Superação, determinação, força de vontade e garra são sinônimos e pode parecer até mesmo redundante utilizar todos esses adjetivos para definir alguém. Mas no caso de Deyvison Gonçalves, 33 anos, ainda é pouco. As mãos calejadas podem despertar curiosidade sobre qual a profissão do recifense, mas nem de longe revela o que o tatuador, paratleta e ex-professor de capoeira foi capaz de fazer ao transformar um acidente de trânsito, em exemplo de vida.
Era manhã de uma sexta-feira do ano 2013. Deyvison não pretendia ir trabalhar nesse dia, mas de última hora decidiu atender um cliente no estúdio de tatuagem no qual era proprietário. Ele não imaginava que a decisão repentina iria transformar, em questão de segundos, a sua vida. Quando de deslocava à empresa, um carro desgovernado invadiu a contramão, nas proximidades do bairro de Afogados, e se chocou na sua moto. Ele perdeu uma parte da perna direita na mesma hora. Ali, no chão, em meio ao desespero, teve que lutar pela própria vida. “Pensei que estava tudo acabado quando me vi no chão, pensei que já era e de imediato pensei em minha família”.
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Já no hospital, o estado de Deyvison era grave por ter perdido muito sangue. Teve três paradas cardíacas e pegou duas bactérias no hospital. Não morreu por muito pouco, segundo os médicos. O tatuador ficou internado durante um mês e 15 dias. Apaixonado por corrida e ao se ver sem uma das pernas, veio a depressão. Mas, tinha de reagir. Poucos meses depois, incentivado pelo amigo, voltou a tatuar, mas seria o esporte que daria a reviravolta em sua vida.
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Em julho de 2017, após participar de uma trilha, percebeu que era capaz de fazer muito mais coisas do que imaginava. Em dezembro, ele contou que brincando falou aos amigos que participaria de uma corrida e pediu para a organização separar seu kit. “Recebi uma ligação para ir pegar o kit, fui buscar sem ter muita noção do que estava acontecendo. Foram seis quilômetros correndo de muleta, que finalizei em duas horas e meia, eu não sei como consegui. Só sei quando eu vi as pessoas aplaudindo e incentivando, eu senti uma sensação única. Eu não imaginava que a corrida iria trazer uma emoção tão grande. Eu pensei então que poderia treinar e fazer muito melhor na próxima corrida”, relembrou animado.
Começaria uma nova etapa na vida de Deyvison até se tornar profissional. O trauma foi transformado em vontade de vencer. Hoje, atleta do Sport na modalidade atletismo, no qual reúne salto em altura, salto a distância, lançamento de dardo e de disco. O pernambucano é o terceiro colocado em Pernambuco em lançamento de dardo em sua categoria.
O paratleta sabe que, sozinho, nada se consegue. Nessa jornada, conta com o apoio fundamental dos treinadores Daniel Gonçalves, do Sport Club, e de Herbert, da assessoria esportiva HB Running. A rotina é puxada e precisa de disciplina e muita persistência. Pela parte da manha e tarde, Deyvison se dedica ao estúdio de tatuagem, localizado na avenida Recife. À noite, na maioria vezes, se desloca de bicicleta de sua residência, também nas mediações do estúdio, até o Colégio Santos Dumont, onde treina, no bairro de Boa Viagem.
Deyvison é, hoje, considerado uma promessa. Se antes finalizava de muleta, uma corrida de 6 km em duas horas e meia, o tempo passou para 50 minutos. Neste ano, na famosa Corrida das Pontes, ele foi o único de sua categoria a concluir a prova de 10 km.
O paratleta quer passar os próprios recordes. Na Maratona da Uninassau, que acontece no próximo dia 30, ele se prepara para correr 21 km em um tempo estimado de cinco horas. Ele diz que o foco é conseguir concluir a prova. “Essa é a minha meta. Vou concluir a prova motivada por todos que me tem como um exemplo. São muitas as pessoas que se espelham em mim”. Ele parece não ter limites. Garante que vai chegar aos 41 km e a meta, no futuro, é se tornar um ultramaratonista e também cursar a faculdade de educação física.
Júlio Gomes/LeiaJáImagens
O sonho da Prótese
Deyvison tem um sonho e luta para alcançá-lo: conseguir arrecadar o valor total para a compra de uma prótese específica para corrida de longas distâncias com encaixe externo em fibra de carbono e encaixe interno em silicone com anel móvel.
O valor no mercado desse tipo de prótese pode chegar até R$ 360 mil. Para alcançar o objetivo, ele precisa de R$ 37 mil. Para isso, foi criado uma vaquinha virtual no site www.vakinha.com.br. Uma corrida, a da superação, que será realizada no dia 28 de outubro, também será realizada em solidariedade. Todo o valor arrecadado será revertido para a compra da prótese.
Ele luta contra o tempo para adquirí-la até, no máximo, em dezembro. O objetivo: treinar com ela para atingir os índices necessários para participar do Campeonato Brasileiro Paraolímpico. Ele precisa conseguir os índices, após a adaptação que pretende conseguir em dois meses, até julho de 2019, para ser convocado. Deyvison está confiante. “Eu creio que a gente vai chegar no valor”.
Não para por aí. Também pretende chegar à Paraolimpiada, em 2020, que será realizado em Tóquio. “Depois que comecei a correr, a minha vida melhorou muito. Não vivia tão bem quanto vivo hoje. Ninguém é melhor do que ninguém, a vontade que eu tenho é de me superar, de ir além e ver todas as pessoas me incentivando e agradecendo vem alimentando o meu sonho”.
No final da entrevista, ele mostrou com orgulho as inúmeras medalhas, oito pódios e troféus que já vem conquistando. Apenas o início. “Hoje sei que nada estava perdido. Eu acho que tudo tem dois olhares, algo para ser extraído, um propósito maior, precisamos ver além. Ser cristão também me ajudou muito, a saber, qual era o meu propósito”.
Ele encoraja as pessoas. “Desistir da vida, jamais. Eu poderia ter desistido de tudo, mesmo assim não desisti porque aprendi que a vida é feita de momentos bons e ruins e hoje tenho uma visão totalmente diferente. Além disso, esse sonho já não é só meu, muitos sonham comigo. Sempre vai ter um caminho”.
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