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Liberdade, mas sem direitos e ações afirmativas. Jogados na rua apenas com a roupa do corpo. São essas questões que representam o 13 de maio, data oficial da abolição da escravatura no Brasil, para o movimento negro - que não enxerga nesse dia motivos para celebrar.

Isso se dá porque, há 134 anos, quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, não foi editada nenhuma medida que garantisse a sobrevivência digna dessa população que passou 388 anos sendo escravizada no país.

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Mônica Oliveira, integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e Coalizão Negra por Direitos, reforça que os movimentos negros brasileiros não comemoram o 13 de maio por compreender a abolição como uma ação inclonclusa. 

“Nós usamos a expressão de ‘falsa abolição’ porque, concretamente, o simples estabelecimento da lei não significou melhoria da vida para a população negra. No dia seguinte ao 13 de maio, os negros ficaram na rua, sem escola, sem casa, sem alimentação, sem trabalho e sem nenhum tipo de proteção social. O Estado brasileiro se desobrigou de oferecer a proteção social para essa população”, acentua.

Para Dayse Rodrigues, consultora de diversidade racial e co-fundadora da empresa futuro black, essa data é mostrada pela história de uma forma muito “romantizada”, como se a partir da sanção da Lei Áurea tudo tivesse melhorado para os negros. 

“A princesa Isabel não tem nenhum papel central na luta pela abolição da escravatura. Quem de fato tem o papel central são os abolicionistas, são as pessoas pretas que lutaram e morreram para que isso acontecesse. Esse protagonismo deveria ser mostrado nas escolas. Imagina o impacto que isso teria na vida dos jovens pretos”, diz.

Ela lembra que a Lei Áurea foi algo pensado puramente na economia. O país estava sofrendo pressão, principalmente da Inglaterra, para ser um mercado consumidor muito maior e o Brasil tinha uma população de quase 70% das pessoas escravizadas ainda. Isso não era interessante para os países europeus”, detalha.

Mulheres unidas na área central do Recife contra o racismo. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá Imagens/Arquivo

Mônica Carvalho complementa que, após a abolição, ao invés do governo brasileiro ajudar os negros concedendo terras e possibilitando ações afirmativas, preferiu financiar a imigração européia. 

“Concretamente, o Estado fez uma escolha. Ele financiou as passagens de navio para os europeus, financiou um atendimento quando essas famílias européias chegaram ao país e deu terras de graça. Por isso que hoje nós não temos grandes latifundiários negros. E isso é fruto de como foi feito o processo de ‘libertação’ dessa população escravizada”, fala.

É diante de todas essas faltas do governo brasileiro para com o povo preto que o 13 de maio é tido como um dia de denúncia do racismo, sendo classificado como o “Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo”. 

“A discussão importante é como se dá o racismo hoje, porque o racismo não é uma coisa de antes, superada com a abolição. O racismo é operado como um sistema de exploração e opressão. É um sistema que está na política, na economia, na segurança pública e que violenta a população negra”, esclarece Mônica.

A integrante da Coalizão Negra Por Direitos reforça que o racismo é um sistema de dominação e está em todos os campos da vida em sociedade, atingindo todas as dimensões da sobrevivência de uma pessoa negra. 

Mas, para ela, tudo não pode ser atribuído à escravidão. “Eu jamais vou afirmar que nada mudou desde a Lei Áurea até agora, porque isso não é verdadeiro. Não é que nada mudou. Existem conquistas da população negra, existem conquistas do movimento negro. Nós avançamos em diferentes aspectos, mas nós ainda não destruímos o sistema racista”, pontua.

Celebração só em novembro

O dia 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares, é a data escolhida pelos movimentos negros do Brasil para celebrar as lutas e conquistas dessa população que até os dias atuais luta contra o racismo e pelas reparações históricas. Neste dia, o povo preto sai as ruas do país, celebrando as vitórias, reafirmando a sua identidade e fortalecendo as suas lutas.

O dia 8 de março marca no calendário a celebração do Dia Internacional da Mulher. Comumente lembrado por desejos de parabéns, mensagens em tom de homenagem e pelo recebimento de flores, esse dia vem sendo reivindicado para o resgate de seu sentido original, de luta pelos direitos das mulheres, uma pauta feminista. Desconhecido por alguns, visto com receio por outros, o feminismo vem conquistando espaço na esfera de debates públicos e redes sociais nos últimos anos, influenciando pessoas e pautando questões políticas. 

Neste dia 8 de março, o LeiaJá preparou uma reportagem ouvindo pesquisadoras e militantes feministas para explicar o que é o feminismo e como ele influencia mulheres, homens, debates públicos, projetos de lei e o pensamento social como um todo, pela perspectiva de quem tem o protagonismo desse movimento e está no centro da questão: as mulheres.

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Nas palavras de Liana Lewis, professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que está desenvolvendo pesquisas sobre autoritarismo com recortes de raça, gênero e classe social, o feminismo pode ser entendido como “um movimento e escola de pensamento que denunciam que as relações de gênero são relações de poder e não são naturais, ou seja, são construídas e reproduzidas social e historicamente”. 

Ela continua explicando que o feminismo “denuncia e luta contra as formas de opressão que mantém as mulheres em lugar de subalternidade em relação aos homens” e que a principal ideia do feminismo é opressão de gênero como ponto central de denúncia e formulação de sua teoria e ações. Entre as principais premissas do feminismo, segundo a professora, estão as ideias do protagonismo feminino através do lugar de fala e a sororidade, que é definida como uma “união de mulheres que compartilham os mesmos ideais e propósitos, caracterizada pelo apoio mútuo evidenciado entre essas mulheres”, segundo o dicionário online Dicio. 

“Importante também é o lugar de fala que implica que nossas ideias e posições no mundo são determinados pelas maneiras como somos construídos socialmente (gênero, raça, sexualidade, classe, religião, etc). Sororidade é um conceito que funciona como modo de coesão através da empatia e identificação. Aqui é colocada a necessidade de compreendermos as várias formas de opressão a que as mulheres estão submetidas com o intuito de construir estratégias coletivas de libertação”, afirma Liana. 

Origem e expansão do movimento

De acordo com a professora e pesquisadora, a origem do feminismo está nos Estados Unidos do século XIX, quando mulheres operárias começam a fazer reivindicações por melhores condições de trabalho e tratamento igualitário em relação aos colegas de trabalho do sexo masculino. “Neste início então aconteceu uma forte articulação entre a questão de classe e gênero. A questão do sufrágio (voto) universal também acompanhou estas primeiras discussões, pois nesta época, o direito de voto na maioria dos países ocidentais era restrito aos homens brancos”, explica a professora Liana. 

A partir daí, o movimento ganhou força e se espalhou tanto pelos Estados Unidos como por outros países da Europa, América Latina, Ásia e África. Nesse processo de expansão, as ideias e formas de agir do movimento também foram passando por mudanças e transformações ao longo do tempo.

“O feminismo, nos seus primórdios, se restringiu à questão de gênero, tomando este conceito como universal, ou seja, partiu do princípio de que todas as mulheres eram submetidas a formas semelhantes de dominação. Ao longo dos anos, especialmente a partir das demandas das mulheres negras, existe uma compreensão de que gênero se articula com outras categorias tornando esta opressão ainda mais violenta e profunda”, explana a especialista.

Transformações e correntes de pensamento

Com essas transformações, surgiram novas linhas de pensamento e correntes dentro do feminismo. “Temos, por exemplo, o feminismo socialista, o feminismo negro, o feminismo africano, o feminismo queer, que articula a questão de gênero com sexualidade. Ou seja, ele se complexifica e se torna plural à medida em que os grupos identificam formas diversas de opressão de gênero”, afirma. 

Há, ainda, o feminismo interseccional, que busca formular uma luta conjunta, atendendo às particularidades de cada grupo de mulheres em seus contextos sociais e pautas específicas. Laeticia Jalil é professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), trabalha com temas ligados à Sociologia Rural, Feminismo e Agroecologia e na sua visão, a busca por um feminismo que contemple a diversidade feminina e não apenas uma hegemonia branca de classe média é um ponto positivo para o movimento. 

“O conflito não deve ser evitado pois somos plurais, há relações de poder, a gente tem que ter atenção para não reproduzir o modus operandi de quem nos oprime. É legítimo que indígenas não se sintam representadas só por brancas. O mesmo para as negras. Eu vejo isso como um amadurecimento do movimento, como capacidade de incorporar críticas e ampliar sua ação. Na prática, as mulheres se reconhecem como feministas num processo coletivo, mesmo com as particularidades de cada mulher”, diz a professora. 

Patriarcado, machismo e suas consequências

Laeticia também pontuou que a sociedade é pautada na cultura patriarcal, e o machismo é uma das expressões dessa característica. Questionada sobre como o machismo se expressa, ela informa que diversas questões que perpassam a criação de homens e mulheres criam desigualdades nas relações de gênero. 

“Nas expressões de poder, a menina aprende que ela é feita para cuidar, de rosa, casinha, panelinha. O menino é acostumado a ser agressivo, ir para a rua jogar bola, e isso vai se naturalizando na construção desses sujeitos e ocupamos o mundo de um jeito totalmente diferente dos homens. Hoje, quando olhamos para espaços de poder, no congresso, quanto por cento das legisladoras são mulheres? Os números de feminicídio têm aumentado, homens acham que têm o direito de mandar na mulher e isso se coloca desde o menino até o adulto”, explica a especialista.

A maior consequência dessa lógica social machista, para Laeticia, é a falta de acesso das mulheres a direitos básicos. “As mulheres são mais pobres, têm menos acesso à moradia digna, escolha da maternidade, (não têm) direito ao aborto seguro e legal. As mulheres são as mais pobres da sociedade num sentido não só de recursos financeiros mas de acesso a direitos”, diz ela. Questionada sobre a importância do dia 8 de março para o movimento feminista, a professora Laeticia indica que a data marca uma ação política para mobilizar a sociedade sobre os diversos temas que marcam as vidas das mulheres. 

“O 8 de março vem reafirmar que as mulheres são diversas, que temos que ir para as ruas e queremos um mundo justo a partir das mulheres para todo mundo. Ele tem uma função lúdica, de beleza, de cor, música, o feminismo ousa nas formas de diálogo, mas a sociedade reage porque as pautas são questionadoras da ordem vigente. O 8 de março é importante para confraternizar, se fortalecer e construir alternativas a partir das diferentes realidades”, explica a docente.

Ativistas pela vida das mulheres

Para entender o feminismo de forma ampla, tão importante quanto entender quais são as suas pautas e princípios é conhecer o dia a dia de quem está na militância pelos direitos das mulheres e em busca do patriarcado na sociedade, ouvindo as mulheres que participam ativamente de coletivos e movimentos sociais pautados no feminismo. Dani Portela é advogada, historiadora e foi candidata ao Governo do Estado de Pernambuco pelo PSOL nas últimas eleições. Ela conta que suas primeiras indignações começaram no ambiente familiar. 

“Quando se reuniam, a minha família se dividia. Homens de uma lado, conversando, bebendo, e as mulheres ficavam preparando a comida, o que servir, conversando sobre filhos, casa, novela, assuntos que nunca me interessaram muito. Eu era aquela menina que estava me interessando pelo assunto dos homens, que geralmente falavam em política”, diz.

Seu contato com o feminismo começou através de leituras feitas em sua adolescência e se aprofundou a partir dos 18 anos de idade, na universidade de história, ao entrar em grupos de estudo de gênero. “Começo a estudar questões de gênero, violência e poder. Fiz isso na história, na pré-história quando fui para a arqueologia e segui fazendo isso quando no futuro me tornei advogada, estudando a perspectiva da Lei Maria da Penha, pensando em outra lógica quando o feminismo busca no direito uma solução para essas desigualdades”, relembra.

Tornar-se mãe foi o que fez, segundo Dani, o seu feminismo ganhar corpo, especialmente por ter tido uma menina. “No primeiro ano da minha filha eu fiquei impactada com a quantidade de panela, vassoura, cozinha, brinquedos considerados de menina que ela recebeu”, recorda. As dificuldades enfrentadas para retornar ao trabalho após ser mãe também trouxeram uma nova perspectiva para Dani sobre as desigualdades de oportunidades. 

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Carmem Silvia Maria da Silva tem 55 anos, é educadora, socióloga e trabalha no SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia. Ela também é militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco, movimento local da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB). Sua trajetória de militante começou cedo, ainda aos 14 anos no movimento contra a carestia (inflação) e seguiu para o movimento estudantil quando ela entrou na universidade. Foi nesse momento, através de bibliografias às quais teve acesso durante seu curso, que ela começou a ter contato com as ideias feministas. 

“Só vim me reconhecer mesmo como feminista na medida em que eu tive participação ativa no movimento, que é cerca de uns 15 anos atrás, ao entrar no Fórum de Mulheres de Pernambuco e passar a atuar como feminista. Até então eu dizia ‘eu gosto do feminismo, eu compreendo o feminismo, leio sobre o feminismo’, mas quando a gente passa a atuar coletivamente no movimento como feminista, aí é que realmente a gente passa a se reconhecer. A militância no movimento feminista foi fundamental para esse reconhecimento”, conta Carmem. 

Questionada sobre as razões de muitas mulheres ainda não se reconhecerem como feministas ou terem resistência ao termo, Carmem aponta o desconhecimento e preconceitos como principais motivos. “Por muito tempo foi disseminado um preconceito contra mulheres feministas, colocadas como mulheres que querem dominar os homens, que não se cuidam no sentido de se adaptar ao padrão de beleza. Tem aumentado o número de feministas, você vê hoje muitas jovens, adolescentes feministas. Isso se deve ao crescimento do movimento, ao crescimento do debate na internet. Quando um movimento é contra o sistema, logicamente o sistema faz tudo contra ele e faz tudo para que mais mulheres não cheguem nele, enquanto a gente faz tudo para que mais mulheres se engajem nas nossas lutas”, afirma.

Na visão de Carmem, o machismo é uma atitude preconceituosa que oprime as mulheres em um sistema de dominação patriarcal, capitalista e racista. “A nós é imposto o trabalho doméstico, de cuidados, e os homens são liberados disso. No mercado de trabalho nós temos menos direitos e salários menores. A nós é imputada uma condição de vulnerabilidade na vida urbana. O Estado Brasileiro define que não podemos interromper uma gravidez indesejada, isso é um controle sobre o corpo. A violência, a divisão do trabalho, o controle sobre nosso corpo e a determinação de que mulheres não devem ocupar espaços de poder são os principais problemas aos quais nós mulheres estamos submetidas nesse sistema”, defende.

Carmem explica que, em sua visão, a definição de quais sãos as pautas mais urgentes para as mulheres depende de onde elas vivem e o que mais as afeta. Já a nível nacional, ela afirma que “a gente tem uma luta grande por mais mulheres nos espaços de poder na esfera da organização do poder de Estado e no Legislativo". "A gente tem uma luta grande pela legalização do aborto, que hoje é crime e a luta contra a violência é sempre atual”, acrescenta.

A importância de levar as ideias feministas às ruas e lutar pelas pautas coletivamente, de forma organizada, foi destacada por Carmem como sendo um meio necessário para alcançar mudanças sociais efetivas. “Feminismo não é um estado de espírito, um modo de se vestir nem é como você conversa no bar. Pode te dar uma filosofia que ajude a te definir, mas é fundamentalmente um projeto social que luta coletivamente. É importante não se deixar dominar por esse individualismo do neoliberalismo próprio do ‘cada um por si e as deusas por todas’, a gente precisa estar em movimento, lutando juntas para confrontar os poderes que causam nas nossas vidas”, acredita Carmem.

Mônica Oliveira tem 51 anos e é assessora parlamentar do mandato coletiva Juntas (PSOL) na Assembleia Legislativa de Pernambuco, bem como é assessora de finanças da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco. Sua militância começou aos 15 anos de idade, no grupo de jovens da ala progressistas da pastoral da juventude da igreja católica e no conselho de moradores do Alto de Santa Terezinha, no Recife, passando depois pelo movimento de cristãos universitários, pela filiação ao Partido dos Trabalhadores (PT) e chegando ao movimento negro. A militância feminista começou no final dos anos 90 e início dos 2000, por meio de um grupo de trabalho chamado Omnira, que é uma palavra Iorubá para mulher.

“Nos anos 70 e 80, até nos anos 90, as mulheres negras faziam grandes enfrentamentos dentro do movimento feminista clássico, porque nesse período o feminismo mantinha um discurso de que as mulheres eram todas iguais e vivenciavam as mesmas opressões. As mulheres negras afirmavam que nós não éramos iguais, porque o fato de as mulheres negras enfrentarem o patriarcado, o sexismo e as desigualdades de classe, enfrentarem também o racismo. Isso tensionava muito o movimento feminista, eram confrontos bastante difíceis que as mulheres negras enfrentavam”, conta ela. Mônica explicou que, além dos enfrentamentos dentro do feminismo, no âmbito do movimento negro também havia luta pelo reconhecimento das pautas das mulheres contra o patriarcado. 

“Esses enfrentamentos foram fundamentais para que o movimento feminista hoje se afirme como um movimento anti racista, levou alguns anos para que as mulheres negras conseguissem afirmar sua posição em torno disso. Existe uma teórica chamada Bell Hooks que dizia que o que nos une não é que nós sofremos as mesmas pressões, o que nos une é a luta contra as opressões. O que nos une enquanto mulheres, negras e brancas”, afirma.

Quando questionada sobre qual é, hoje, a situação da mulher negra brasileira, Mônica destaca os indicadores sociais que mostram, por meio de dados, que as mulheres negras são o segmento social mais marginalizado no país. “Estamos nas piores condições do ponto de vista da renda, do ponto de vista do emprego, somos maioria nas ocupações precárias, nos empregos informais, não tem direito trabalhista, não tem direito a salário digno. Ocupamos os piores índices no ponto de vista da saúde se você pega indicadores como mortalidade materna, mais de 60% são mulheres negras”, exemplifica.

Segundo Mônica, o feminismo negro tem questões que são particularmente importantes para o contexto em que vivem essas mulheres. “Sem sombra de dúvida o enfrentamento à violência contra a mulher é uma pauta fundamental para as mulheres negras, pois somos as que mais sofrem violência doméstica, feminicídio e violência sexual. As políticas de segurança públicas são uma agenda fundamental. A política de segurança do Brasil tem determinado aquilo que a gente chama de genocídio da juventude negra, a atuação policial é altamente marcada pelo racismo, isso afeta a vida das mulheres negras pois são nossos filhos, maridos, irmãos, que são assassinados. A guerra às drogas é uma pauta importante para nós pois as autoridades ao invés de desbaratar o tráfico, continuam prendendo pequenas pessoas que não têm grande significado”, destaca.

Mônica continua citando a luta contra o empobrecimento, o desemprego e desmonte dos programas sociais que, segundo ela, “afeta diretamente a população mais pobre, a população negra, e aí as mulheres são afetadas porque elas sustentam suas famílias, mais da metade das famílias sustentadas por mulheres no Brasil são sustentadas por mulheres negras”.     

Liana Cirne é advogada, professora da Faculdade de Direito do Recife, da UFPE, militante feminista e pré-candidata à vereadora do Recife. Seu processo de reconhecimento como feminista começou na infância, crescendo em uma família muito machista e começando a se indignar com situações que lhe eram negadas por ser menina. 

O primeiro contato com ideias feministas veio através de livros que ela escolhia na biblioteca que frequentava. “As pessoas tinham uma visão equivocada e preconceituosa do feminismo e por muito tempo eu era a única feminista do grupo e as outras tinham preconceito. Foi muito importante e libertador. O feminismo definiu muito quem eu sou, eu não seria quem sou nem estaria onde estou se não fosse o feminismo”, acredita.

Tornar-se militante foi um processo orgânico, segundo Liana, através de sua atuação como professora universitária. “A posição de professora nos demanda várias mãos e as alunas chegam com muitas dificuldades, seja por ser mãe, por falta de estímulo da família. Em pleno séc XXI há gente que quer que as filhas não estudem. Para muitas mulheres, estudar é um ato de insubordinação”, revela.

A militância de Liana se conectou com a política após sua participação em alguns movimentos sociais e, nessa trajetória, os direitos das mulheres são uma bandeira de reivindicação. “O feminismo me acompanha, pois como em todos os espaços em que a mulher está, o machismo impera na política. E também é um espaço privilegiado para buscar mudar isso e minar o machismo que ainda impera. Isso não é possível sem a participação de mulheres comprometidas com o feminismo interseccional. Temos que pensar em mulheres diversas. Isso vale para a professora, empregada, balconista, dona de casa, para todas”, comenta.

Os espaços de educação, em especial as universidades, são citadas por muitas mulheres como um meio através do qual o conhecimento sobre o que é o feminismo e sua importância chegou em suas vidas. Liana, que tem 23 anos de carreira como professora, enxerga a maior escolarização das mulheres e o acesso às universidades como uma ferramenta de empoderamento feminino. 

“A universidade permite que a gente se reinvente. Quando a mulher vem para a universidade em uma área que ela escolheu, tem o direito de sonhar em ser uma profissional bem sucedida, uma mulher independente. A dependência econômica muitas vezes é a principal causa de prisão da mulher a uma relação tóxica por não ter dinheiro para sair de casa, manter os filhos. Esse movimento de romper um relacionamento tóxico sem independência é muito mais difícil. Quando ela vem para a universidade, abre-se para ela a oportunidade de sonhar com um futuro melhor”, finaliza professora.

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“Preconceito todo negro sofre. Não tem esse”, diz, acostumada, a jornalista Paulla Badu. Esta é a realidade enfrentada por alguns brasileiros. A frase é o reflexo de conformismo ou forma de encarar a realidade latente, incômoda e presente, encravada na cultura, independente do motivo. Esta forma de subjugar ainda está presente na vida de muitos dos quase 98 milhões de negros brasileiros, conforme esse e outros relatos e análises apuradas pelo LeiaJa.com.       

“Fui andando pelo shopping e ao sair de uma loja ouvi o segurança dizer, através de um rádio de comunicação, ‘ela está limpa’, código para dizer que eu não havia roubado nada”. Esse foi um dia comum diante de tantos outros enfrentados durante os 28 anos da auxiliar de escritório Deise Pacheco. A baiana está entre os 50,7% da população negra e parda no Brasil – conforme levantamento do Censo 2010 - vítima de racismo velado nas atividades e ações mais comuns e rotineiras. 

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Como se não bastasse a suspeita de roubo, Deise ainda foi seguida por seguranças em duas das lojas que entrou e durante o percurso entre elas. “Na época, aos 20 anos, não fiz nada para, não prestei queixa para ‘não criar problemas’, mas fiquei irritada com o desaforo sofrido”.  

Olhares, recuos, piadas, mentiras, repúdios. O chamado racismo velado é a realidade da maioria dos negros. Seja simplesmente pela pele escura ou o cabelo cacheado, independentemente de idade ou status social.

A humilhação acontece até mesmo no endereço escolhido para viver. “Moro em um apartamento classe média. As pessoas daqui, quando me veem desarrumada no elevador, perguntam em qual andar eu trabalho de empregada. São racistas e classistas, que acham ruim tanto uma preta no elevador como uma empregada”, relata Isabella Puente, 23 anos, historiadora. 

Na área cultural, na qual muitas vezes impera a impressão de igualdade e respeito, a verdadeira face mostrada às vezes é outra. “Sou poeta e todas as vezes que há reunião de projetos culturais, existe aquela olhada para mim e me perguntam ‘ah você é músico?’. Inclusive, uma das vezes que iria submeter um projeto de pesquisa e eu comecei a falar, as pessoas comentaram ‘eu pensei que você fosse da música’. Perguntei o que tem a ver”, explica Fred Caju, 28 anos. Uma situação recorrente é a pergunta “você é percussionista?”, aludindo aos instrumentas característicos de religiões e expressões culturais de origem africana. 

Nem dentro de casa, entre a família, há isenção de ironias e preconceito. Nesse espaço é que eles vêm à tona em forma de “piadinhas”. Raphaela Leandro é negra e seu marido, branco. A filha fruto da união teve a mistura racial dos dois, com pele negra e cabelos lisos. Pelas características herdadas pela menina, a doutora em odontologia escuta frequentemente comentários como “esse cabelo daí escapou”. Ela conta que sua sogra um dia relatou um sonho como “terrível”. “Durante o sono ela teve um pesadelo e na história, minha filha tinha um cabelo ruim e que ela penteava e o cabelo dela enrolava. Ela contou que o cabelo era tão ruim, tão ruim, ‘pior do que o seu’, ela me dizia”.

O complexo panorama do preconceito racial

Piedade Marques, uma das coordenadoras da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, explica o enfrentamento aos casos recorrentes deste tipo preconceito. “O racismo tem que ser minimizado na sua atuação, recorrência e resultado. Ainda se escuta que os casos são apenas dramas e este é um problema apenas nosso e que nós temos que resolver porque não está presente na sociedade”. Ela ressalta a presença de uma mentalidade de “existência de racismo suave no Brasil em relação aos outros países”. 

A coordenadora ainda ressalta os casos em que os negros são apontados como racistas da sua própria raça. “Considerando que o racismo parte de um pressuposto de que um lado é inferior e o outro é superior, essa negação da raça é uma forma de reação, um reflexo da falta da aceitação de quem é. Se colocando do outro lado, como um branco, não se sentirá inferiorizado. Na ideia que a ‘branquitude’ é o ideal, eu me afasto da minha negritude”. 

O panorama do racismo teve avanços em alguns aspectos e retrocessos em outros, de acordo com Piedade. ”A exemplo das melhorias estão os jovens aceitando seu cabelo, seu estilo e ganhando adeptos. No entanto, o mapa da violência os jovens negros ainda aparecem como os maiores alvos”. Como melhoria a este cenário, a ativista defende o aumento dos “instrumentais de monitoramento para mostrar o que antes era escondido e hoje pode ser visto e reprimido. Quanto aos negros que não se aceitam, não cabe sermos racistas porque não somos sequer tratados como iguais pelos outros”.

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