadida por um homem armado com facas. O caso aconteceu em um apartamento no Torreão, na Zona Norte do Recife, e foi testemunhado por vizinhos. À ocasião, o invasor golpeou Yasser com 32 facadas, após render a vítima e trancá-la no quarto que pertencia ao casal. Hospitalizado, o bombeiro morreu no dia seguinte, 26 de dezembro.
Nesta segunda-feira (2), no Fórum Desembargador Rodolfo Aureliano, na Joana Bezerra, aconteceu a primeira audiência de instrução do caso, quase dez meses após o homicídio. O réu está preso desde o ocorrido, mas a família se mobiliza para que a prisão não seja flexibilizada de nenhuma forma e que o invasor vá a júri popular o mais rápido possível. Paula Ingrid, de 38 anos, sobrevivente e esposa de Yasser, relata que os dias têm sido difíceis e que é a busca por justiça que a tem motivado a correr atrás do necessário.
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“O dia a dia é muito duro. Ele [o assassino] não tirou só a vida do meu marido. Tirou a minha, da minha filha, da minha enteada, da mãe dele. Da minha família e da dele. O dia a dia é de psicólogos, psiquiatras, remédios, urgência, crises de pânico. Tenho que lidar com toda essa loucura por algo óbvio. Ele foi pego em flagrante. Ele deu 32 perfurações no meu marido por nada, unicamente para fazer o mal”, desabafa Paula ao LeiaJá. Yasser Youssef tinha 41 anos e era oficial do Corpo de Bombeiros. O fato da vítima ser militar é considerado um dos motivos para o réu ter cometido um crime tão violento, em uma espécie de vingança, por ter confundido Yasser com um policial.
A vítima sobrevivente é a principal mobilizadora da campanha “Justiça por Yasser”, que se organiza e divulga informações do caso através do Instagram. Paula e Yasser foram casados por 12 anos, mas estavam juntos há 19. O casal também tem uma filha, atualmente com oito anos, mas a menina não teve o nome divulgado. A criança é a segunda sobrevivente do episódio e também estava dormindo quando a invasão aconteceu.
“No momento em que eu peguei minha filha e corri, eu ouvi quando ele viu a farda do meu marido. Ele começou a xingar, ficou muito nervoso. 'Tu é militar, filho da put*', e meu marido respondeu que era só bombeiro, mas nesse momento, certamente, ele começou a furar o meu marido, que também gritou pedindo 'por favor'. Também ouvi o barulho dos móveis arrastando, porque provavelmente meu marido tentou se defender. Saí de carro com a minha filha, pois tem um posto policial perto da minha casa, e quando voltei pra lá com os policiais, já havia uma segunda viatura, que a minha vizinha chamou, mas não deu tempo. Minha casa estava toda ensanguentada, um cenário de guerra”, continua a esposa da vítima.
O dia da invasão
Ainda segundo Paula Ingrid, a invasão foi antecipada por uma vizinha, que flagrou o suspeito preso às grades do prédio e informou a amiga por telefone. Paula correu para acordar Yasser, mas quando chegou no corredor entre o quarto da filha e a sala de estar, o homem já estava lá. O invasor entrou no local pela grade da lavanderia, que dá acesso à cozinha do apartamento e lá, furtou duas facas, utilizadas posteriormente no crime.
Yasser foi acordado aos gritos da companheira. “Gritei pelo meu marido e ele acordou desnorteado, sem entender nada. Ele havia bebido vinho na ceia [de Natal] e estava sonolento. Ainda assim, ele foi pra sala e tentou uma negociação com esse homem e ele [o invasor] disse que tinham pessoas querendo matá-lo, mas que não seria morto. Na negociação ele rendeu o meu marido por trás, com uma faca no pescoço e outra na cintura. Ele levou o meu marido pro quarto e trancou a porta. Nisso, ele já tinha levado a chave da casa e os celulares. Foi ágil, foi tudo pensado. Quando ele entrou no quarto e trancou a porta, eu vi a outra cópia da chave, ao lado da chave do carro. Eu ceguei, só pensei na minha filha, que só tinha sete anos, e ele com certeza não iria nos poupar”, continua a vítima.
Homenagem de Fernanda, primeira filha de Yasser. Foto: Vitória Silva/LeiaJá
As teses da acusação
O caso de Yasser é representado pelas assistentes de acusação Gabriela Silva e Isabel Barbosa, que trabalham com a tese de homicídio qualificado por quatro qualificadoras. De acordo com as advogadas, a audiência de instrução já deveria ter ocorrido há alguns meses, mas a defesa do réu tem postergado o processo e esgotou o prazo estipulado por diversas intimações judiciais, o que é visto como uma tática comum nesses casos.
"Hoje, vamos reforçar a tese das qualificadoras. A impossibilidade de defesa, a quantidade de facadas, o fato de a vítima estar dormindo no momento da invasão. Nossa expectativa é de que a audiência de instrução se encerre hoje. A defesa tentou postergar o júri de todas as maneiras. O atraso, além de prolongar o sofrimento da vítima viva [Paula], pode fazer com que o caso caia no esquecimento. Nós queremos a pena máxima e que o caso siga em evidência", informou Gabriela.
A primeira audiência, no entanto, é apenas de instrução. É nela que se define tanto a questão de autoria, que, “neste caso, está comprovada, pois ele foi pego em flagrante e confessou”, segundo Gabriela, quanto a questão das qualificadoras que serão aplicadas em plenário do júri. A acusação vai apelar pela pena mínima de 24 anos. O autor já não é mais réu primário, tendo passagem por receptação, com registro em Jaboatão dos Guararapes.
“Ele já é réu confesso e a defesa vem protelando para tentar ganhar tempo porque, como se tratou de uma situação de total emboscada sob motivo fútil, faz com que ele seja levado ao júri. Não existem dúvidas quanto à autoria do crime. Neste caso, o crime é um homicídio com quatro qualificadoras: motivo fútil, emboscada, meio cruel e ainda o fato de Yasser ser bombeiro, pois a informação da vítima ser um militar foi um fator determinante", alegou Isadora, também assistente de acusação.
A defesa do autor do crime, um homem de 31 anos, cuja identidade não foi revelada, não foi localizada pela reportagem antes e nem durante a audiência. O caso estava sob a advogada cível Isadora Pires, que não representou o réu na audiência desta segunda-feira (2). Houve a habilitação de um novo advogado, criminalista, para a audiência de instrução. “Já desconfiávamos que havia um advogado criminalista por trás. É uma estratégia de defesa, como uma ‘fachada’. A advogada anterior nem era criminalista, mas de causas civis. Hoje, pode ser que o advogado habilitado peça novas perícias e consiga postergar o júri mais ainda”, esclareceu a assistente de acusação Gabriela Silva.
Sobreviventes nunca retornaram ao local
Após o crime, amigos e familiares de Yasser e Paula realizaram um mutirão para limpar o apartamento e remover os pertences do casal do imóvel. Paula diz nunca ter tido condições de voltar lá e, atualmente, mora com familiares. “Não fico só e não ando só. É um dia a dia de muita luta pra fazer o necessário, até porque carrego a dor também da minha filha”, disse.
A criança, que à época do homicídio tinha sete anos, passou a falar sobre o episódio apenas recentemente. Paula diz que a filha “bloqueou” o dia como uma resposta ao trauma, mas que lembra com detalhes do que aconteceu, mesmo tendo sido acordada no meio da noite, já com a situação em andamento.
“Quando eu cheguei ao posto policial, cheguei gritando, porque não tinha como ser diferente, eu precisava de ajuda. Ali, ela entendeu e começou a chorar, a gritar, ficou em desespero. Na volta, ela ficou com uma vizinha. Ela bloqueou esse dia, mas recentemente consegui falar disso com ela e me surpreendi, pois ela lembra de detalhes. Como ela tem dificuldade de falar sobre, não achei que ela saberia. Ela só não sabe da crueldade, da quantidade de facadas, mas sabe de tudo. Ela me pergunta: 'mamãe, por que o assassino escolheu a nossa casa? Papai tinha 40 anos, por que Deus levou meu pai?'”, diz a mulher.
Yasser tinha uma outra filha, do primeiro relacionamento. A jovem Fernanda Cordeiro, de 23 anos, ficou sabendo do assassinato do pai enquanto comemorava o Natal na casa dos sogros, que também haviam tido uma perda familiar na véspera da data. "Você nunca imagina que vai acontecer com você e com alguém que você ama. Tanto pra mim, quanto pra minha irmã, ele era a pessoa mais forte do mundo, a que sempre protegeria a gente e nada de mal aconteceria a ele nunca. Realmente, era essa visão bem fantasiosa mesmo, de herói. É terrível imaginar que meu pai passou por tudo aquilo. É de uma frieza absurda você fazer isso com uma pessoa. A gente tenta ser forte e levar os dias, mas a saudade só cresce”, finalizou Fernanda.