Na Itália, o discurso político de desprezo aos imigrantes foi explorado pela extrema direita ao longo da campanha eleitoral, apesar de serem necessários para o funcionamento da terceira maior economia da zona do euro.
"Só quem tem direito deve entrar. Não precisamos de imigrantes para repovoar as cidades", protestou Matteo Salvini, líder da Liga no domingo, diante de cerca de 100 mil ativistas.
O ex-ministro do Interior, acusado de bloquear barcos das ONG que socorreram imigrantes no Mediterrâneo, retomou assim uma das bandeiras preferidas da extrema direita, apesar de a mão de obra imigrante ser fundamental para a manutenção da economia.
Tanto Salvini quanto sua aliada nas eleições legislativas de 25 de setembro, Giorgia Meloni, líder do partido pós-fascista Fratelli d'Italia (Irmãos da Itália), destacaram seu desejo de fechar a península diante da chegada de imigrantes.
Salvini iniciou sua campanha eleitoral no início de agosto visitando a pequena ilha de Lampedusa, símbolo da imigração ilegal por receber todos os anos milhares de imigrantes da África.
"Lampedusa não pode ser o campo de refugiados da Europa", lançou.
Para o sociólogo Maurizio Ambrosini, a ideia é associar o fluxo de imigrantes aos desembarques. "Na realidade, o número real de imigrantes se manteve estável nos últimos dez anos na Itália", explicou o especialista em migração da Universidade de Milão, entrevistado pela AFP.
A favorita nas pesquisas, Giorgia Meloni aproveitou o estupro cometido em Piacenza (norte) por um requerente de asilo no final de agosto para comentar amplamente em suas redes sociais, desencadeando a indignação dos moderados de esquerda e centro.
Os dois líderes querem assim entrar em sintonia com a maioria dos italianos. Cerca de 77% consideram que o número de imigrantes é "muito alto", segundo uma pesquisa do YouGov realizada em dezembro para vários jornais europeus, incluindo o italiano La Repubblica.
Número dez pontos acima da média europeia. A maior preocupação dos italianos é que com a chegada dos imigrantes a criminalidade aumentará (53%), principalmente entre os eleitores dos Irmãos da Itália (76%) e da Liga (67%).
- "Lemas de campanha" -
O Partido Democrata (PD, esquerda) e os de centro "veem os imigrantes como um recurso para a economia italiana", mas "têm dificuldade em fazer com que os seus eleitores compreendam, sobretudo porque não é um assunto popular", lamenta o professor Ambrosini.
De fato, os imigrantes representam uma tábua de salvação para a Itália, cuja população pode ser reduzida em 20% em 50 anos, de 59,6 milhões de habitantes em 2020 para 47,6 milhões em 2070, segundo projeções do instituto nacional de estatística (Istat).
Esta diminuição é acompanhada por um envelhecimento geral, devido à queda das taxas de natalidade e ao aumento da esperança de vida no país, apelidado de Japão da Europa.
Em relatório publicado em 2021, o Istat alertou para futuras dificuldades nos sistemas previdenciário e de saúde.
O mercado de trabalho faz uso maciço da população migrante, especialmente para empregos pouco qualificados no setor agrícola, construção, serviço doméstico e hotelaria.
Com 2,5 milhões, os imigrantes em situação regular representam cerca de 10% da população ativa, sem contar a imigração ilegal.
Durante a pandemia de covid-19, veio à tona a dependência de mão de obra estrangeira.
Perante o perigo de perderem as suas colheitas por falta de pessoal, os empregadores do setor agrícola tiveram de alugar aviões para trazer trabalhadores sazonais da Romênia ou Marrocos.
"Em teoria, eu poderia ter encontrado trabalhadores aqui na Itália, mas os italianos não querem mais trabalhar nos campos ou nos vinhedos", disse o enólogo Martin Foradori Hofstatter à AFPTV na época.
Alcançar um equilíbrio entre a questão humanitária, os interesses do país e o princípio da seletividade são "questões complexas que não se prestam a simplificações nem aos slogans e lemas de uma campanha eleitoral", admite o professor Ambrosini.