Uma das datas mais tradicionais e emblemáticas da história do Brasil, o 7 de Setembro, este ano, marca os 200 anos desde que o país rompeu os laços com Portugal e passou a abandonar a condição de colônia. A façanha histórica é relatada no hino nacional brasileiro, está alinhada aos valores das Forças Armadas e é rememorada, anualmente, nos desfiles organizados em todo o país.
Sempre importante e comemorado, o 7S, como tem sido apelidado nos últimos anos, também foi incorporado por movimentos políticos, para reforçar ideais relacionados ao patriotismo, nacionalismo e conservadorismo. Essa movimentação foi intensificada após a posse do presidente Jair Bolsonaro (PL), em 2018, e a data cívica acabou por se tornar um símbolo bolsonarista, visto em campanhas políticas e em manifestações partidárias.
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Sem dúvida, o Dia da Independência é, em 2022, uma demonstração de presença e força, pois serve como um atestado em tempo real da polarização política que marca o Brasil. Nesta quarta-feira (7), o chefe do Executivo participa de um desfile do Bicentenário da Independência em Brasília, no Distrito Federal, enquanto sua militância organiza manifestações nacionalmente.
As pautas se repetem: rejeição ao Partido dos Trabalhadores e ao “comunismo”, ofensas ao Supremo Tribunal Federal e críticas à imprensa. Nos anos anteriores, o caráter antidemocrático desses atos chamou atenção até mesmo internacionalmente.
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Heranças do Brasil Colônia
Além da perspectiva política, que domina o discurso da Independência na atualidade, o contexto histórico tem um papel fundamental para o posicionamento do Brasil, hoje, enquanto potência mundial. Em desenvolvimento, o país é considerado emergente e mesmo após 200 anos de independência, não conseguiu se recuperar das diversas feridas socioeconômicas provocadas ainda durante a exploração europeia.
Apesar de ser industrializado e capitalista, o Brasil sofre com uma desigualdade social acentuada, além de um histórico de crises econômicas consecutivas e uma dívida externa alta. Exportador de alguns dos principais commodities no mundo — como minérios e soja —, o Brasil é reconhecido como polo industrial, mas possui uma fragilidade econômica maior do que as grandes potências, como os Estados Unidos e a China. Assim, é visto como uma economia dependente e periférica.
O baixo investimento em educação, pesquisa e tecnologia também evidencia a dependência tecnológica brasileira, que acaba por atrair mais serviços do setor privado estrangeiro, sem garantia de oferta permanente ou a longo prazo. O LeiaJá convidou um cientista político para elucidar algumas das dúvidas acerca dos significados de independência para o país. Confira a entrevista abaixo.
— Victor Tavares Barbosa, mestre e doutorando em Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
LeiaJá: A independência surgiu para romper com os laços da colonização, frente a uma ameaça de recolonização. Esse discurso hoje é bastante aproveitado como metáfora base para diversos políticos. Qual a relação entre a independência e a soberania nacional? Como tem sido utilizado, por exemplo, pelo atual governo?
VTB: No cenário político, os conceitos de independência e soberania nacional quase sempre são cooptados como elementos de distinção entre “nós” e “eles”. Bolsonaro, enquanto um populista, recorre a esse discurso nacionalista como uma estratégia de mobilização popular contra quem ele considera ser os “inimigos do povo ou inimigos da nação”, no caso, a esquerda. Essa instrumentalização dos signos nacionalistas não é algo novo no Brasil nem no restante do mundo, mas aqui Bolsonaro se coloca enquanto o “defensor da pátria” mais para angariar votos e apoiadores do que realmente como um plano de defesa da soberania e dos interesses nacionais.
LeiaJá: Como as partes políticas têm lidado com o discurso de permanência ou retorno ao poder?
VTB: A permanência da direita ou o retorno da esquerda ao governo será uma confirmação do tipo de projeto nacional que a maioria dos brasileiros quer para o país. Enquanto a permanência da direita remonta a um Brasil moralmente conservador e economicamente neoliberal, o retorno da esquerda aponta a uma percepção de que as políticas neoliberais não conseguiram atender às demandas de crescimento econômico e eliminação das desigualdades sociais. E as partes políticas têm lidado exatamente dessa forma e buscado perguntar ao eleitor “qual Brasil você quer?”.
LeiaJá: Quais aspectos da colonização na política hoje? O Brasil é independente de forma econômica e cultural?
VTB: Na perspectiva de autores decoloniais, como Aníbal Quijano e Walter Mignolo, a colonização não se encerrou com a independência dos países colonizados, mas permaneceu ativa através do sistema de poder vigente. E vai se expressar na política de diferentes maneiras, do micro ao macro, atravessando as clivagens sociais de raça, classe e gênero. Por exemplo, a criação da ideia de raça, que é colonial, naturalizava os colonizados não-brancos como inferiores aos colonizadores para legitimar a subordinação, ainda tem seus reflexos na sociedade e política nacional. Enquanto a representatividade de negros na política continua baixa, essa população é a maioria quando o assunto é pobreza, violência policial, encarceramento em massa – que por sua vez, também são aspectos políticos.
E a posição do Brasil dentro do sistema capitalista mundial, antes mesmo da nossa formação enquanto Estado, sempre foi dependente. Não é possível visualizar a independência econômica de um país exportador de produtos primários e importador de produtos industrializados. No que tange à cultura, o Brasil também está inserido em um sistema globalizado de trocas constantes, mas desiguais. As produções culturais estrangeiras chegam aqui com muito mais facilidade. São consumidas, absorvidas e ressignificadas pela nossa população. O caminho inverso parece ser muito mais difícil.
4. O que esperar das manifestações do 7 de Setembro este ano? Qual o tom?
VTB: Esse 7 de setembro será emblemático. Não só por marcar os 200 anos da independência do Brasil, mas pelo contexto: acontece à beira das eleições. Bolsonaro deve aproveitar a oportunidade para reforçar seu discurso nacionalista, atacar Lula e os Partido dos Trabalhadores, mas evitar investidas contra às demais instituições da República. Os outros candidatos provavelmente se manterão afastados. O próprio PT sinalizou que não convocará atos para o dia, justamente para evitar qualquer confronto com bolsonaristas.