Zhang perdeu o pai no início da epidemia e, por este motivo, não tem medo de acusar as autoridades chinesas de terem minimizado a doença e demorado a reagir, o que custou milhares de vidas humanas.
Wuhan, metrópole de 11 milhões de habitantes e origem do vírus no fim do ano passado, começa a sair aos poucos do confinamento, que acabará por completo na próxima quarta-feira (8).
Pequim deseja que todos esqueçam os primeiros dias caóticos da epidemia e se vangloria de ter freado o contágio, que se propagou por todo mundo como rastilho de pólvora.
Para Zhang, no entanto, é uma vitória amarga. O homem, de 50 anos, conta à AFP que acompanhou o pai até o hospital em janeiro para uma intervenção leve, antes que os habitantes Wuhan entrassem em quarentena. Poucos dias depois, o paciente morreu vítima da COVID-19.
Zhang exige explicações e acusa as autoridades de mentirem e de incompetência. "Não tenho medo. Quero saber a verdade", afirma, depois de revelar que entrou em contato com o governo municipal.
Zhang não revela o nome completo, porque sabe das possíveis consequências para quem fala com a imprensa estrangeira.
- Revolta nas redes sociais -
Como ele, parentes de vítimas expressam a revolta nas redes sociais, acusando o governo do presidente Xi Jinping de subestimar o balanço da epidemia.
Apesar do novo coronavírus ter sido detectado em dezembro, alguns médicos de Wuhan foram repreendidos depois que alertaram para o risco. Apenas em 20 de janeiro as autoridades de saúde anunciaram a capacidade de transmissão entre humanos, pouco antes das medidas de quarentena na cidade.
Neste período, milhões de pessoas abandonaram a cidade, propagando a doença para o resto do país e do mundo.
O pai de Zhang ficou doente após a operação e faleceu depois de ter sido admitido em um serviço para pacientes em quarentena.
"Estou devastado com o remorso. Trazê-lo aqui foi como tê-lo levado para morte", lamenta Zhang, convencido de que seu pai contraiu a doença durante a internação.
- Balanço questionado -
Fora da China, cada vez mais pessoas questionam o número real de vítimas divulgado pelo governo de Pequim. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já duvidou do balanço.
De acordo com os últimos números oficiais, a doença contaminou 82.000 pessoas na China e matou 3.300, um balanço muito inferior ao de países como Itália, Espanha e Estados Unidos.
Nenhuma investigação oficial foi anunciada sobre as responsabilidades ante a pandemia. O governo chinês se limitou a destituir autoridades locais.
Isto não é suficiente para Zhang, que mantém contato on-line com outros parentes de vítimas.
"Algumas famílias perderam três pessoas", relata.
Navegar na Internet na China é muito arriscado, porém, e o grupo do qual ele participava foi infiltrado pela polícia, que convocou seu administrador esta semana, afirma Zhang.
Pouco depois da morte, seu pai foi cremado, mas sem a presença da família, que estava confinada como o restante da população local.
Muito magro, abatido e com o rosto coberto por uma máscara durante a entrevista à AFP, Zhang resiste à pressão das autoridades, que pedem para ele buscar as cinzas do pai e depois enterrá-lo.
- "Vigilância" -
Ele não deseja cumprir as novas regras que impõem à família que apresente um pedido oficial de acesso ao cemitério e que depois seja acompanhado por funcionários públicos.
"Isto é vigilância", declarou Zhang. As autoridades justificam as medidas para evitar as aglomerações e qualquer risco de contágio.
Os parentes das vítimas exigem uma investigação oficial e punição dos culpados, resume Zhang. "O comportamento dos governantes de Wuhan provocou esta catástrofe de origem humana", afirma.
"Os governantes esconderam a verdade, e os especialistas mentiram, o que provocou a morte de muitas pessoas, incluindo meu pai", completou. "Ele está morto, eu continuo vivo. Preciso de uma explicação", conclui.