Um dos desafios mais constantes da medicina é encontrar tratamentos e curas para doenças, e outros quadros clínicos, como câncer, dores crônicas, entre outras. Além do sofrimento do paciente, as famílias também ficam desestabilizadas, e sem saber se os medicamentos utilizados serão, de fato, eficazes. No entanto, estudos e pesquisas vêm aprofundando e levantando o debate sobre o uso da cannabis sativa, substância própria da maconha, para fins medicinais, e já apresentam resultados satisfatórios para que a regulamentação possa ser estudada e realizada no Brasil.
Mas nem sempre foi assim, e muitas famílias passaram por dificuldades para lidar com um quadro de doença grave de um ente querido. Foi o que aconteceu na família do advogado Sergio Eduardo Urt. Seu pai, de 89 anos, apresentava um quadro generalizado de câncer de próstata, metástase óssea e infiltração no fígado, há sete anos. No momento em que ele estava mais debilitado, chegou a perder 25 kg pois não conseguia ingerir nada. O quadro de seu pai era considerado terminal, sem grandes chances de recuperação, quando Sergio foi apresentado à possibilidade de realizar um tratamento com óleo de cannabis.
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“Primeiro passo foi tentar adquirir o óleo, na associação [de pacientes que utilizam o óleo da cannabis para tratamentos]. O segundo passo foi informar os médicos que ele iria começar o tratamento, mas não foi pedir autorização”, relembra. À época, no primeiro trimestre de 2020, seu pai era acompanhado por um neurologista, um oncologista, um clínico geral e um urologista.
Sergio conta que o produto, importado dos Estados Unidos, custou caro, e ainda havia o risco de não chegar, devido às proibições do consumo de produtos derivados da cannabis no Brasil. “Tive de comprar ‘na tora’, correndo risco. Meu pai semi-morto em casa, eu comprei sem autorização, sem nada. Falo abertamente, até porque depois que eu vim organizar legalmente a situação. Mas eu comprei o óleo mais forte que tinha [em concentração de THC], e eu nem sabia se ia mesmo chegar. Gastei na época R$ 3 mil, de um fornecedor que eu nunca vi”, ele conta.
“Você vê seu pai, ou filho, mãe, parente, alguém que você ama, você vai fazer qualquer coisa. E chegou meio que na última consulta, que a médica foi lá em casa, a geriatra dele, sendo que não tinha o que fazer, ia começar a aplicar morfina nele, já não tinha resposta de mais nada”, continua.
O episódio aconteceu, Sergio relembra, exatamente no dia 23 de março de 2020, cerca de uma semana da determinação do “lockdown”, devido à pandemia da Covid-19. A médica saiu da casa dele, e no mesmo dia, no final da tarde, a encomenda internacional chegou, e ele começou a aplicar as gotas de óleo imediatamente. O jurista percebeu uma melhora em seu pai em poucos dias, e hoje, três anos depois do início do tratamento, ele apresenta quadro de remissão do câncer, e não há risco de outra doença grave.
Os resultados alcançados com o uso do óleo de cannabis fizeram Sergio se voltar para a causa, já que no Brasil ainda existem leis e regras que impedem a produção e comercialização, em larga escala, do medicamento. Para debater com mais profundidade o assunto, médicos e especialistas no assunto se reuniram, nesta sexta-feira (8), na I Jornada Regional da Cannabis Medicinal, com agenda que se estende até o sábado (9). O evento é voltado para médicos e demais profissionais da saúde, para debater e compreender os mais recentes estudos e resultados do uso da cannabis sativa, substância própria da maconha, para o tratamento de doenças e outros quadros clínicos.
Para Rafaela Asfora, diretora médica do Instituto Sativa, a jornada é um marco para o desenvolvimento da pesquisa do uso da cannabis. “A gente pode ver profissionais se disponibilizando a entender, aprender um pouco mais sobre a cannabis, sobre a medicina cannabinoide, buscando oferecer o melhor pros pacientes, oferecer uma melhor qualidade de vida pra eles. Então esse evento é muito importante pra nossa cidade, eu acredito em um tratamento eficaz, eu acredito em um tratamento natural, então a gente percebe que com a cannabis, a gente trata o paciente, o paciente tem menos reações adversas, quando comparado quando faz um tratamento com medicações alopáticas”, afirmou.
O evento acontece em um hotel localizado no bairro de Boa Viagem, zona sul da capital, e contou com a participação, na mesa de abertura, de profissionais e especialistas no assunto, além do deputado estadual João Paulo (PT), autor do Projeto de Lei (PL) 3098, sancionado em dezembro de 2022, que permite o cultivo e o processamento da cannabis sativa para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais.
“Mantemos uma articulação através do [Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco] Lafepe, para que possa ser um órgão estatal que pudesse produzir. Articulamos também o governo federal, através da produção do [Sistema Único de Saúde] Sus, e tivemos também contato com as comunidades indígenas, para que a gente pudesse garantir a produção, e consequentemente estamos articulando também, além do governo federal, com as comunidades, e eu criei uma frente parlamentar que vai discutir o segundo passo, que seria reforçar, articular, a produção da medicação, e também de fins, não só do cânhamo, que tem uma produção industrial. Então além do sofrimento de humanos e animais, você pode também ter uma base de sustentação econômica levando renda para essas comunidades indígenas”, afirmou o parlamentar.