O dito popular "achado não é roubado" é um dos mais conhecidos e falados entre os brasileiros, principalmente entre os que se apropriam e não devolvem objetos achados, que foram anteriormente esquecidos ou perdidos por alguém. Sob a justificativa de que permanecer com algo que foi encontrado não é considerado furto, nem roubo, muitas pessoas insistem em não devolver, por exemplo, relógios, carteiras ou celulares, mesmo sabendo a quem o objeto pertence. Na teoria, a legislação brasileira, no entanto, não é tão branda e obriga o cidadão a devolver o objeto sob pena do crime de apropriação de coisa achada, através do Código Penal no artigo 169.
Devolver algo que foi achado vai muito mais além do que um debate sobre ética e moral. Na configuração jurídica do Brasil, o achado, de fato, não é roubado, visto que é considerado roubo no Código Penal o ato de subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel com a utilização de violência ou grave ameaça (Art. 157 do Código Penal). Porém, apesar de não ser configurado como roubo, o ato de permanecer com um objeto de um terceiro é considerado crime e no Código Civil, através do Art. 1.233, que diz: "Quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor. Não o conhecendo, o descobridor fará por encontrá-lo, e, se não o encontrar, entregará a coisa achada à autoridade competente."
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No Recife, um caso reacendeu o debate sobre a apropriação de coisa achada. O fato ficou famoso nas redes sociais com a hashtag #DevolveCinthia, em que a designer Célia Lins perdeu seu celular em Olinda durante o Carnaval de 2016. Célia prestou queixa na delegacia e seus amigos iniciaram uma campanha na Internet para que o celular fosse devolvido. Ela localizou a suspeita que estaria com o seu smartphone e decidiu publicar no Facebook imagens da negociação com Cinthia, suspeita que teria encontrado o aparelho celular. As conversas inusitadas e as tentativas falhas da devolução do celular foram compartilhadas nas redes sociais milhares de vezes.
Apesar de acreditar que a lei não fosse funcionar para ela, Cinthia foi localizada pela Polícia Civil de Olinda e um inquérito para investigar o caso foi aberto. Nessas situações, a lei prevê que quem achou um objeto que não lhe pertence tem a obrigação de devolver ao dono ou, caso não saiba quem é o proprietário, entregá-lo à autoridade pública, dentro de um prazo de 15 dias, podendo sofrer detenção de um mês a um ano. No caso de Cinthia, o celular foi devolvido todo quebrado, mas a investigação ainda não foi concluída. Ela pode responder por furto e receptação.
Para o advogado criminalista, Giovanne Alves, caso alguém encontre um objeto, não há necessariamente a obrigação de procurar o dono. "Eu interpreto que se um cidadão acha um celular, por exemplo, na rua, ele não tem a obrigação legal de procurar o dono, não é de sua competência", argumenta. Mas ele afirma que se o dono do objeto entrar em contato com quem achou, já se torna uma obrigação. "Se o dono entrar em contato com esse cidadão, ele tem que devolver. Outra situação é quando o artefato achado dá dicas suficientes de quem é dono, uma carteira com os documentos, por exemplo, também dá margem para que seja devolvido ao dono, sob pena de punição", explica.
A delegada Euricélia Nogueira explicou que o crime não está configurado em achar algo perdido. "Encontrar uma coisa que foi perdida por alguém não é um ato criminoso. É considerado crime quando quem achou o objeto se recusa a devolvê-lo". Ela explica que existe um prazo de 15 dias para que o achado seja devolvido. "Quando não se sabe quem é o proprietário, é necessário legalmente que o objeto seja devolvido a uma autoridade policial". A Delegacia onde o achado foi devolvido, tem a obrigação de fazer a apreensão e buscar identificar o proprietário. A delegada contou que em caso de perda, é importante que as pessoas prestem a queixa para que a Polícia possa investigar.