O papa Francisco pediu, neste sábado (23), "responsabilidade europeia" para enfrentar o "fenômeno migratório", após denunciar o "fanatismo da indiferença", horas antes de encerrar sua curta visita a Marselha (sudeste da França) com uma missa multitudinária.
Sua viagem acontece dias depois de cerca de 8.500 migrantes terem chegado à pequena ilha italiana de Lampedusa, após cruzarem o mar Mediterrâneo. Nele, mais de 28.000 migrantes desapareceram desde 2014, em sua tentativa de chegar à Europa, procedentes da África, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM).
"Quem arrisca sua vida no mar não invade, busca acolhida", reiterou o pontífice argentino, para quem o "fenômeno migratório" é um "processo" que "envolve três continentes em torno do Mediterrâneo" e que "deve ser governado ( ...) com responsabilidade europeia".
Com estas palavras, o jesuíta, de 86 anos, concluiu uma semana de debates entre jovens e bispos do Mediterrâneo no turístico Palácio de Pharo, onde entrou em uma cadeira de rodas, depois de dar alguns passos apoiado no presidente francês, Emmanuel Macron, e em uma bengala.
Desde sua eleição como sumo pontífice em 2013, uma de suas prioridades tem sido alertar sobre as tragédias dos migrantes, do Mediterrâneo à América Central, ou à Venezuela, passando por África, Oriente Médio, Europa, ou Estados Unidos, e pedir sua acolhida.
Na sexta-feira, aos pés da basílica neobizantina de Nossa Senhora da Guarda, um dos símbolos mais queridos dos marselheses, Francisco depositou uma coroa de flores no memorial aos desaparecidos no mar e lançou um apelo em favor dos migrantes e das ONG que os ajudam.
"É um dever da humanidade e um dever de civilização" socorrê-los, clamou o papa, que chegou do "fim do mundo", antes de denunciar o "fanatismo da indiferença" para com os migrantes.
Suas fortes declarações surgem em um contexto cada vez mais hostil para esses exilados na Europa. Exemplo disso, a França anunciou, por meio de seu ministro do Interior, Gérald Darmanin, que "não acolherá" ninguém de Lampedusa.
- "Estaremos em comunhão" -
Sua 44ª viagem apostólica ao exterior - e a primeira de um papa a Marselha desde 1533 - desperta grande interesse, apesar do declínio do catolicismo na França, um país laico desde 1905, onde as acusações de abuso sexual na Igreja aceleraram a crise.
"Bienvenido Santo Padre", dizia em espanhol um dos cartazes no bairro de Saint Mauront, um dos mais pobres da cidade portuária, onde Francisco tomou café da manhã e se reuniu com pessoas necessitadas de vários países, como Albânia, Armênia e Colômbia.
"É magnífico conhecer o Papa. No nosso bairro, a vida é dura, é difícil, mas (...) ele dará esperança para todas as pessoas que sofrem", disse à AFP Arbana Arifaj, uma albanesa presente no encontro.
O momento forte de seu segundo dia de visita será às 16h15 (11h15 de Brasília), quando quase 60 mil pessoas assistirão à missa no Estádio Velódromo. Cerca de três horas antes da missa, os fiéis já começavam a lotar o estádio Olímpico de Marselha, convertido em uma enorme catedral.
"Viemos de longe, mas era importante estarmos aqui, porque estaremos em comunhão com toda a comunidade religiosa, católica", disse à AFP Aurea Dias Neto, uma mulher de 52 anos, nascida em São Tomé e Príncipe, mas que vive no centro da França.
Macron, que se reuniu com Francisco durante meia hora, deve assistir à missa, junto com sua esposa, Brigitte, apesar das críticas da esquerda de que sua presença na liturgia "atropela" a neutralidade religiosa. Será o primeiro presidente, desde Valéry Giscard d'Estaing, em 1980, a assistir a uma missa papal.
Batizado católico aos 12 anos e educado nos jesuítas, Macron é um presidente sensível à espiritualidade e atualmente se define como agnóstico.
"Considero que meu lugar é assistir. Não irei como católico, mas como presidente", defendeu-se, na semana passada.
O historiador Jean Garrigues rejeita as críticas sobre um atentado ao secularismo e explica que "existe uma tradição de presidentes católicos, crentes e até praticantes", do general Charles De Gaulle a Nicolas Sarkozy.
E, enquanto a França se prepara para anunciar seu plano de ajuda ativa a morrer, o papa advertiu contra a "perspectiva falsamente digna de uma morte doce".