Nesta semana completam-se 50 anos desde que chegou aos cinemas o longa-metragem “Shaft” (1971). A obra, dirigida por Gordon Parks, foi uma das responsáveis pela explosão do movimento “Blaxploitation”, em que se prioza uma abordagem técnica e narrativa composta por pessoas afro-descendentes, que também podem estar associadas à cultura afro-americana, como a música funk e soul. Mesmo com as críticas sobre os estereótipos, “Shaft” representa um marco na história do cinema, quando ainda não havia protagonismo de pessoas pretas.
De acordo com Paulo Camargo, crítico de cinema e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), é “importantíssimo” que se tenha personagens pretas como protagonistas em histórias no cinema, porque o público afrodescendente precisa se ver na tela, representado por atores negros. “Mais do que isso, precisa ver as suas narrativas e as suas histórias contadas. Por isso, a questão do protagonismo negro é fundamental, tanto do ponto de vista dos personagens, quanto das narrativas”. Camargo ressalta que “Shaft” foi um desses títulos que conseguiu ser um produto audiovisual destinado apenas à audiência afro-americana.
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A relevância do filme se dá por conta da temática e a forma como a história foi retratada no filme. O crítico de cinema comenta ainda que na época em que o longa-metragem foi produzido havia uma forte luta pelos direitos civis, das minorias e dos negros, com figuras que representavam essas pessoas, como Malcolm X (1925 – 1965) e Martin Luther King (1929 – 1968), cujas mortes havia sido relativamente recentes. “O início dos anos 70 é um momento de busca por visibilidade e representatividade. Dentro desse ciclo do ‘Blaxploitation’, existe a questão do direito de se produzir entretenimento com negros, por negros e para negros, dentro de uma ideia de que exista um cinema black para essa fatia do público”, explica.
E assim aconteceu com “Shaft”, segundo Camargo, o produto final se trata de um filme de ação/policial, com camadas que abordam o racismo, mas que principalmente discute a importância da representatividade, de se ter histórias negras em gêneros consagrados no cinema norte-americano. O especialista comenta que os elementos fundamentais na composição da obra foi o fato de o filme ter sido dirigido e protagonizado por negros, além da trilha sonora, que expressa a cultura afro-americana do blues, soul e funk. “O fato de a canção tema ter sido um grande sucesso mundial e o filme ter viajado a vários países é uma forma de mostrar esse universo dos afro-americanos para o mundo”, contextualiza.
A respeito de obras cinematográficas no geral, Camargo conta que este é um meio capaz de trazer educação e conscientização, mesmo que seus efeitos não sejam do dia para o outro. “Se você não está habituado a ver filmes protagonizados por atores negros, em vários gêneros, você nunca vai ter essa questão consolidada. Por isso, atores como Denzel Washington, Halle Berry [única atriz negra a ganhar o Oscar de Melhor Atriz na categoria principal] e Regina King são tão relevantes”, afirma o crítico de cinema.
Influências do Blaxploitation
Além de “Shaft”, outras obras cinematográficas fizeram parte do ciclo Blaxploitation, como “Super Fly” (1972) e “Cleópatra Jones” (1973). Camargo também cita a atriz Pam Grier como uma das referências nesse período, que mais tarde, nos anos 90, foi resgatada por Quentin Tarantino, no filme “Jackie Brown” (1997). “A partir de determinado momento, surgem diretores negros importantes e que estão em atividade hoje. Talvez o mais notório deles seja Spike Lee, que na década de 90 fez filmes como ‘Ela Quer Tudo’ [1986] e ‘Faça a Coisa Certa’ [1989], que é um marco na história do cinema negro e do cinema norte-americano daquele período”, conta Camargo.
Não foi apenas nas décadas passadas que os filmes com representatividade negra estavam presentes. O crítico de cinema conta que outras produções ganharam espaço nos últimos anos, como “Moonlight: Sob a Luz do Luar” (2016), dirigido por Barry Jenkins, filme sobre negros homossexuais, que ganhou o Ocar de Melhor Filme. O cineasta posteriormente também dirigiu “Se a Rua Beale Falasse” (2018), que rendeu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante para Regina King. Jenkins também possui produções com a temática, fora do eixo do cinema, como “The Underground Railroad”, série de televisão sobre a escravidão, dirigido e protagonizada por artistas negros.