Foi em agosto de 2015 que os primeiros sinais do aumento de microcefalia apareceram, detectados por neuropediatras. Mas foi só no início de novembro que a situação se espalhou na mídia. Na época, de agosto até novembro, Pernambuco havia registrado 141 casos da anomalia, contra apenas 12 no ano de 2014.
A crítica situação se confirmou e Pernambuco ainda hoje é o Estado com o maior número de casos. Com base no último boletim, do dia 12 de novembro, são 394 ocorrências confirmadas e 252 em investigação.
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O aumento dos casos pegou a população despreparada. O que os números mostram este ano é que a situação adiou o sonho de muitas famílias de ter um filho. Tal fato pode ser observado analisando o número de partos nos meses de agosto e setembro deste ano – quando nascem as crianças das famílias que planejavam em novembro ou dezembro do ano passado.
Em agosto, as unidades hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS) registraram o nascimento de 7947 bebês, enquanto no mesmo mês em 2015 o número estava em 9017, o que representa uma queda de 11,87%. A taxa de variação aumenta em setembro, quando foram anotados 8918 nascimentos em 2015 e 6627 em 2016, uma redução de 25,7%.
Nos anos anteriores, a quantidade de partos esteve sempre superior a oito mil. Em agosto e setembro de 2013 o número de partos ficou em 9916 e 8812, respectivamente; enquanto em 2014, ficou em 9229 e 8991, respectivamente.
Números expressivos
Segundo o obstetra Edilberto Rocha, coordenador da maternidade do Hospital Santa Joana, a unidade privada registrava aumentos anuais no número de procedimentos. Isto aconteceu no período 2012-2013, 2013-2014, 2014-2015. Porém, em 2016, houve uma redução de 55% no número de partos no período de julho a outubro deste ano em comparação ao mesmo período em 2015.
“Este é um número muito expressivo”, conta Rocha. “Desde o começo que as pacientes vêm demonstrando uma preocupação enorme tanto no consultório, quanto na maternidade. No pós-parto, por exemplo, elas demonstram uma ansiedade de saber se o bebê está bem. Isso é uma coisa que marcou muito as pacientes, elas estavam muito assustadas”, lembra o obstetra.
Rocha conta que orientou que suas pacientes evitassem ter filho no início do aumento de casos de microcefalia. “Eu orientava que aquelas pacientes que poderiam retardar, ou seja, pacientes que tinham decidido ter um bebê, mas que eram jovens, sem complicações, que provavelmente não teriam maiores problemas em uma gravidez daqui a um ou dois anos, que pensassem realmente e retardassem essa gravidez. Àquelas que tinham uma dificuldade maior para engravidar, de idade mais elevada, que realmente queriam engravidar naquele ano, falava que engravidassem, mas com a consciência do risco. Inúmeros pacientes decidiram retardar a gravidez”, explica. O coordenador da maternidade do Hospital Santa Joana conta que a queda no número de partos é global, sentido no SUS e nas unidades privadas – principalmente no Nordeste.
A representante comercial Patrícia Ramalho é uma das pessoas que decidiu adiar os planos de gerar um bebê. Ela chegou a perder uma criança em março deste ano e a biópsia não atestou a causa do óbito. Patrícia tem interesse em ter um filho, mas já decidiu que não tentará outra vez este ano. “Optei por adiar, vou esperar um período mais propício. É melhor o período de inverno, a partir de julho, agosto e setembro, porque os três primeiros meses da gestação são os mais críticos”, afirma Patrícia. A representante comercial aponta que o verão é a estação com aumento da circulação do Aedes aegypti e ela quer evitar o risco.
Na avaliação de Edilberto Rocha, a situação será restabelecida ainda no primeiro semestre de 2017. “Os obstetras estão percebendo é que nos próximos meses todos vão ter aumento no número de procedimentos. Pacientes que retardaram no passado vão ter filhos agora”. O obstetra conta que já não orienta o adiamento. “As causas eram incertas e a zika veio no momento que ninguém tinha imunidade para ela. Neste momento, muita gente já foi exposta ao vírus da zika, a tendência é que as infecções sejam menores”, conclui.
"Sou uma mãe feliz"
Apesar do medo que muitas famílias tiveram ao decidir adiar o sonho de ter um filho, as mães de crianças com a anomalia contam como essa mudança na vida delas foi importante e positiva. Elas não se abateram e viram naquele bebê a oportunidade de ver o mundo sob outra perspectiva.
É o que se percebe no discurso de Jaqueline Vieira, que atualmente é secretária do grupo União de Mães de Anjos (UMA) e mãe de Daniel Vieira, de um ano e um mês. Em 2013, Jaqueline teve câncer de útero, que se espalhou para o pulmão. Ela conseguiu superar a doença, mas o discurso era de que não poderia mais engravidar. Engravidou.
"Engravidei em janeiro de 2015, mas não sabia. Tive zika com dois meses de gravidez. Na ultrassom, com cinco meses, a médica disse que meu filho tinha hidrocefalia e que iria morrer. Entrei em desespero, fiquei louca. Com sete meses, em um novo exame, o médico disse que na verdade era microcefalia, que meu filho nasceria perfeito, apenas com a cabeça menor e algumas limitações", lembra Jaqueline. "Não fiquei triste, queria muito esse filho. Quando ele nasceu foi a maior felicidade da minha vida. Hoje eu digo que ele é um milagre porque, quando eu não podia mais engravidar, Deus me deu ele. Sou a mãe mais feliz por ter o Daniel comigo. Não vivo triste, não vegeto", conta.
A vice-presidente da UMA, Gleyse Kelly (foto à esquerda), também agradece muito a chegada de Maria Giovanna, de um ano e um mês. "Descobri a gravidez no dia do meu aniversário, 23 de março de 2015. Na hora foi um susto porque meu terceiro filho estava com cinco meses. Aos sete meses descobri que a Gigi, assim chamada por nós, viria com a microcefalia. Tinha medo que ela não resistisse e viesse a óbito, mas nunca chorei por ela ter vindo com microcefalia". Gleyse conta que se pudesse voltar no tempo teria evitado a gravidez, não pelas condições da filha, mas porque ela tinha um filho com apenas cinco meses e que ainda não consegue dar tanta atenção para ele. "Através da minha filha, hoje eu sou uma pessoa muito melhor. Ela me fez uma mulher melhor. Luto para ajudar as famílias de bebês com micro. O ato de ajudar o próximo faz de mim um ser humano muito melhor", finalizou.