O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi eleito presidente da República no último domingo (30), com 50,9% dos votos, após quase quatro anos do governo Bolsonaro (PL), que perdeu a reeleição. Com governos totalmente diferentes, sobretudo no âmbito social, tendo em vista o respeito e a valorização aos direitos humanos como marcas dos governos petistas, e o desrespeito e não valorização como marcas do governo bolsonarista, Lula e Alckmin (PSB), o vice-presidente, irão se deparar com diversos desafios.
A principal dificuldade a ser enfrentada pelo governo do petista será a economia. O rombo deixado por Bolsonaro de herança para Lula é de cerca de R$ 400 bilhões, segundo Henrique Meirelles, ex-ministro do Banco Central do governo Lula.
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Segundo o cientista político da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), a prioridade do momento é a economia, já que envolve tudo do governo. “Mexe com taxa de desemprego, estabilidade da moeda e, consequentemente, com a inflação, a taxa selic, e por aí vai. Se você estabiliza a economia, todas as outras vantagens aparecem. Então, se eu resolvo a economia na ponta, é possível que saúde seja resolvida, educação melhore e todos os outros elementos, mas ela é o primeiro ponto”, assegurou.
O especialista acredita que Lula vai tentar dar um choque de mudança à sociedade começando pelos ministérios. “A gente começa com Meio Ambiente, Cultura, e o Ministério dos Povos Originários, que fez parte de todos os discursos dele. Nesse momento ele quer olhar muito mais para as questões dos direitos humanos para compensar os últimos três, quatro anos, que a gente vive de desrespeito aos direitos humanos, ao meio ambiente que, para o mundo, é muito importante”, destacou. Ele complementou que todos os países estavam olhando para o Brasil por conta das questões ambientais nestas eleições, sem esquecer da defesa dos valores democráticos, dos direitos humanos, “mas questões ambientais estavam nesse radar do mundo inteiro”.
No entanto, Ranulfo ressaltou que, certamente, a política de inclusão social não conseguirá ter muitos avanços no próximo ano, já que o orçamento de 2023 já está fechado. “É possível realocar as verbas do orçamento para os ministérios e converter em política de inclusão social. Agora, a gente só vai encontrar isso de forma mais clara a partir de 2024, se o governo tiver a intenção real de fazer isso, porque já é possível colocar no orçamento no final de 2023”, explicou.
Centrão
A independência do Centrão com o orçamento secreto de Bolsonaro, que poderia ser um grande problema para Lula, começou a demonstrar apoios e tentativas de diálogo com o presidente eleito ainda no segundo turno da campanha eleitoral, já que o petista teve o apoio de Simone Tebet, do MDB, de Luciano Bivar, do União Brasil, além do PSDB, PSD, e outros partidos.
O cientista político fez questão de ressaltar que a independência do Centrão não é ideológica, já que ele não é uma unidade partidária. “Não é coesa, não é ideológica e não caminha com a mesma finalidade, tanto que esse Centrão nesse atual governo, que insiste em dizer que não montou coalizão, saiu muito caro para o governo. Tão caro que teve que ser aceito um tal de orçamento secreto”, observou.
“O Centrão já está sinalizando que precisa que a transição seja feita para que as negociações comecem a ser estabelecidas para o próximo governo. É óbvio que os principais caciques do Centrão não vão sentar à mesa com Lula na próxima semana debaixo do sol para que todo mundo veja, mas ele está aberto a negociações, até porque o Centrão não é base ideológica de Bolsonaro. Essa base [de Bolsonaro] não chega a 10% do que será o parlamento a partir de 2023”, evidenciou Paranhos.
Ainda de acordo com o especialista, integrantes do PL e do Republicanos que foram eleitos “são bolsonaristas na eleição”. “Mas na prática, principalmente os que já têm expertise de mandato, sabem que não adianta ficar insistindo em questões ideológicas com o próximo governo. E eles vão necessariamente discutir questões práticas. É possível que blocos sejam montados para tentar reduzir o poder do Centrão, mas aí tem muita água para passar debaixo dessa ponte”, afirmou o cientista político.
Forças Armadas
A eleição de Bolsonaro e a propagação do bolsonarismo fez com que o número de candidatos policiais e de outras forças de segurança tivessem um aumento de 27% nesta eleição, quando comparado com os 2018, de acordo com o g1, com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O governo Bolsonaro também foi responsável por elevar em 70% a presença de militares em cargos de natureza civil na administração federal, segundo um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).
Desta forma, é cogitado que o governo de Lula leve os militares de volta para a caserna, como avaliou o cientista político Ranulfo Paranhos. Para ele, o governo vai tentar mostrar quais são os limites da força militar no Brasil. “Acredito que tem uma política silenciosa que tente impor os limites para que os militares voltem à sua condição e papel de militar, não ao seu papel político, que ganhou tanto espaço nesse governo. O espaço foi tanto ao ponto de militares começarem a dar declarações golpistas de cunho político, o que fugia da sua competência de militar”, destacou.
A tentativa de Lula de distanciar-se do militarismo é tanta que está sendo cotado o nome de um civil para assumir o Ministério da Defesa, que é o retorno de Aldo Rebelo (PDT). “Ele meio que assumiu uma postura beligerante em relação ao PT, de distanciamento. Então, acho difícil que ele volte”, afirmou o especialista ao falar sobre o nome de Rebelo estar cotado para a Defesa.
Relações Internacionais
Bolsonaro fragilizou as relações internacionais do Brasil durante todo o seu governo, enquanto Lula, no último debate para o segundo turno das eleições, deixou claro que, se eleito, começaria a viajar para tentar restabelecer as relações internacionais ainda neste 2022.
O fato de Bolsonaro perder as eleições para Lula já foi suficiente para que os países começassem a fazer contato com o Brasil, como foi o caso dos Estados Unidos, que reconheceu a eleição de Lula 40 minutos depois do resultado, assim como Emmanuel Macron, presidente da França, que também ligou para o petista, como lembrou o cientista político Ranulfo Paranhos.
“As relações internacionais vão ser um ponto de vista bem simbólico. O Brasil vai voltar a nadar de braçada porque desde domingo há a manifestação de líderes de outros países e o reconhecimento [da eleição] de imediato. As relações internacionais dependem muito dessa simbologia, de como os líderes se tratam, isso conta muito. Acredito que talvez esse seja o menor dos problemas, e seja a área que será resolvida com maior velocidade”, complementou o especialista.
Vale lembrar que a relação de Bolsonaro com Macron ficou fragilizada após um comentário infeliz feito por Bolsonaro sobre a primeira-dama francesa, em 2019. Na época, Macron disse que o episódio era “triste”. “Creio que os brasileiros, que são um grande povo, têm também vergonha de ver esse comportamento - eles esperam, quando se é presidente, que nos comportemos bem em relação aos outros. Como eu tenho uma grande amizade e respeito pelo povo brasileiro, espero que eles rapidamente tenham um presidente que se comporte à altura”, afirmou o francês.
Já com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, por exemplo, Bolsonaro demorou 38 dias para reconhecer a sua vitória para Donald Trump, derrotado pelo democrata nas urnas, em 2020.