O mundo se tornou "um lugar cada vez mais perigoso" para milhões de refugiados e migrantes, que têm seus direitos desrespeitados por governos preocupados, acima de tudo, em proteger suas fronteiras, denunciou nesta quinta-feira a Anistia Internacional. "Há muitos governos que cometem abusos contra os direitos humanos em nome dos controles migratórios, extrapolando as medidas legítimas de controle de fronteiras", afirmou o secretário-geral da Anistia Internacional, Salil Shetty, na apresentação do relatório anual da organização sobre o estado dos direitos humanos no mundo.
As medidas afetam tanto as pessoas que fogem dos conflitos em países como Síria, Sudão ou República Democrática do Congo, como os 214 milhões de emigrantes que estima-se que tenham deixado suas casas em busca de um trabalho ou de uma vida melhor em outro país. "Milhões de migrantes são condenados a situações abusivas, como o trabalho forçado ou os abusos sexuais, devido a políticas migratórias que permitem explorar estas pessoas impunemente", acrescentou Shetty, que responsabiliza "a retórica populista" de alimentar essas políticas.
A ONG critica, entre outros, a União Europeia e os Estados Unidos por aplicarem medidas de controle de fronteiras que "deixam em perigo" as vidas dessas pessoas. Quando conseguem chegar ao seu destino, muitos migrantes são submetidos a condições equiparáveis ao "trabalho forçado ou, em alguns casos, análogas à escravidão".
Os migrantes em situação irregular são os mais propensos a sofrer abusos, já que não recebem, ao mesmo tempo, a proteção de seus países de origem e dos de acolhida. "Aqueles que vivem fora de seu país, sem patrimônio nem status, são as pessoas mais vulneráveis do mundo, mas ainda são condenadas a viver nas sombras", afirmou o secretário-geral da Anistia.
Shetty ressaltou que os trabalhadores migrantes contribuem com a economia global com remessas equivalentes ao triplo da ajuda oficial ao desenvolvimento.
A organização ressalta nesse sentido o contraste existente entre as restrições impostas às pessoas e a facilidade com que circulam através das fronteiras os capitais e as armas convencionais que, com frequência, fomentam a violência e os abusos. "As pessoas refugiadas e deslocadas já não podem ser vítimas de 'o que os olhos não veem, o coração não sente', e sua proteção cabe a todos e a todas", frisou o secretário-geral da Anistia.
Em relação à Síria, a Anistia denuncia que "o mundo se limitou a observar" por mais um ano, enquanto continuam os abusos por parte do regime de Bashar al-Assad e, em menor medida, da oposição em um conflito que já deixou dezenas de milhares de mortos, quatro milhões de deslocados internos e um milhão e meio de refugiados.
Lamenta também as "penosas condições" que devem suportar nos campos de refugiados erguidos nas fronteiras dos vizinhos Jordânia, Líbano e Turquia para as pessoas que fogem da guerra civil. "A Síria é uma das grandes vergonhas de nossa época", declarou o secretário-geral da Anistia. "Transformou-se em uma partida de futebol política entre grandes potências".
"A comunidade internacional está paralisada, o que faz com que vejamos uma ausência de ação global", acrescentou, pedindo ao Conselho de Segurança da ONU que "enfrente os abusos que destroem vidas e obrigam as pessoas a abandonar suas casas".