Uma das fundadoras do movimento “Manguebeat”, a banda Mundo Livre S/A lançará nesta sexta (9) o primeiro single do seu próximo álbum que, segundo o próprio grupo, será “o disco mais ‘mangue’ de toda a carreira”. A música se chama “Baile Infectado” e foi a primeira vez que compuseram um arranjo de forma coletiva, mesmo que de forma remota.
O vocalista Fred Zero Quatro revelou que já tinham a base do single antes do início da pandemia e aproveitaram para utilizar o atual momento na letra.
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“Já tínhamos essa base antes da pandemia. Quando veio o convite para gravarmos, pensamos em escrever uma letra sobre a crise sanitária apavorante que estamos vivendo somada à gestão da pandemia no Brasil. A ideia era fazer uma metáfora dessa situação em que o disco foi gerado. Embora alguns governantes estivessem tentando garantir um distanciamento social para que o vírus não se alastrasse, você via todo tipo de festa clandestina e aglomeração acontecendo em todas as classes sociais”.
Inicialmente o título da música seria “Baile do Covid”, mas como 25 anos atrás o Mundo Livre S/A compôs “Baile Perfumado” para o filme homônimo, decidiram mudar para “Baile Infectado”.
O single chegará às plataformas de música através do selo Estelita e teve a produção do vocalista Fred Zero Quatro, P3dr0 Dinis e Léo D.
“Nada irá calar a nossa voz”; assim cantam grandes nomes do mainstream musical brasileiro em uma canção, recém-lançada, que narra alguns problemas sociais e desejos de prosperidade do povo brasileiro. Entretanto, em um dos momentos mais conturbados da história do Brasil, no que muitos já chamam de a maior crise política da nossa história, algumas das vozes que se ouvem nesta música, como Sandy, Thiaguinho, Maria Gadú, Michel Teló e Ivete Sangalo não costumam cantar as mazelas sociais e distúrbios do cotidiano do país.
Tendo sido a música um forte instrumento de protesto em outros cenários, como nos anos 1980 e 1990, e até mesmo durante a ditadura militar (nos idos de 1960 e 1970), o que terá enfraquecido as ondas sonoras que clamam por dias melhores, justiça social e descortinam o que de pior acontece na sociedade?
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Muitas lembranças do tempo em que as rádios e TVs disseminavam esse tipo de conteúdo tem Fred Zero Quatro, vocalista da banda Mundo Livre S.A, uma das precursoras do movimento Manguebeat. Em entrevista ao LeiaJá, o músico relembrou o que costumava ouvir naqueles anos: "Eu cresci ouvindo muito rádio e programas de televisão, musicais. Principalmente na década de 1970, foi quando comecei a ouvir mais música brasileira nas FMs. Me lembro de Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano, esse pessoal vivia nas primeiras colocações das paradas de sucesso. E olha que era um tempo que ainda existia censura, ditadura, um governo de generais".
Fred também menciona as décadas seguintes, de 1980 e 1990, quando se podia ouvir Titãs, Paralamas do Sucesso, o próprio Mundo Livre S.A. e o Planet Hemp, por exemplo, com músicas questionadoras e engajadas. "Agora, o que acontece é que hoje você tem - principalmente depois do golpe de 2016 -, um governo totalmente blindado pela mídia; deliberadamente quer promover uma alienação. Não interessa para uma mídia que manipula milhões de paneleiros para ir bater panela contra o PT, mas não faz nada contra Cunha e Temer, divulgar sons e músicas com mensagens de cunho social. Interessa manter todo mundo no 'aê e ô', 'safada isso', 'baixa cá, baixa de lá'".
Sobre a atuação da grande mídia, no que diz respeito aos conteúdos oferecidos ao público, Zero Quatro é enfático: "Quando eu falo que existe uma mentalidade política da grande mídia, eu não estou especulando, ou supondo, eu vivi isso na pele". Ele conta que em 2001, sua banda, a Mundo Livre, teve um contrato com a gravadora Deck (antiga Abril) cancelado por conta do engajamento da banda com temas sociais: "Eu tive uma reunião com a diretoria artística da gravadora que falou claramente: uma das questões pelas quais eles não queriam renovar era política.
Desde que o PT assumiu o poder, e que houve sucessivas derrotas da grande mídia para essa narrativa popular de democratização, que a censura passou a ser outra, deixou de ser uma censura prévia, de um regime autoritário, para uma censura branda, sutil, do pensamento único. Depois, com as redes sociais, é uma censura de perseguição mesmo, de tribunal do Facebook”.
‘Tipos’ de protesto
É também lembrando de uma música lançada em 2016, com grandes artistas populares cantando sobre a operação Lava Jato, que o produtor Paulo André afirma: "Esse mainstream nem tem legitimidade para falar, salvo um ou outro, mas ninguém quer um envolvimento". Em entrevista exclusiva ao LeiaJá, Paulo, criador do icônico festival Abril pro rock, indicou pontos que, segundo ele, levam a indústria musical a uma certa apatia: "Você vê, também, uma nova geração equivocada, que deleta Chico Buarque da vida. E uma vez que eles deletam alguma música, é para sempre. Eles não querem mais saber", diz, embasado na experiência de ser pai de filhos adolescentes.
Entretanto, o produtor vê com otimismo uma nova safra de artistas e grupos que vêm surgindo na atualidade. "Eu acho que tem um tipo de música que pode ser caracterizada como música de protesto, que é essa geração de cantores e cantoras, e outros gêneros, que são homossexualmente assumidos". Paulo cita nomes como Johnny Hooker, Liniker, Linn da Quebrada e As Bahias e a Cozinha Mineira.
Para o produtor, artistas que assumem sua sexualidade e levam a temática para sua arte estão batendo de frente com uma sociedade que "ainda é muito conservadora". Ele dá como exemplo a repercussão causada pelo protesto feito pelo cantor Johnny Hooker no Festival de Inverno de Garanhuns de 2018, em virtude da proibição da peça O evangelho segundo Jesus Rainha do Céu. "É uma geração que tem uma outra percepção das coisas".
Colaborando para o otimismo do produtor, está ainda a música produzida nas periferias do país, que, apesar de, em sua maioria, ficar quase que restrita às suas comunidades, encontra na internet um caminho para ser escoada. "Essa possibilidade de postar música empoderou muito as músicas das periferias do Brasil, isso não deixa de ser música de protesto também, porque é uma forma de passar por cima de todo mundo, sem precisar de gravadora, produtor, de ninguém".
Faça você mesmo
É da periferia, que surge outra voz otimista em relação ao engajamento dos novos músicos do país. Cannibal Santos, vocalista e baixista da banda Devotos, originada na comunidade do Alto José do Pinho, Zona Norte do Recife, garante não sentir falta da dita música de protesto: "O que tá rolando hoje na mídia são músicas que não têm muita preocupação com isso, mas as pessoas que eu conheço, dos grupos alternativos que sempre existiram, continuam fazendo o mesmo tipo de música", disse ao LeiaJá. Ele cita nomes como Cordel do Fogo Encantado, Mundo Livre S.A. e a própria Devotos, com trabalhos recém lançados e bastante politizados.
Para Cannibal, o que diferencia o atual cenário daquele das décadas de 1970, 1980 e 1990, por exemplo - quando se ligava o rádio e ouvia-se músicas como 'Que país é esse?' -, é a influência da grande mídia: "Hoje é uma outra gurizada que está na mídia, mas que não tem preocupação com a música nem com as letras. Mas, apesar de não serem politizados, é isso o que eles vivem. A diferença daquela época para a de hoje é que era uma geração que se espelhava em outra que foi mais revolucionária, era um povo que tava saindo da ditadura, mais aguerrido. Hoje é uma geração com uma liberdade de expressão muito forte, mas não há uma preocupação social".
Onde e como?
Sobre chegar na grande mídia, o produtor Paulo André também tem sua observação: "No Brasil, a gente ainda esbarra em alguns filtros. As pessoas comuns, que não frequentam tanto o ambiente cultural mas gostam de música, a maioria dessas pessoas ainda vai pela grande mídia, pela TV aberta, então é isso que, na minha opinião, faz (o cenário) ficar limitado".
Fred Zero Quatro compartilha pensamento semelhante: “A mídia está comprometida com a manutenção de um status quo que eu chamo, no disco novo da gente, de ‘Situação de Rico’, não é ‘jovens em situação de risco, não’, é ‘situação de rico’. O rico que eu falo é meia dúzia de proprietários de um monopólio das comunicações que mantêm a grande população escravizada por uma mensagem monolítica, em que não há espaço para o pensamento plural. É o pensamento único que comanda a grande mídia. Então, é uma questão de um público muito mais alienado hoje em dia, que não é por acaso”.
Cannibal complementa a ideia: "Tudo que a mídia propõe, praticamente, a sociedade começa a consumir e quem tá surgindo vai se baseando nisso. É uma coisa muito perigosa porque você começa a dar um direcionamento para a cultura brasileira. Quem vai nos representar em qualquer país não leva a nossa cultura real mas sim o que está na mídia. Eu acho que deveria haver abertura para todo mundo, porque eu não acredito em uma opinião só. A música no Brasil é muito imposta para as pessoas", diz o músico.
Há música e protesto
A apatia política demonstrada pelas canções que dominam as paradas de sucesso não é tudo o que o Brasil tem para mostrar. Apesar de quase sempre invisibilizados, os artistas que trazem a crítica social e o protesto existem, e resistem. Por isso, preparamos uma playlist no aplicativo Deezer com algumas canções contemporâneas que vão além de temas 'leves' como baladas e histórias fofas (ou sofridas) de amor. Confira:
Mundo Livre S/A foi uma das atrações desta sexta-feira (21) no Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), no Agreste de Pernambuco. A banda aproveitou para lançar na cidade seu DVD Mangue Bit Ao Vivo, gravado em 2014 em São Paulo, que celebra os 30 anos de carreira do grupo.
A banda aproveitou para tocar os sucessos mais antigos, "da época das garagens em Candeias", como disse Fred Zero Quatro. Entre as canções mais velhas, o grupo tocou "Computadores fazem arte", que foi regravada por Chico Science e Nação Zumbi.
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A Mundo Livre S/A também não se esquivou das mais famosas como Melô das Musas e Meu Esquema. Assim como Fred Zero Quatro não evitou puxar o "Fora Temer", entoado pelo público.
Após o show, em coletiva com a imprensa, o músico reforçou suas críticas políticas. "Houve uma alimentação de ódio ideológico, de classe, social, regional. Situação muito triste a que se chegou. Mas vamos levantar a cabeça, continuar lutando e estou muito ansioso pela próxima visita de Lula em Pernambuco", finalizou.
As caras e bocas, a ginga e a dança de rua do hip hop eram pontos importantes em sua performance. Através do conceito de diversidade, o menino que catava caranguejos no mangue para vender na feira recolocou Pernambuco no mapa. Num Recife marcado por extensos problemas sociais, Chico foi capaz de despertar o sentimento de identidade e pertencimento que há algum tempo faltava. Mais que música, o movimento representa um mecanismo de engajamento, luta pela preservação ambiental, contra a miséria e por melhores condições de vida. Nascido no dia 13 de março de 1966, o músico completaria, neste domingo (13), 50 anos.
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>> Início
Em meados de 1984, quando os passos do break, através do trabalho de Michael Jackson, tomavam o mundo, o músico integrou o "Legião Hip Hop", um dos principais grupos de dança de rua do Recife. Três anos depois, Chico forma sua primeira banda, a "Orla Orbe", quando começa a investir de verdade na carreira musical. Em seguida, passa a integrar o "Loustal", um projeto mais ousado que apostava na mistura do soul, funk e hip hop com o rock dos anos 60.
>> E ele foi com a Nação Zumbi
"Eu vim com a nação zumbi ao seu ouvido falar. Quero ver a poeira subir e muita fumaça no ar. Cheguei com meu universo e aterriso no seu pensamento. Trago as luzes dos postes nos olhos; rios e pontes no coração; Pernambuco embaixo dos pés e a mente na imensidão”. Hoje, esses versos já estão marcados na memória dos fãs da Nação Zumbi, mas até a banda ser formada ela ainda passaria por outros estágios. Chico viu de perto o bloco do Lamento Negro, em Olinda, e conheceu Gilmar Bola 8, chamando-o para tocar junto da Loustal, que a partir de então se chamaria "Chico Science e Lamento Negro". Futuramente, a banda ganharia um novo nome, passando a se chamar "Chico Science & Nação Zumbi", que entrou na estrada da música em 1991, três anos antes do grupo gravar o seu primeiro CD, intitulado "Da Lama ao Caos".
>> Primeiros CDs e auge
A parceria entre Chico Science e a Nação Zumbi rendeu dois discos que entraram para a história. O primeiro deles, "Da Lama ao Caos", foi gravado através do selo "Chaos", comandado pela Sony Music, e que lançou ainda grupos como Skank e Planet Hemp. O álbum projetou a banda no âmbito nacional. Entre as faixas de sucesso estão hits como "Rios, Pontes & Overdrives”, "A Cidade”, "A Praieira" - que fez parte da trilha sonora da novela global "Tropicaliente" -, "Samba Makossa" e "Da Lama ao Caos".
Já tocando nas rádios brasileiras, a banda também passou a participar de programas de tv em rede nacional e a solidificar o trabalho junto ao público e crítica. Depois de fazer sucesso com o trabalho de estreia, o grupo volta aos estúdios e lança mais um sucesso: "Afrociberdelia". O álbum é marcado por participações especiais, como o rapper Marcelo D2, que também já era uma das referências do período por conta do Planet Hemp, e o baiano Gilberto Gil.
Afrociberdelia também é recheado de sucessos, como "O Cidadão do Mundo", "Macô", "Manguetown", e o estrondoso "Maracatu Atômico", que ainda aparece em outros três formatos no CD.
>> Adeus e legado
O dia 2 de fevereiro de 1997 ficaria marcada na memória da música brasileira. Na noite daquele domingo, Chico faleceu após um acidente de carro, quando seguia de Olinda para a capital Recife. Ele estava sozinho no veículo ainda chegou a ser socorrido para o hospital da Restauração, mas já chegou ao local sem vida.
O enterro de Chico aconteceu um dia depois de sua morte, no Cemitério de Santa Amaro, localizado no Centro do Recife. Até hoje, o local é lembrado por fãs do músico, que sempre prestam homenagens.
Com a morte de Chico, quem assumiu o vocal da Nação Zumbi foi Jorge Du Peixe, que já era integrante da banda e tocava alfaia. Com ele, a banda já gravou outros oito CDs e dois DVDs. O músico foi entrevistado com exclusividade pelo Portal LeiaJá e contou detalhes da época em que Science fez parte da banda, suas ideias e homenagens neste ano tão especial. Confira.
Após a morte de Chico, o seu trabalho ainda é lembrado. O músico Marcelo D2, que foi um dos parceiros de Science e da Nação, chegou a colocá-lo como um dos arquitetos da música brasileira. A revista Rolling Stones, uma das mais conceituadas no universo musical em todo o mundo, elaborou, em 2008, uma lista com os 100 maiores artistas da música nacional. O pernambucano aparece em 16º lugar do ranking. Esse mesmo periódico ainda classificou os CDs “Da lama ao Caos” (1994) e “Afrociberdelia” (1996) entre os 100 melhores da música nacional.
E, se alguns se destacam por protestos e conquistas sociais, outros por realizar inovações na estética musical, Chico Science foi ambos. Saiu da vida pra fazer história. Pensando nisso, o Portal LeiaJá preparou uma reportagem especial com os grandes nomes que viveram o período áureo do movimento. Veja os detalhes na matéria de Thaísa Moraes, com produção de Rodrigo Rigaud, Madá Freitas e Thiago Graf. As imagens são de Sidney Lucena, Geo Schneider, Ednaldo Souza, Ciano Soares, e edição de JR Oliveira, Natalli Araújo e Alexandre Gomes.