Ao condenar uma organização criminosa, a juíza Inês Marchalek Zarpelon da 1ª Vara Criminal de Curitiba citou a raça de um dos réus, que é negro. O grupo formado por sete integrantes é acusado de roubar celulares em praças no centro da capital paranaense.
"Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente (sic)", afirmou a magistrada ao condenar Natan Vieira da Paz, de 42 anos, a 14 anos e dois meses de prisão. Ela acrescentou que, embora seja réu é primário, "nada se sabe" sobre sua conduta social.
##RECOMENDA##A advogada Thayse Pozzobon abriu representação na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e garante que vai recorrer da condenação, proferida em junho. "A raça dele não pode, de maneira alguma, ser relacionada com os fatos que ele supostamente praticou", ao G1.
Ainda segundo à matéria, o apelido de 'Neguinho' foi descrito na área de dados pessoais. "Essa referência dele aparece mais de uma vez na sentença. Não é um erro de digitação, por exemplo. Isso revela o olhar parcial da juíza, e um magistrado tem o dever da imparcialidade", reforçou.
Após a repercussão da decisão, a Corregedoria Geral de Justiça instaurou procedimento administrativo, segundo o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR). A juíza se posicionou e pediu "sinceras desculpas" ao apontar que a frase foi retirada de contexto.
Confira a nota de desculpas na integra:
"A respeito dos fatos noticiados pela imprensa envolvendo trechos de sentença criminal por mim proferida, informo que em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor.
O racismo representa uma prática odiosa que causa prejuízo ao avanço civilizatório, econômico e social.
A linguagem, não raro, quando extraída de um contexto, pode causar dubiedades.
Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender.
A frase que tem causado dubiedade quanto à existência de discriminação foi retirada de uma sentença proferida em processo de organização criminosa composta por pelo menos 09 (nove) pessoas que atuavam em praças públicas na cidade de Curitiba, praticando assaltos e furtos. Depois de investigação policial, parte da organização foi identificada e, após a instrução, todos foram condenados, independentemente de cor, em razão da prova existente nos autos.
Em nenhum momento a cor foi utilizada – e nem poderia – como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas.
A frase foi retirada, portanto, de um contexto maior, próprio de uma sentença extensa, com mais de cem páginas.
Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais.
O racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com os valores que defendo.
Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença (pag. 117), ofendi a alguém".