Passado o primeiro dia de provas da versão impressa do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020, os participantes voltam suas atenções para a próxima etapa. Neste domingo (24), os inscritos responderão às questões de matemática e Ciências da Natureza (física, química e biologia). Como ponto preocupante, existe pandemia de Covid-19 em plena ascensão de casos e mortes, junto a uma aplicação com recorde de abstenção (51,5% de faltosos) e relatos de alunos impedidos de fazer a prova mais importante para o ensino superior do País por lotação de salas.
Em meio a relatos preocupantes e aglomerações na entrada e saída de pontos de aplicação do Exame pelo país, as expectativas de estudantes e professores às vésperas do último dia de Enem impresso neste ano são as mais variadas. Lucas Alves tem 20 anos, veio de Petrolina (PE) para o Recife no ano de 2014 e há dois anos está estudando para entrar no curso de medicina. O jovem conta que gostou das questões e da redação no primeiro dia de provas e se sente animado para a próxima etapa.
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“O conteúdo eu consegui ver, pois os professores fizeram um trabalho maravilhoso, a assistência deles foi incrível. Eu pequei um pouquinho na revisão, mas vi os assuntos. Eu sinto um pouco de ansiedade para colocar em prática aquilo que eu me esforcei tanto para aprender, e um pouquinho de insegurança também por não ter me preparado tão bem como gostaria, por conta dessa confusão toda”, disse o estudante.
No que diz respeito à pandemia, o distanciamento e necessidade de estudar remotamente atrapalharam, mas não impediram a conclusão dos conteúdos nem abalaram a confiança do aluno. “Embora seja um ano atípico, com bastante adversidades, deu para aprender bastante coisa. Tem gente que vive numa situação bastante confortável, mas não é o meu caso. É cachorro latindo, irmã fazendo barulho, mãe pedindo para fazer as obrigações da casa, fim de namoro e um vestibular de medicina para dar conta”, disse ele.
A insegurança sobre a saúde, no entanto, foi inevitável para Lucas. “Embora tenha uma abstenção de 51,8%, ainda assim são milhões de pessoas realizando a prova e faltaram alguns métodos de prevenção à doença. Na minha sala ninguém mediu a temperatura de ninguém, não teve detector de metais e deixaram as cadeiras a critério de quem foi fazer a prova. Fiz em São Lourenço da Mata, numa escolinha chamada Hermínio Moreira Dias”, relatou. “O Enem deveria ser realizado num momento mais calmo, mais seguro, após a vacinação”, acrescentou .
André Luiz Vitorino é professor de biologia e espera que a prova da disciplina seja “a mais acessível” dentre as questões de Ciências da Natureza. “Que os alunos possam caminhar por ela de maneira tranquila. Que seja como vem sendo, que tenha muitas questões de ecologia, citologia, genética, saúde e biotecnologia, que são os conteúdos que mais caem. Tenho essa expectativa de uma prova tranquila, serena e com bom nível de conteúdos”.
Apesar de otimista com a elaboração da prova, o professor também afirma estar apreensivo com a realização do Enem durante a pandemia e o alto número de abstenções que esse fato ocasionou no primeiro dia de provas. “Me surpreendeu a abstenção do primeiro dia. Eu achava que ia ter menos gente, agora teve ‘menos demais’. Foi uma surpresa nacional. As pessoas estão muito assustadas, com interrogações, todo mundo com medo de tudo e isso interferiu. Eu acredito que o segundo dia vai ser mais tranquilo. Os alunos que chegarem à prova vão fazer com tranquilidade, que vai ser mais tranquilo que o primeiro”, disse André.
Já Carlos Bravo, que ensina biologia há cerca de 35 anos, espera uma prova que aborde os temas que costumam cair tradicionalmente no Enem. No que diz respeito aos participantes, ele acredita que a abstenção, já recordista no primeiro dia, cresça ainda mais.
"Deve ter muitas faltas nesse segundo dia. Não nas proporções do primeiro, mas vai ter porque é normal o aluno que não se deu bem no primeiro não ir mais no segundo. E as notícias da pandemia estão cada vez piores, isso pode afastar alguns alunos da presença neste segundo dia. Se você tem uma abstenção monstruosa dessa, imagine o prejuízo financeiro para o País”, afirmou o professor.
Niedja Carneiro, 27, tem muitos anos de experiência fazendo a prova do Enem e deseja entrar no curso de direito da Faculdade de Direito do Recife (FDR), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A estudante afirma que não se sente pressionada para obter uma pontuação muito alta no segundo dia de provas devido ao sistema de pesos utilizado na seleção de alunos pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
“Por conta do meu curso e da faculdade que escolhi, o segundo dia é praticamente para ‘cumprir tabela’, já que o segundo domingo de prova corresponde a apenas 20% da minha nota geral de acordo com os pesos. Então acredito que vai ser bem mais tranquilo, já que não vai haver a pressão de não poder negligenciar nenhuma questão”, contou ela.
A estudante também fez críticas à estrutura da prova. “Na minha opinião, o Enem é uma prova que não faz muito sentido. Não é com relação ao nível da prova, mas sim, a forma como ela é aplicada, como precisa ser feita. Se é uma prova para medir conhecimento, não precisa ser uma prova traumática e tão cansativa. Porque é isso que acaba sendo: traumática e cansativa!”.
No que diz respeito à data em que a prova está sendo realizada e ao quadro crítico da pandemia no Brasil no início deste ano, Niedja afirma que não se sente tranquila com a realização do Enem agora. “Acho que qualquer pessoa que tenha o mínimo de bom senso coletivo sabe que essa situação não é propícia para estar dentro de uma sala com dezenas de desconhecidos por horas e horas. Essa aplicação do Enem, em meio à pandemia de Covid-19, é um verdadeiro desastre. Se o exame sempre foi elitista, esse ano então... é indiscutível! Os dados oficiais sobre a abstenção estão aí para comprovar isso”, afirmou ela.
Na avaliação do professor de física Nilson Lourenço, “a prova de domingo, pelo retrato da prova passada, deve ter o mesmo estilo de prova, ou seja, textos longos e muito cálculo” por reunir questões de física, química e matemática em um só dia. Nilson criticou o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão do Ministério da Educação (MEC) que organiza o Enem, por não ter pensado em meios de adaptar a prova à realidade de pandemia.
“Na Unicamp, na prova da primeira fase são 90 questões gerais, ela reduziu para 72. Tirou os textos e colocou textos menores para que o aluno fizesse a prova mais rápido e saísse do ambiente mais rápido. O Inep não se preocupou com isso”, disse o professor.
Questionado sobre a segurança sanitária da aplicação, Nilson afirma ver mais problemas fora do que dentro dos locais de aplicação. “O aumento do número de casos não vai ser por causa da prova. É pelo transporte, porque o aluno vai se deslocar para lá e a gente sabe que a maioria é de escola pública e depende do transporte. Tem gente que se desloca por duas para chegar ao local de provas. Pode aumentar o número de contaminados? Claro que pode, mas acho que por causa do transporte”, afirmou o professor.
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Igor de Angeli tem 21 anos, mora em Vitória (ES) e faz as provas do Enem desde 2016. O jovem atualmente cursa medicina em uma faculdade privada e deposita no Enem a esperança de mudar para uma universidade pública.
“Pelos gabaritos extraoficiais, fui muito bem na prova do primeiro dia, e isso deu ainda uma maior motivação para a prova deste próximo domingo! Minha expectativa é que a prova venha bem conteudista, ao perceber que os anos anteriores ficaram bem mais elaboradas as provas de Natureza e Matemática, mas estou muito confiante”, disse o estudante.
Apesar da confiança quanto aos estudos, Igor se sente inseguro no que diz respeito à organização da prova, devido a problemas que ocorreram ao longo do processo de inscrição, no primeiro dia de aplicação e no Enem 2019.
“Durante o período das inscrições, eu mesmo participei de um grande movimento na internet chamado ‘Cadê o Beto', pois eu e milhares de outros estudantes não recebemos o boleto! Graças a Deus, deu certo. Meu medo é que haja novamente problemas com a correção e rodagem dos TRI’s por causa de confusão na correção dos gabaritos igual no Enem 2019. Espero que corra tudo dentro da normalidade”, declarou.
A pandemia de Covid-19 em alta também preocupa muito o estudante, que sente medo de se contaminar com o vírus durante o Enem. “Realmente, a situação voltou a ficar insustentável e há muito medo e tristeza acerca de tudo que a pandemia de coronavírus deixou no Brasil. E para nós, estudantes de maneira geral, é uma sensação de impotência, pois a prova do Enem é a única porta de entrada para inúmeros candidatos. E a realização dela neste momento, acende até mesmo para o risco a pessoas com comorbidades, como câncer, asma, bronquites e etc. Ou seja, acabou que o sonho de milhões de pessoas. Fiquei muito sentido pelo enorme número de abstenções, eu fui morrendo de medo”, contou Igor.
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