O Supremo Tribunal Federal (STF) proclamou nesta quinta-feira, 24, a decisão que valida a criação do juiz de garantias. O modelo divide a condução da ação penal entre dois magistrados e deverá ser adotado em todo o país em até dois anos. Enquanto os tribunais dizem ter dificuldades orçamentárias e estruturais para cumprir a lei, juristas e ministros do Supremo defendem que é possível apenas remanejar as funções já existentes.
A lei de 2019 que estabeleceu a figura não prevê criação de cargos e outras despesas para os estados e a União. Uma das soluções possíveis para comarcas com apenas um juiz (que representam mais de 50% do total) é o sistema de rodízio de magistrados. Desse modo, o juiz de garantias de uma cidade pode analisar os processos de outros municípios.
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A norma aprovada pelo Congresso obrigava as comarcas com apenas um juiz a adotarem o sistema de rodízio, mas o STF entendeu que essa imposição afronta a autonomia administrativa dos tribunais. Agora, cada tribunal poderá decidir a forma de implementação.
Em manifestação enviada ao STF antes do julgamento, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) cita duas opções para aplicar o modelo em comarcas do interior. A primeira é a criação de varas, tida como "tecnicamente inviável por envolver cifras elevadas". A segunda é a criação de departamentos regionais para atender à demanda por juízes de garantias. O tribunal ressalta, contudo, que "eventuais juízes designados responderiam por diversas comarcas, o que acarretaria a incidência de diárias e transporte, onerando os cofres públicos".
Procurado após a proclamação do resultado, o TJ-SP informou que "por ora, não há custo estimado" e que "implantará o juiz de garantias no tempo firmado pelo STF".
O Tribunal de Justiça do Amapá (TJ-AP), o menor do país, havia dito ao STF que a "proposta legislativa revela-se impraticável". Para o desembargador Adão Carvalho, presidente do TJ-AP, a "criação de novos cargos de juiz também se revela um óbice quase que intransponível".
O advogado criminalista André Galvão, do escritório Tórtima, Galvão & Maranhão, avalia que o Judiciário "pode se organizar, num momento inicial, da mesma forma que o Ministério Público se organiza, (por meio de) centrais de juízos de garantias".
Galvão destaca que a carga de trabalho do juiz de garantias permite que ele responda a mais de uma comarca. "A maior carga de trabalho é a do delegado, em regra. Em segundo, do Ministério Público, e muito abaixo fica o trabalho do juiz", disse ao Broadcast. "Lógico que, quando ele é chamado a decidir, deve se debruçar de forma detida, porque vai ser chamado a tomar decisões muito importantes", pondera.
Durante o julgamento do tema, que durou mais de um mês, parte dos ministros minimizou a repercussão da mudança sobre os tribunais. Para o ministro Alexandre de Moraes, a remodelação de funções nos tribunais será suficiente para deixar magistrados disponíveis. O ministro Gilmar Mendes afirmou que a implementação "pode ser realizada a partir de técnicas variadas, como especialização de varas, regionalização ou o sistema de rodízio".
O ministro Kássio Nunes Marques, por outro lado, vê como "implausível" a hipótese de aumento zero de custos. "Temos de partir da ideia de que seguramente haverá aumento de custos, de modo que é necessário pensar em até que ponto o Congresso pode criar despesas para os estados e para a própria União sem indicar imediatamente uma fonte de custeio", afirmou.
Um levantamento de 2020 da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), publicado em estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), estimou R$ 1,1 bilhão por ano para criar novos cargos, considerando as comarcas com apenas um juiz. O valor desconsidera as alternativas como rodízio e regionalização.
No mesmo estudo, o CNJ propôs a realização de um sistema de rodízio por região para atender a comarcas menores. Para as comarcas maiores, o CNJ sugeriu a criação de órgãos especializados para concentrar todas as atribuições da função.
O CNJ ainda destacou a adesão ao processo eletrônico como uma forma de simplificar a implantação. "De acordo com o Relatório Justiça em Números de 2019, apenas 16,2% do total de processos novos ingressaram fisicamente, no ano de 2018, de modo que o porcentual de adesão ao processo eletrônico já atinge 83,8%", diz o estudo.