A divulgação do Enem Digital, que terá sua aplicação piloto iniciada já neste ano de 2020, tinha trazido para os participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) a possibilidade de optar entre dois modelos de prova distintos. Esses modelos podem ser escolhidos conforme o número de vagas e a cidade de residênciad o candidato. Em 2026, a modalidade digital deverá ser totalmente implantada, segundo o Ministério da Educação (MEC).
Nos últimos dias, contudo, o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Alexandre Lopes, anunciou a criação do Enem Seriado, que será uma ampliação para aplicação anual e em todas as séries do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) a partir de 2021. A medida também vale para ingresso no ensino superior de 2024 em diante. A prova será digital e aplicada nas próprias escolas através de tablets fornecidos pelo Inep.
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Com mais essa opção, até 2026 os estudantes que sonham com uma vaga nas universidades terão três modalidades distintas de prova que permitirão acesso ao ensino superior diretamente ou por meio de políticas do governo, como o Programa Universidade Para Todos (Prouni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), por exemplo. Diante disso, o LeiaJá ouviu professores para explicar as vantagens e desvantagens que cada prova apresenta e qual delas é a ideal para cada estudante.
Enem Seriado
Para Wagner Rocha, professor de geografia há 18 anos, o Enem Seriado tem como qualidade permitir ao aluno a construção da nota ano após ano, e lembrou que a Universidade de Pernambuco (UPE) já conta com o modelo seriado de seleção.
“A partir do 1º ano do ensino médio a gente vai ter o que já ocorre aqui em Pernambuco. Eu vejo o [Enem] Seriado como uma coisa muito positiva, porque é mais uma porta de entrada no ensino superior e isso vai diminuir aquela ansiedade que o aluno vai para a prova e vê aquilo como uma última oportunidade que ele tem, se não só tem para o ano”, disse o professor.
O professor de física Nilson Lourenço trabalha há 37 anos com vestibulares e com o Enem desde 1998, quando a prova foi criada. Ele afirma com base em sua experiência que os estudantes que passam o ensino médio se dedicando a provas seriadas costumam também ter sucesso em outras provas, como o Enem, e conseguem aprovação, motivo pelo qual ele vê o Enem Seriado com bons olhos. “O aluno que for esperto vai ter um menor conteúdo ano a ano, se ele, ou alguém orientá-lo, será uma maravilha. Hoje os alunos que se dedicam ao SSA e passam na UPE têm notas para passar em muitas federais.” disse o professor.
Nilson lembra, no entanto, que avaliações continuadas, como é o caso dos vestibulares seriados da Universidade de Pernambuco (UPE), Universidade de Brasília (UNB) e do Enem Seriado, têm assuntos cumulativos até o terceiro ano, favorecendo mais alunos que estudam bem durante todo o ensino médio. “Quem deixar só para o terceiro ano tem uma prova cumulativa, são os assuntos dos três anos”, alertou ele.
O modelo seriado de avaliação também é elogiado pela professora de história Thaís Almeida, ao lembrar que provas aplicadas uma única vez no ano ao final do ensino médio nem sempre avaliam todo o conhecimento do estudante. “Quando o aluno só tem a opção da prova tradicional, a gente sabe que nem sempre essa prova consegue dar conta de realmente avaliar o aluno em tudo que ele construiu ao longo do ensino médio dele. A ideia de uma avaliação continuada é muito positiva e diminui injustiças”, declarou a professora, fazendo a ressalva de que a prova deve ser aplicada em formato físico e não digital.
Para o professor de Linguagens e redação Isaac Melo, dois aspectos positivos do Enem Seriado são o fornecimento de informações sobre alunos, professores e escolas para a sociedade e a possibilidade de fazer tanto da modalidade seriada quanto o Enem aplicado no terceiro ano do ensino médio. “O Enem Seriado traz para o professor, para o diretor, para a logística que está sendo feita e para os projetos pedagógicos da escola uma informação importantíssima. A segunda parte positiva é poder fazer com que ele tenha uma quantidade menor de coisas para estudar em um ano. Esse aluno pode no final do ano optar pelo que ele fez no seriado e também fazer o Enem”, disse ele.
No entanto, Isaac também faz uma ressalva no que diz respeito a possíveis consequências da implantação do Enem Seriado no sistema de ensino das escolas do país. “Se o alvo do 1º, 2º e 3º ano for fazer a prova do Enem, a educação, penso eu, cai por terra, porque perde aí nesse meio a formação humana tão importante. Claro, tem escolas que conseguem trabalhar o lado humano e emocional dos alunos e prepará-los para uma prova. O que me preocupa somente é isso, formar alunos para responder uma prova no final do ano que vai ser a prova que vai ditar se o colégio presta ou não presta, se o professor presta ou não presta, se o aluno é bom ou ruim. Isso é bem perigoso”.
Enem Digital
Questionada sobre as vantagens trazidas pela inserção do modelo digital na prova do Enem, a professora Thaís Almeida afirmou não ver nenhuma. “No contexto atual eu não vejo nenhum ponto positivo. Eu acho um modelo de prova que abre muito espaço para fraude, que desconsidera todas as desigualdades entre os estudantes do Brasil. Não há nenhum projeto paralelo do Governo Federal que busque melhorar a infraestrutura das escolas tanto para preparar os alunos para fazer uma prova no modelo digital quanto para apropriar os espaços das escolas para receber todos os alunos do Brasil que fazem a prova”, afirmou ela.
Para o professor Nilson, a inserção dos estudantes no universo on-line e a economia de papel, com benefícios ao meio-ambiente, são pontos positivos do Enem Digital. No entanto, ele faz algumas ressalvas a respeito do fato de que muitos estudantes estão em condições desiguais de acesso à tecnologia.
“Nem todos os alunos tem em mãos os computadores, para praticarem, para se habituarem, lembremos que 66% dos alunos que prestam o vestibular são de escolas públicas e muitos não têm nem internet. Claro, primeiro temos que ter um internet de qualidade para todos. Todos têm que ter o hábito de resolver questões on-line, mas isso por enquanto é um sonho. Ler um livro, papel na mão, e outro digital, é bem diferente. Imagina fazendo contas. No papel é só virar, voltar páginas. Isso [aumento do tempo de resposta em provas digitais] está sendo dito pelos alunos com as aulas on-line” afirmou o professor de física.
O professor de geografia Wagner Rocha criticou a decisão do Inep e do Ministério da Educação (MEC) de já iniciarem a aplicação piloto do Enem Digital valendo nota e vaga nas universidades, sem um primeiro momento de testes. “Acredito que cometeram um erro muito grande, porque não teve uma fase de teste para os alunos. Eu não acho salutar, eu não acho prudente um aluno que esteja bem preparado ir por essa modalidade digital no presente momento. Apesar de que eu acho, sim, uma grande ideia, baseado na revolução 4.0, mas ao mesmo tempo a gente sabe que um quarto da população brasileira não dispõe de internet”, disse o professor.
Wagner aponta também algumas vantagens do Enem Digital em relação à prova tradicional, como alguns recursos audiovisuais e de interatividade para contexto das questões que, para ele, podem ajudar na compreensão do aluno. “Vejo que tem ganhos futuros, porque essas provas podem ser mais dinâmicas, conter gráficos, infográficos, animação, gamificação, tudo isso que faz parte da nova indústria 4.0 que a gente tá falando, mas é importante também pensar na inclusão e pensar em todos, não apenas pensar em alguns”, disse o professor.
O professor Isaac Melo tem a mesma visão positiva a respeito da interatividade do Enem Digital, mas faz uma crítica ao lembrar que o modelo exclui as pessoas com necessidades especiais. “Se a tecnologia entra, ela deve entrar não somente para teste tecnológico mas também para incluir. Já estou triste porque o ano piloto, que é este ano, já exclui quem mais precisa da tecnologia para ser inserido, existe aí uma incoerência”, afirmou ele.
Questionado sobre o que levar em consideração na hora de escolher entre a prova tradicional ou digitalizada, o professor Isaac orientou os estudantes a avaliar o seu processo de preparação ao longo do ano. “Quando o aluno se prepara o ano inteiro fazendo questões no papel, ele deve sem dúvida nenhuma optar pelo Enem de papel. Agora se ele tem uma habilidade muito boa, o colégio dele ajuda nessa interpretação da linguagem tecnológica, então o que ele tem que fazer mesmo é o Enem tecnológico”, disse o professor.
Enem Tradicional
Para o professor Nilson Lourenço, a prova tradicional é o modelo que ele acha melhor pela vantagem de ter a prova na mão. “O [Enem] on-line será uma realidade no futuro. Eles [os alunos] vão começar a se adaptar. Acredito que em mais dois, três anos, eles já vão optar [pelo Enem Digital], porque os cursos e os colégios vão começar a investir nesse sistema” disse o professor.
O professor Wagner Rocha enxerga como qualidades do Enem tradicional o formato das questões e também a possibilidade dos estudantes concorrerem a diversas universidades em todo o país e no exterior com a nota da prova. No entanto, ele avalia que parte dessas características foi perdida na edição de 2019.
“É um ponto positivo demais ter uma prova aceita em todo o Brasil e fora do Brasil. Sou fã do Enem quando quebrou pegadinha, decoreba, aquela questão que favorecia muito mais memorização do que o aluno que contextualizava, que pensava. O lado ruim do Enem é porque pelo menos na última versão da prova ela tá indo na contramão da essência da criação do Enem. As questões do ano passado foram pobres, pouco contextualizadas, questões que em alguns casos eram muito conteudistas, priorizavam também a memorização”, afirmou Wagner.
Para o professor, outro ponto negativo da prova são as falhas de segurança que o Enem tradicional já apresentou. “Ano passado a gente viu a questão das notas com grandes assimetrias. Tem alunos que deveriam estar na universidade e não estão por erro do sistema, que não tiveram respostas quando o próprio ministro disse que todos teriam respostas via e-mail e ele iria analisar caso por caso. Não é apenas a prova, mas também tem o pós-prova e o órgão competente ele tem que dar suporte para todos aqueles que fizeram prova e de alguma forma se sentiram prejudicados”, declarou Wagner.
Para a professora Thaís Almeida, o Enem Tradicional é uma ótima prova e, apesar de ter apresentado problemas em anos anteriores, não tem falhas em sua concepção enquanto exame. O problema, para ela, está na gestão do órgão executor da prova.
“O Enem tradicional eu acho uma prova muito boa. Os problemas que tiveram até agora eu acho que foram relativos à gestão do Estado, como o Inep vem gerindo a prova de uma maneira completamente ineficiente mas não é um problema da prova em si. A prova do Enem tem uma qualidade muito boa, um sistema de avaliação por habilidades e competências muito bom, muito moderno, que inclusive é usado por vários outros sistemas seletivos do mundo. O problema que eu teria para apontar seria a gestão do Inep atual, não da prova”, declarou Thaís.
Na visão do professor Isaac Melo, o contra do Enem Tradicional, quando comparado à versão digital, é a falta de dinamismo da prova, que só tem imagens e textos para contextualizar as questões. No entanto, ele não deixa de destacar o fato de que fazer uma prova já conhecida, para a qual o estudante sempre se preparou, é uma vantagem.
“Para os que vão fazer Enem Tradicional, o contra é não ter a interação que terão os que vão fazer a prova digital, porque o formato digital tem o game, tem o infográfico animado. Mas o que ganha a pessoa que fará no formato tradicional é poder fazer dentro do formato em que está acostumado. Isso gera menos tensão, menos medo, então não haverá nenhuma novidade para além daquela que ele se preparou para fazer o ano inteiro. O Enem Tradicional tem coisas positivas e negativas”, disse o professor.
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