Após um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o julgamento sobre sacrifício de animais durante rituais de religiões de matriz africana. Até o momento, os ministros Marco Aurélio Mello, relator do caso, e Edson Fachin votaram pela constitucionalidade de sacrifícios de animais em rituais religiosos.
O plenário discute uma lei estadual do Rio Grande do Sul que deixou expresso que é possível o sacrifício em situações de religiões de matriz africana. A autorização foi acrescentada no Código Estadual de Proteção aos animais, que veda agressão e crueldade.
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Contra essa previsão adicionada, o Ministério Público gaúcho entrou com recurso no STF. A decisão do plenário da Corte afeta apenas a lei do RS, mas expõe o entendimento dos ministros do STF, última palavra do judiciário brasileiro, sobre o tema.
Primeiro a se posicionar, Marco Aurélio defendeu que o sacrifício de animais é aceitável se forem afastados os maus-tratos no abate, e se a carne for direcionada ao consumo humano. O ministro ainda entendeu que o sacrifício de animais é constitucional em ritos religiosos de qualquer natureza, não restringindo às religiões de matriz africana.
"Revela-se desproporcional impedir todo e qualquer sacrifício religioso de animais, aniquilando o exercício do direito à liberdade de crença de determinados grupos, quando diariamente a população consome carnes de várias espécies. Existem situações nas quais o abate surge constitucionalmente admissível, como no estado de necessidade - para a autodefesa - ou para fins de alimentação", afirmou Marco Aurélio.
Fachin, por sua vez, votou para negar todo o recurso apresentado pelo MP estadual. Para o ministro, não é errado que a lei tenha feito uma designação especial às religiões de matriz africana. "Não ofende a igualdade, ao contrário, vai a seu encontro, a designação de especial proteção a religiões de culturas que, historicamente, foram estigmatizadas", observou Fachin, que não propôs condicionar o abate ao consumo da carne. O ministro procurou apresentar seu voto mesmo após o pedido de vista de Moraes. Não há previsão de quando o julgamento será retomado.
Em nome do governo estadual, o procurador do Rio Grande do Sul Thiago Holanda Gonzalez, afirmou que a lei não traz nenhum prejuízo ao caráter laico do Estado. "A liberdade de culto dessas religiões decorre da Constituição. Mas a lei não é inócua. Ela retira o constrangimento às religiões de origem africana. O Rio Grande do Sul nunca permitiu a crueldade (com animais)", afirmou.
Representante da União de Tendas de Umbanda e Candomblé do Brasil, o advogado Hédio Silva Júnior criticou a ação do Ministério Público estadual. "Parece que a vida de galinha de macumba vale mais do que a vida de milhares de jovens negros. É assim que coisa de preto é tratada no Brasil. A vida de preto não tem relevância nenhuma. A vida de preto não causa comoção social, não move instituições jurídicas. Mas a galinha da religião de preto, ah, essa vida tem que ser radicalmente protegida", questionou na tribuna do Supremo.
Na ação apresentada em 2006, o MP estadual destacava que a restrição adicionada pela lei é desnecessária, já que a liberdade de religião é constitucionalmente garantida. Alexandre Saltz, representante do Ministério Público do RS que falou nesta quinta no STF, no entanto, foi mais enfático nas críticas ao texto.
"A proteção aos animais chegou a um limite tão extremo que o Superior Tribunal de Justiça discutiu a guarda de um cachorro na separação de um casal", destacando que os animais deixaram de ser caracterizados como 'coisas. "Morte desnecessária é tratamento cruel", disse.