As campainhas, os gritos dos compradores e os gestos dos peixeiros. A cena mítica foi repetida neste sábado, pela última vez, no leilão de Tsukiji, em Tóquio, antes do desmantelamento do maior mercado de pescado do mundo.
Após 83 anos de história, o provedor da megalópole de frutos do mar e importante ponto turístico, abandonará seus hangares gigantescos com tetos de lona, para reabrir na quinta-feira em um novo local na Baía de Tóquio.
Um duro golpe para veteranos como Hisao Ishii, que afirma compreender que o velho Tsukiji, tão acolhedor quanto insalubre, não poderia durar.
"Estou quase chorando", disse à AFP o homem de 68 anos, ex-leiloeiro que voltou ao mercado para viver este último dia.
"Hoje é um dia triste, um dia de despedida. Tsukiji tentou se manter, mas envelheceu", diz ele. "Eu vim para agradecer e dizer adeus".
Antes do amanhecer, os compradores, em botas de borracha, andavam calmamente pelo grande hangar refrigerado, onde centenas de atuns frescos ou congelados estavam alinhados.
Como de costume, manuseavam os pedaços de carne entre os dedos, inspecionando com uma lanterna as entranhas dos mastodontes do mar.
De repente, às 06h00, as campainhas quebraram o silêncio para anunciar o início do leilão, que foi seguida pela comoção do anúncio dos preços aos compradores, que estavam faziam lances com gestos.
- Jogos Olímpicos -
Esses leilões de atum tornaram-se famosos não apenas por seus rituais espetaculares, mas também porque, na prestigiada venda de Ano Novo, os preços disparam até atingirem quantias exorbitantes.
Em 2013, o recorde de 155,4 milhões de ienes (1,2 milhão de euros de acordo com a cotação atual) foi alcançado pelo restaurador Kiyoshi Kimura para um atum vermelho de 222 quilos.
A transferência do mercado para Toyosu era estudada há anos.
Os atacadistas expressaram sua preocupação quanto à resistência aos terremotos das antigas estruturas, à salubridade de um lugar infestado de ratos e o uso de amianto em alguns edifícios em estado de ruína.
Os turistas, que esperavam horas na esperança de obter um dos 120 assentos reservados para assistir ao espetáculo da venda de atum, também incomodavam os atacadistas, que viam neles um obstáculo ao seu trabalho diário.
No novo local, os sistemas de refrigeração são ultramodernos e os visitantes serão confinados em galerias especiais isoladas por vitrines.
Em 2016, a então recém-eleita governadora de Tóquio, Yuriko Koike, questionou a viabilidade do projeto por problemas de contaminação do solo em Toyosu, onde antigamente havia uma fábrica de gás, e levantou a possibilidade de reconstruir o mercado no mesmo lugar.
Por fim, o governo gastou centenas de milhões de euros na limpeza do novo local e finalmente decidiu em 2017 por Toyosu, levando em conta as consequências do atraso de novas obras tento em vista a organização dos Jogos Olímpicos de 2020.
- A 'marca Tsukiji' -
Além das peixarias, a mudança também afetará os vendedores de frutas e vegetais de Tsukiji, bem como os restaurantes e lojas que abriga.
"Eu me sinto nostálgica, pois Tsukiji foi como minha casa nos últimos 15 anos. Estamos tristes por perder a marca Tsukiji", disse à AFP o comerciante de verduras Tsukasa Kujirai, "entre a esperança e o medo" sobre o novo local.
No entanto, neste sábado, o mercado estava fervilhante, como se nada estivesse acontecendo.
Pequenos veículos circulavam pelos trilhos que cercam o mercado, enquanto no interior, os corredores de calçamento úmido, forrados de prateleiras de madeira e carrinhos lotados, estavam cheios de clientes.
Após a mudança, os hangares que abrigam os comerciantes e algumas lojas e restaurantes serão desmontados para, por enquanto, dar lugar a um depósito de transporte para os Jogos Olímpicos de 2020.
O mercado ao ar livre, que consiste em minúsculos restaurantes de sushi e barracas onde se pode encontrar de tudo, desde café a algas marinhas, será o único vestígio de Tsukiji que restará.