Em visita ao Rio para receber um prêmio da Federação das Câmaras de Comércio e Indústria da América do Sul (Federasur), o ex-presidente do Uruguai e senador José Mujica deixou de lado a formalidade que cerca ex-chefes de Estado. Ele almoçou rabada e feijoada num típico botequim carioca, o Boteco do Zé, na Praça da Bandeira, posou sorridente para selfies e tomou cerveja sem se deixar acanhar pela lente do fotógrafo do jornal O Estado de S.Paulo, o único a registrar o momento. "Foi ele quem escolheu um lugar simples, uma comida simples. Mujica ensina pelo exemplo", disse um dos comensais, o economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES, lembrando o despojamento pelo qual o político uruguaio é conhecido.
À mesa, do mesmo material plástico que se vê em qualquer pé-sujo da cidade, estavam também o assessor pessoal Javier Hernández, o chefe do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio (Uerj), Williams Gonçalves, o presidente da Federasur, Darc Costa, e outros integrantes da entidade.
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Os pratos-feitos escolhidos para a refeição, a R$ 18, estão entre os que mais saem da cozinha nada rebuscada do bar da região central do Rio, e costumam alimentar os funcionários das empresas de vigilância da vizinhança. O sócio Vander Cabral, que serviu Pepe Mujica, não sabia muito sobre o cliente ilustre. "Na semana passada me falaram que ele vinha, vieram aqui conhecer. Sei que ele tem um Fusquinha", brincou. O grupo chegou às 11h30, antes do horário de pico do almoço, para que o senador comesse com tranquilidade.
Antes, Mujica havia dado rápida entrevista no auditório da Associação Brasilieira de Imprensa (ABI), onde recebera o troféu "Personalidade Sur", por seu trabalho de promoção da integração da América do Sul quando na presidência do Uruguai (2010-março de 2015). Ele evitou comentar as investigações de corrupção em curso no Brasil.
No discurso de meia hora na ABI, para cerca de 300 convidados da federação, ele defendeu que os políticos sejam humildes e pregou também o desapego de bens materiais. "A vida não é só trabalhar. Se seguirmos tomando a mamadeira do capitalismo, o que faremos será reproduzir valores egoístas. Para sermos felizes não precisamos comprar um telefone novo a cada três ou quatro meses, trocar de carro a cada dois anos. Para que essa loucura? Ter que pagar prestações a vida toda, sem tempo para dar um beijo no seu filho?", questionou.
Mujica falou ainda da necessidade maior de união do continente americano. "Temos que copiar o talento, a tecnologia e a ciência (dos países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos), mas não os valores; não temos que pensar do ponto de vista do discurso de (Simón) Bolívar, mas sim em nos juntarmos para nos defendermos", disse.
O ex-presidente respondeu a perguntas sobre as manifestações de rua no Brasil contra o PT e o governo Dilma. "As sociedades modernas são muito inconformadas. Mas quem pede a volta dos militares é louco. Qualquer democracia é melhor do que a ditadura." Sobre a política de drogas no Brasil, não quis se posicionar: "Nós começamos a fazer uma experiência, não sabemos no que vai dar. O que sabemos é que o que fazíamos não dava resultado. Queremos é arrebentar o mercado do narcotráfico, que é o pior que a droga", limitou-se a dizer sobre a regulamentação da produção e da venda de maconha no Uruguai, em 2013. Mujica veio ao Rio num voo comercial com apenas dois acompanhantes, e segue nesta sexta-feira, 28, para São Paulo, onde vai se encontrar com Lula.