A moda tem sido usada como meio de comunicação, demonstração de poder, questionamento e quebra de limites e limitações desde que o ser humano começou a cobrir o corpo com vestimentas. Os assuntos que fazem parte da agenda da sociedade também pautam a moda. Não é novidade ver o feminismo como mote para as passarelas e, sobretudo, para as ruas.
O tema vem sendo trabalhado por estilistas há um bom tempo e, recentemente, parece ter ganho maior vulto sobrepondo o ‘simples’ ato de vestir-se. A busca pelo empoderamento vem modificando o que as mulheres vestem e, para algumas, esta é uma maneira de tornar o feminismo mais inteligível para muita gente.
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No início do século 20, Coco Chanel revolucionou a moda colocando no guarda roupa das mulheres calças - até então exclusividade para homens - e bolsas a tiracolo, para que as mãos delas ficassem livres. Muito além disso, Chanel criou sua própria marca, inaugurou lojas e trouxe ao estilo de se vestir uma atitude de independência e altivez.
Décadas mais tarde, em 2016, a recém-contratada diretora criativa da Dior, Maria Grazia Chiuri - a primeira mulher a ocupar a posição -, surpreendeu ao levar para a passarela, na Semana de Moda de Paris, uma camisa branca com a frase "We should all be feminists" (Todos devemos ser feministas).
Um caminho sem volta
No ano seguinte, Chiuri voltou ao tema, no mesmo evento, com uma coleção inspirada nas cores da artista feminista Saint Phalle; já em 2018, a estilista relembrou as manifestações feministas da década de 1960, nas passarelas. O designer Prabal Gurung também lançou mão das frases de efeito, na Semana de Moda de Nova York (2017), e desfilou camisetas estampadas com as máximas: “O futuro é feminino” e “É assim que uma feminista parece”, inspiradas na Marcha das Mulheres contra Trump, realizada naquele ano.
Também inspirada nas mulheres que marcharam contra o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que a designer Karina Gallon, de Curitiba, criou uma camiseta para ir para a Marcha das Mulheres, em sua cidade, no dia 8 de março de 2017. Da motivação pessoal da paranaense surgiu a Peita, uma marca que, segundo ela, expressa valores e que serve como gatilho para a discussão de certos temas. "Peita é fazer camisetas que sejam ferramentas de enfrentamento e expressão para peitar a sociedade no cotidiano", explica.
As frases 'Lute como uma garota', 'Depois do não tudo é assédio', 'Meu corpo é político' e 'Mulher, solta a tua voz', estão estampadas não só em camisetas, mas em bolsas e até bodies para bebês. "Vendemos roupas que todos possam usar, com frases em português, que todo alfabetizado possa ler e com letras grandes para que as pessoas leiam a mensagem de longe. Nossas peças são camisetas normais, em cores neutras, justamente para não ter gênero, onde a frase é a 'diva do rolê', o protagonismo na peça é todo dela."
Mas, apesar da estética simples, as peças são carregadas de significados que acabam sendo usados nos mais diversos contextos: "Nosso discurso não é vazio, a mulher e o empoderamento feminino são sempre a frente das nossas criações e nossas ações. As nossas camisetas falam tanto com ativista, como com simpatizantes e com quem não faz ideia do que é o feminismo, mas que de alguma forma concorda com o que tá ali. É a nossa luta diária e não é de hoje."
A resposta desta "luta" Karina tem recebido através das pessoas que usam as camisetas. "O maravilhoso disso tudo é pensar alguns cenários para as frases e depois, no feedback das pessoas, ver elas representando e significando em um contexto que eu não havia pensado ou que jamais pensaria. Aliada às experiências de quem veste a peita, a frase ganha força, ganha vida e o movimento ganha espaço", reflete.
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Esse retorno também é sentido pela estilista Thaissa Becho, do Rio de Janeiro. Ela faz moda praia em lycra, com o colorido néon e os cortes super cavados da década de 1980, e é para
todas as mulheres. "Desde a minha primeira coleção, em outubro de 2016, foi muito importante a troca das pessoas em relação ao meu material, muita gente agradeceu, muitas mulheres vieram me dizer o quanto se sentiram representadas e felizes vendo pessoas diferentes naquelas fotos". As fotos a que Thaissa se refere são as de seu portfólio, que traz mulheres com os mais diversos tipos de corpos, cor de pele, pêlos ou a ausência deles, tudo de modo a mostrar que qualquer uma pode caber naquelas peças.
A ideia para este trabalho surgiu depois de Thaissa atuar por cerca de seis anos em uma indústria de moda repleta de padrões: "Me incomodava ter só mulheres altas, brancas e loiras no material gráfico da empresa e na conversa. Pensei em abrir esse leque de muitas possibilidades que temos na vida e fazer todas as pessoas se sentirem um pouco representadas em cima daquela estética", explica.
E a estilista queria mais que representação: "Eu queria que mulheres de todos os corpos pudessem ser abraçadas pela minha comunicação, pelo meu produto. Isso sempre fez parte do meu discurso, faz parte de quem eu sou". Dois anos após a estreia de sua marca homônima, Thaissa comemora o sucesso através da satisfação de quem usa suas peças: "Tenho uma troca muito visceral com os meus clientes, as maravilhosas que vestem minhas peças, todo mundo que veste de modo geral se sente ótimo com as cavas, se sente ótimo de ver que é possível aquilo ficar muito lindo no seu corpo".
Também embasadas no empoderamento e no feminismo estão as criações da Ada, marca de Porto Alegre. "O feminismo é objeto de estudo de uma das sócias desde 2010. Desde então o fato da indústria da moda se utilizar da fragilidade feminina para lucrar era algo que lhe trazia desconforto, o que acabou por gerar uma vontade de fazer diferente", explica Melina Amaro Knolow, uma das responsáveis pela marca que está no mercado desde 2016.
Para dar luz à luta das mulheres, geralmente negligenciadas pela história, e inspirar quem "lê" as roupas, a ADA batiza suas peças com nomes de figuras femininas - o próprio nome da marca homenageia a inventora do primeiro algoritmo a ser processado por uma máquina, Ada Augusta Byron King. Além disso, a empresa emprega diretamente apenas mulheres: "Acreditamos que pequenas ações podem desencadear grandes movimentos", diz Melina.
“Feminismo não é moda”
Muito embora o diálogo entre o feminismo e o que se veste, esteja cada vez mais fluente, as estilistas ouvidas pelo LeiaJá concordam que esta continua sendo uma causa, não uma tendência. "Moda simboliza um monte de padrão, 'o que está na moda', 'o que não está na moda'. É uma palavra que já feriu bastante gente, então prefiro dizer que minha marca é de vestuário. Ela reflete o que eu sou: eu sou feminista, quero uma vida mais inclusiva para todas as mulheres, que elas se sintam cada vez mais confortáveis. Acredito nisso. para mim, moda feminista não existe", diz Thaíssa.
A criadora da Peita, Karina, endossa: "Esse é um termo capitalista que trata toda a opressão que milhares de mulheres sofreram durante toda a história como moda passageira, só uma fase. O capitalismo é uma ferramenta do patriarcado para manipular. Nesse caso, tenta reduzir as mulheres a roupas e acessórios. Eles monetizam o movimento e o tratam como algo passageiro e fashion". Melina, da ADA, reforça o coro: "Não acreditamos que uma roupa pode empoderar as mulheres. O feminismo é um dos pilares da marca porque acreditamos na libertação das tendências da moda."
*Fotos: Reprodução/Facebook
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