Paulo Miklos ficou nacionalmente conhecido como um dos Titãs. Por 34 anos, o artista integrou uma das bandas mais importantes do cenário do rock nacional e consolidou sua carreira como intérprete, compositor e músico. Em 2016, após três décadas 'titânicas', Paulo decidiu trilhar seu caminho sozinho e deixou o grupo, promovendo uma guinada em sua carreira. No projeto solo, no entanto, encontrou a coletividade que a banda sempre lhe proporcionou. Desde então, Miklos tem provado todo seu potencial artístico não só na música como no cinema, televisão e teatro.
Foi também em 2016 que Miklos fez sua estreia teatral. O espetáculo 'Chet Baker, apenas um sopro' o levou aos palcos na pele de um músico, tal qual ele. Na montagem, o ex-Titãs revive momentos delicados da vida do trompetista, ícone do jazz americano, que precisou lidar com o vício das drogas e outras tragédias pessoais, assim como ele próprio. No próximo domingo (1°), é a vez do público recifense conferir o Paulo Miklos ator de teatro em duas apresentações da peça, às 18h e às 20h, que serão realizadas no Teatro Luiz Mendonça.
##RECOMENDA##
Em entrevista exclusiva ao LeiaJá, Miklos falou sobre Chet Baker e seu momento atual enquanto artista; o trabalho como ator - que desempenha desde 2001 tendo já sido indicado e premiado em diversos momentos a exemplo da edição 2019 do Festival de Cinema de Gramado, no qual levou o Kikito de Melhor Ator por O Homem Cordial -; o projeto musical solo e como ele percebe a nova música brasileira. Confira.
LeiaJá também
--> Paulo Miklos faz espetáculo sobre Chet Baker no Recife
LJ - Você está no teatro interpretando um músico como você. Isso te ajuda, te deixa mais confortável nesse personagem?
Nessa peça eu tô vivendo um músico, que é esse grande ícone do jazz, da música internacional, e a peça revela o lado humano do Chet Baker que teve uma trajetória muito conturbada. Isso afetou a história dele. A peça tem um recorte muito interessante, ela aborda o momento em que ele sofreu um ataque, foi espancado e perdeu os dentes e teve que parar a carreira dele. A peça está totalmente localizada nesse momento, ele está muito inseguro e conta também com a desconfiança dos próprios colegas e do público; se ele vai conseguir tocar brilhantemente como antes. Então revela-se esse lado humano das relações dele com os colegas. O nosso elenco é todo de músicos atores, não é um musical mas é uma peça teatral que tem muita música pontuando o drama.
LJ - Assim como o Chet Baker você também enfrentou algumas tragédias pessoais, como a luta contra o vício das drogas e perdas familiares muito próximas (Paulo perdeu a mãe e a esposa, vítimas do câncer, e o pai em um intervalo de menos de dois anos), você recorre a esse histórico pessoal para construir seu personagem?
Sem dúvida, nossa vida se mistura com os personagens. A vivência da gente é algo que a gente acumula e a gente empresta ao personagem, é um processo. Eu tô muto feliz e realizado artisticamente em fazer essa peça. Faltava eu fazer teatro depois de muito cinema, a primeira vez (no cinema) foi em 2001, e eu estou agora concorrendo em Gramado com o Homem Cordial que eu sou protagonista e simultaneamente estou em um momento para o ator que é o mais importante, estar no palco diante do público fazendo teatro.
LJ - Você passou 34 anos junto com os Titãs e resolveu encarar a carreira solo depois de uma história já construída e consolidada o que foi que te motivou? Não deu medo não, a essa altura da vida guinar assim?
Na vida a gente deve seguir nossa intuição, nosso desejo de transformação, a gente deve buscar essa realização profissional e no meu caso artístico. Tem tanta coisa que eu quero realizar e fazer, isso passa também pela música, meu disco mais recente (A gente mora no agora) tem músicas novas, novos parceiros (como Emicida, Russo Passapusso, Mallu Magalhães, Tim Bernardes), o disco tá aí consolidado, foi muito bem recebido pela crítica e pelo público.
LJ - Trabalhar no cinema, na TV e no teatro, que têm processos bastante coletivos te faz voltar um pouco a essa coisa de ser um grupo como se fosse uma banda?
Eu reconheci isso na primeira vez que eu fiz cinema. Eu percebi uma identificação grande, uma familiaridade muito grande com o que eu tinha de experiência trabalhando em equipe, em grupo. É assim que se faz cinema, teatro e TV, é assim que se trabalha, você tem elenco, equipe técnica, não é diferente de uma banda. Você pega essa cumplicidade entre as pessoas, é fundamental, eu me senti em casa, era uma maneira de trabalhar que eu já conhecia muito bem.
LJ - E você já passou por projetos muito diferentes uns dos outros, de vilão de novela infantil a matador de aluguel, novela, jurado de reality show. Esses trabalhos certamente te renderam um novo público. Um público que talvez nem conheça exatamente os Titãs?
É muito gostoso quando as pessoas te conhecem de trabalhos diferentes e são públicos diferentes, de idades diferentes. É muito interessante você estar chegando com trabalhos e linguagens diferentes para públicos diferentes.
LJ - Você que vem do rock, que tem essa verve do questionamento e até do protesto, sente falta disso na música brasileira atual?
Acho que a cena brasileira da música popular tá muito forte e interessante. Ela nem sempre chega aos veículos grandes de massa até por ela ser questionadora, então ela está fora desses veículos. Mas pra quem tem interesse e curiosidade deve buscar, porque tem frutos dessa nova geração muito bons e todos são questionadores. Acho que a grande marca da música atual brasileira é a diversidade: de gêneros, ritmos, isso é muito importante porque é uma liberdade que a gente tem e ela está aí.
LJ - No seu disco mais recente - A gente mora no agora, lançado em 2017 - você canta essa frase muito forte, 'A gente mora no agora', é uma música muito otimista e positiva. Mas o nosso 'agora', enquanto país, está bem tumultuado. Você acha que esse momento pode se transformar e melhorar para o futuro? Você vê o cenário com o mesmo otimismo que você emprega na sua arte?
Eu sou muito otimista. Eu acho que a nossa democracia tá aí e a gente deve cuidar muito bem dela. A gente deve perceber os sinais que ultrapassam os limites da democracia e deve lutar por ela fortemente. Acho que essa é o maneira pra gente retomar o caminho certo da liberdade que a gente tanto lutou pra ter nas últimas décadas.
Imagens: Divulgação e Reprodução/Instagram