O atual ciclo de baixa nos preços do petróleo pode beneficiar o Brasil no curto prazo, mas o aprofundamento dessa tendência traz ameaças, avaliam especialistas ouvidos pelo Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado. A aversão dos investidores estrangeiros ao risco, evidenciada esta semana por quedas fortes dos ativos russos e de outros emergentes, mostra que um movimento de fuga de capital poderia causar crises graves nesses mercados.
O ex-diretor do Banco Central e sócio-fundador da gestora Mauá Sekular, Luiz Fernando Figueiredo, observa que, se por um lado a queda no preço do petróleo desestabiliza a Rússia, por outro traz algum benefício para o Brasil. Como qualquer importador de petróleo, há um efeito positivo na balança comercial. Nos cálculos da Tendências Consultoria, o novo nível da commodity permitirá que o déficit na conta petróleo seja de US$ 7,7 bilhões em 2015, considerando um preço médio ao longo de todo o ano de US$ 73,50 por barril. A estimativa anterior indicava um déficit de US$ 11,3 bilhões, segundo o analista Walter de Vitto.
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O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, afirma que o petróleo e derivados mais baratos geram um impacto positivo na inflação brasileira. "O sinal [do atual ciclo de baixa do petróleo] é bastante claro para a inflação brasileira", diz. Gonçalves destaca que, mesmo que não ocorra uma transferência do preço menor para o consumidor de combustíveis, o ritmo inflacionário tende a desacelerar por conta do impacto difuso dos efeitos do petróleo. O preço da commodity influencia a nafta, as matérias-primas petroquímicas e insumos para o agronegócio e para a indústria, além de bens de consumo. "Estamos falando de um ritmo menor na inflação em uma cadeia que tem ramificações muito amplas", diz.
Para o sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), Adriano Pires, o atual ciclo de baixa no preço da commodity tende a durar cerca de quatro anos. Para o petróleo voltar à faixa de US$ 100 o barril, a economia mundial precisaria voltar a crescer de forma consistente, diz ele. Pires explica que os ciclos do setor do petróleo não têm uma duração padronizada. O último ciclo de baixa, que começou em meados dos anos 80, durou cerca de uma década.
Mesmo com a possibilidade de Europa, Ásia e Estados Unidos retomarem um crescimento mais duradouro, o setor do petróleo não será mais o mesmo, na avaliação de Pires. O atual ciclo de baixa ocorre em um momento de revisão da matriz energética mundial em razão da poluição e do aquecimento global. "Diferentemente das outras vezes, a matriz energética vai sair desse atual ciclo de baixa com uma outra cara. Teremos uma matriz menos monoenergética", diz.
No médio prazo, Pires acredita que o gás natural liquefeito (GNL) assumirá uma maior participação na matriz energética mundial. Isso vai ocorrer porque a tecnologia já esta mais difundida no mundo e também porque investimentos em novas plantas de GNL já foram feitos. "Antes do GNL, o gás natural exigia a implantação de dutos. Agora, não é mais assim. É possível exportar o gás liquefeito para qualquer lugar", diz o analista.
Ameaças
O sócio-fundador da Mauá Sekular diz que o atual movimento dos mercados torna ainda mais urgente a realização de uma política econômica assertiva e com resultados. É dessa forma, argumenta o economista, que o Brasil vai se diferenciar dos outros países afetados pelo atual movimento de muita volatilidade em todos os mercados. "Por enquanto, temos apenas promessas", diz Figueiredo.
Ele ressalta que o comportamento dos mercados hoje "não tem nada a ver com os fundamentos econômicos do Brasil". "Ninguém imagina que a taxa [básica de juros] vai ter aumentos de 100 pontos-base [como chegou a precificar o mercado nesta terça-feira]. Mas ninguém quer ficar exposto ao risco, especialmente porque é fim de ano", afirma o economista.
Marcelo Ribeiro, estrategista da Pentágono Asset Management, tem uma visão mais pessimista sobre a crise do petróleo e seu impacto para o Brasil. Para o analista, o movimento reflete fundamentos da economia global e o estouro da bolha das commodities, que vai afetar principalmente os mercados emergentes considerados mais vulneráveis, como os chamados Cinco Frágeis (Brasil, África do Sul, Indonésia, Índia e Turquia).
"A queda do petróleo não é positiva para o Brasil em nenhum aspecto. Ela leva junto outras commodities, e a economia brasileira é totalmente ligada às commodities. Além disso, a questão da balança comercial é mínima diante dos problemas que essa crise gera, sendo o principal deles o contágio financeiro, que já atinge a Rússia", comenta Ribeiro. Lembrando a crise russa de 1998, ele ressalta que hoje os mercados emergentes têm um peso muito maior na economia global, ou seja, possuem potencial elevado de causar estragos no caso de uma crise. "Existia uma tese de que as grandes reservas internacionais atuais dos emergentes os protegeriam, mas a Rússia tem mais de US$ 400 bilhões em reservas e está no olho da crise", aponta.
Ele diz que, com a crise na Rússia, o investidor estrangeiro começa a olhar outros emergentes que não estão em uma situação confortável - como é o caso do Brasil, com crescimento baixo, inflação elevada e grande déficit em conta corrente. "Acho que o investidor deve ficar preocupado mesmo. O caso da Rússia não é isolado e não tem a ver com as sanções impostas pelo Ocidente." Segundo ele, diferentemente de episódios anteriores, desta vez não são especuladores que estão derrubando os preços do petróleo, mas sim os fundamentos do mercado, em meio à recuperação lenta da economia global e a desaceleração da China.
Em relatório divulgado no início deste mês, os analistas do Deutsche Bank disseram que a queda nos preços do petróleo, aliada à alta do dólar, pode acabar prejudicando a Petrobras, que tem quase US$ 80 bilhões em dívidas em moeda estrangeira, tornando-a uma das maiores emissoras de bônus não financeiras do mundo. "Somando-se à pressão dos preços baixos do petróleo estão as recentes notícias sobre denúncias de corrupção na empresa. Isso aumenta a chance de o mercado de dívidas de alto retorno ser testado por um 'anjo caído' de US$ 80 bilhões", diz o texto.
Para a equipe do Bradesco, não há ainda uma tendência definida em relação aos mercados emergentes em geral - aqueles que não são grandes exportadores de petróleo. Os que são importadores líquidos serão beneficiados, assim como aqueles que enfrentam pressões inflacionárias. É o caso da Índia (onde as compras de petróleo representam 39,5% do total importado), do Brasil (18,2% do total importado) e da China (16,2%).
Por outro lado, os países que são dependentes das exportações de outros tipos de matérias-primas, como também é o caso do Brasil, com o minério de ferro, podem ver uma piora no comércio externo. "Isso acontece através da influência dos combustíveis em outras commodities, por meio das cadeias produtivas (o petróleo como um insumo direto ou indireto) e a distribuição (transporte), ou em função da competição com biocombustíveis", explica o relatório do Bradesco. Segundo o texto, considerando o período desde 2009, o preço do barril de petróleo Brent tem um índice de correlação de 0,75 com a soja e 0,33 com o minério de ferro, por exemplo.