Com o encerramento da participação popular no Ouvir Para Mudar, programa criado pelo Governo Raquel Lyra (PSDB), que ouviu as demandas da população pernambucana por regiões, a gestão assumiu compromissos de investimentos que ultrapassam a marca de R$ 1 bilhão. No entanto, este é o primeiro passo do novo programa, que ainda terá outras etapas até a efetivação das escutas à população. O LeiaJá escutou o cientista político Arthur Leandro para avaliar a eficácia de programas com participação popular para pautar as ações do governo para os próximos anos.
Do Sertão a RMR
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Com um roteiro começando no Sertão do São Francisco, no dia 1 de setembro, e finalizando na Região Metropolitana do Recife, no dia 27 de setembro, o programa teve o comando da própria governadora e a sua vice, Priscila Krause (Cidadania-PE), secretários estaduais, integrantes de órgãos e autarquias do governo, prefeitos dos municípios, vereadores e deputados em seminários regionais para ouvir as demandas da população.
Segundo a Secretaria de Planejamento, Gestão e Desenvolvimento Regional (Seplag-PE), o programa teve como objetivo priorizar políticas públicas e "novas propostas para a construção do planejamento que irão nortear as ações do Governo nos próximos anos".
Foto: Janaina Pepeu/Secom
Os seminários regionais realizados nas 12 Regiões de Desenvolvimento do Estado contabilizaram cerca de 15 mil participações e 1.968 propostas. Além disso, através da plataforma digital, foram registrados mais de 18 mil participantes que sugeriram propostas para diversas áreas como saúde, segurança, educação, desenvolvimento sustentável, infraestrutura, entre outras demandas.
Ainda de acordo com a Seplag-PE, a área que registrou mais propostas, com 419 no total, foi educação, ciência e tecnologia. Em seguida vieram agricultura e meio ambiente (364 propostas), saúde e qualidade de vida (354), infraestrutura e dinamismo econômico (329), segurança e cidadania (283), e água e habitação (219). Já na plataforma digital, as temáticas saúde, segurança e desenvolvimento sustentável foram as que mais receberam propostas.
Foto: Janaina Pepeu/Secom
Demandas como requalificação de rodovias estaduais, melhorias no abastecimento de água, finalização de barragens, construções de novas escolas, ampliação de hospitais, políticas contra a violência doméstica, aumento do efetivo policial e desenvolvimento de planos de saneamento básico estiveram presentes nas solicitações de quase todas as regiões.
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Falta de esperança
"A que veio o governo Raquel Lyra?". Mesmo o Governo de Pernambuco afirmando que conseguiu escutar a população com o "Ouvir Para Mudar", foi com esse questionamento que Alessandra Silva, 30 anos, iniciou a sua entrevista para o LeiaJá. A dona de casa acredita que "não adianta escutar, ou fingir que escuta, pois a gestão nesses 10 meses não conseguiu resolver problemas básicos enfrentados pelos moradores, principalmente os mais pobres".
Alessandra que mora no bairro do Alto da Conquista, localizado na cidade de Olinda, na Região Metropolitana do Recife, disse que não sabe como funcionou os processos de escuta do "Ouvir Para Mudar" e que faltou “uma maior divulgação para a população sobre o programa”.
"Eu como moradora da periferia de Olinda, lugar que enfrenta centenas de problemas, não soube desse programa. Afinal, o governo ouviu quem? Eu não fui escutada. Nenhum amigo ou parente também não. Eu não estou sendo pessimista, mas não consigo acreditar nesse papo de mudança, pois a própria população não é ouvida pelo governo. E mesmo assim, será que precisou passar 10 meses para Raquel Lyra começar a querer saber quais os problemas do estado? Logo ela que na eleição se mostrou como uma figura que entendia as demandas dos moradores. Hoje o que percebo é que a governadora não conseguiu sustentar por muito tempo essa imagem", disse.
Compartilhando do mesmo pensamento, o advogado Ricardo Valério, 29 anos, que reside no bairro da Atalaia, no município de Escada, Zona da Mata Sul do estado, afirmou que “não soube desse programa” devido a “falha na divulgação” por parte da gestão estadual. Ele ainda culpa a gestão devido os problemas enfrentados pela população.
“A gestão não vem sendo legal, sabe? Em todos os âmbitos. Na educação tirou muitos professores. Minha mãe, por exemplo, foi uma afetada. Ela era uma contratada do Estado e eles a demitiram, sendo que o Estado precisa de professores”, rememorou Ricardo, pontuado que Pernambuco também enfrenta inúmeros problemas na saúde e na segurança.
Já nas redes sociais da líder tucana, algumas pessoas elogiaram o "Ouvir Para Mudar", ao afirmarem que têm "orgulho do trabalho desenvolvido" pelo governo de Raquel. "Excelente! A readequação e reforma das estruturas físicas dos equipamentos de saúde do estado é imprescindível para garantir um atendimento humanizado e com melhor qualidade para a população. Iniciem pelos hospitais centenários da capital e a partir daí, passe a fazer o mesmo nos hospitais Regionais. Invistam prioritariamente na rede hospitalar do estado. Fico feliz em ver que estão no caminho certo! Simbora", escreveu uma seguidora.
Oposição ataca
Logo após o encerramento do "Ouvir Para Mudar", a ex-deputada federal Marília Arraes (Solidariedade-PE), um dos principais nome da oposição a gestão Raquel Lyra, usou suas redes sociais para fazer duras críticas ao governo estadual. Ela afirma que a estratégia da gestão da líder tucana é “só mais uma pirotecnia" e que o povo pernambucano "continua sofrendo".
"Raquel Lyra continua mostrando que estava totalmente despreparada para governar Pernambuco, porque não conhece o Estado. Foram dez meses pra dizer que vai fazer o que todo mundo já sabia que tinha que ser feito. Aliás, no plano de governo dela, que se gabava de ter tantas páginas, tinha o quê, afinal?", escreveu em sua página oficial no Instagram.
Marília Arraes, que enfrentou Raquel Lyra no segundo turno da eleição do ano passado, ainda citou outros programas de escuta da população para fazer duras críticas ao Ouvir Para Mudar.
"Eu queria pontar pra vocês uma grande diferença entre o Ouvir Para Mudar e o Orçamento Participativo. O Orçamento Participativo foi um instrumento criado pelo Partido dos Trabalhadores na década de 90 pra elencar as prioridades de cada região, de cada comunidade. Ou seja, o governo já sabia quais eram os problemas e a população ia lá dizer o que é que deveria ser resolvido primeiro. Ou seja, muito diferente desse Ouvir Para Mudar, que não disse nada com coisa nenhuma, só fez firula", disse.
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O modelo Orçamento Participativo, citado por Marília, também foi adotado durante a gestão do ex-prefeito do Recife, João da Costa (PT-PE), que governou a cidade entre 2009 e 2012. Através de plenárias, os recifenses eram convidados a participarem da gestão da capital pernambucana, elegendo quais as obras que deveriam ser prioridades da prefeitura. As obras escolhidas passavam por um período de votação em urnas eletrônicas e na internet.
Elogios ao programa
Em contraponto aos argumentos da oposição, parlamentares elogiaram o formato do programa que vai guiar as ações governamentais pelos próximos anos. O líder do governo na assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE), Izaías Régis (PSDB), ressaltou a acolhida da população à governadora nos eventos do programa. Na avaliação dele, a gestora “está no caminho certo, ouvindo as pessoas para saber o que deve realizar”.
Até mesmo políticos da oposição fizeram elogios ao programa, como é o caso do deputado estadual e ex-prefeito do Recife, João Paulo (PT-PE). “Há uma posição da nossa bancada que, mesmo em oposição ao governo Raquel Lyra, vamos participar de todos os eventos do Estado que envolvam recursos do Governo Federal”, afirmou o petista.
Foto: Paulo Pedrosa/Alepe
Avaliação política sobre o programa
Para avaliar o "Ouvir Para Mudar" sob a ótica da ciência política, o LeiaJá entrevistou o doutor em ciência política e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Arthur Leandro. O estudioso considera que a função do programa não é apenas de “tomar conhecimento concreto das demandas”, mas “é muito mais de legitimar a ação de governo”. Ele ainda afirma que essa iniciativa da gestão da líder tucana já foi adotada, no passado, em outras gestões.
“Você vê desde os anos 80 com a prefeitura de Jarbas Vasconcelos, na capital, que havia esse tipo de desenho de participação. Era no caso a prefeitura dos bairros. Jarbas já fazia isso. E nesse momento a gente ainda estava no caso da ditadura militar. A gente não tinha nenhum novo formato da Constituição de 88 que valoriza a participação social como um dos valores da administração pública. Então não é exatamente um mecanismo, digamos, exclusivamente de aferir as demandas da população, mas é também um instrumento de legitimar o governo diante de formas alternativas de participação e de solicitação da sociedade”, rememorou.
Questionado pela reportagem sobre como a governadora deverá agir após os resultados do programa, Arthur Leandro - ciente dos anúncios já divulgados pela gestora - argumenta: "O que ela deve fazer é aproveitar o resultado do programa para fazer os anúncios e tentar, a partir daí, costurar os acordos políticos necessários para eleger os seus prefeitos na eleição do ano que vem. Então, o programa, ele tem essa finalidade, ele deve ser reeditado nos outros anos. Mas ele é um momento importante de conexão direta da governadora do estado, do seu gabinete, com as lideranças locais”.
Sobre a “falha na divulgação” apontada pela população, o cientista político acredita que não houve falhas, pois “o programa foi tão divulgado quanto o governo esperava que fosse” e se a gestão “quisesse que tivesse mais divulgação, mais visibilidade, mais anúncio, ela teria feito isso”.
"A governadora está utilizando isso com inteligência, na medida em que ela consegue fazer as rodadas nas localidades e trazer as lideranças com condições com algum poder de influência na localidade. E, nesse sentido, a falta de divulgação, ela não chega a ser um problema, até porque uma grande divulgação poderia gerar uma grande demanda e mobilizar inclusive as oposições, então o interesse não é esse. O interesse é exatamente fazer com que essa experiência aconteça no sentido dos projetos do governo do estado e no sentido de amealhar apoio político, seja reforçando apoio dos aliados, seja conquistando apoios que a governadora não disponha até então", pondera.