"Alexa, que tempo fará amanhã em Paris?" A pergunta ao assistente de voz virtual da Amazon parece banal, mas, apesar disso, é ouvida com atenção por uma equipe de analistas de dados.
Recentes revelações sobre a gigante americana colocam de novo no banco dos réus o tema dos dados pessoais espalhados na internet.
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Durante nove horas por dia, equipes da Amazon, que trabalham em todo o mundo, ouvem milhares de áudios captados por Alexa, o assistente virtual, através dos altos-falantes Echo.
Esta informação foi revelada por dois funcionários em Bucareste para a agência Bloomberg. Esses ouvintes humanos não são mencionados explicitamente nas condições de uso e venda da Amazon, que apenas mencionam gravações cujo objetivo é "melhorar a experiência".
Várias ofertas de emprego de "analista de dados" em Bucareste apareceram esta semana na plataforma online "Amazon Jobs".
Outra oferta, para ser "responsável pelo controle de qualidade", também na Romênia, diz que a Alexa "ouve milhares de pessoas todos os dias falando sobre diferentes tópicos (...) e precisa de nossa ajuda para dar sentido a esses áudios".
"Nós só registramos um número extremamente baixo de interações de um conjunto aleatório de clientes para melhorar a experiência de nossos usuários", afirmou a Amazon em um comunicado enviado à AFP.
"Os funcionários não têm acesso direto a informações que permitam identificar uma pessoa ou uma conta", acrescenta a empresa.
Na Europa, um regulamento sobre proteção de dados, em vigor desde maio, normalmente limita a quantidade de dados transmitidos e dá aos usuários a possibilidade de recuperá-los e excluí-los.
No Google e na Apple, que segundo a Bloomberg também recorrem a essas espionagens humanas, os processos aleatórios normalmente precisam impedir que qualquer informação pessoal seja transmitida nas gravações.
A Amazon propõe excluir esses arquivos, mas não menciona a possibilidade de interromper a transmissão de gravações.
"As condições gerais de uso são escritas por exércitos de advogados, destinam-se a proteger a empresa legalmente, não para informar o consumidor", adverte Caroline Lancelot-Miltgen, professora e pesquisadora da Audencia, especialista em questões de dados pessoais.
"São os consumidores que devem dizer 'chega'. Mas eles veem os benefícios imediatos destes objetos sem ter consciência dos riscos", acrescenta.
- Alternativas raras -
Ter um alto-falante conectado seria como ter um microfone em sua casa? Devemos pensar em cada palavra que falamos perto de um assistente virtual?
A princípio, não. Os objetos conectados estão configurados para serem ativados - e habilitados a gravar - apenas quando são solicitados.
Mas o assistente virtual pode confundir certos sons com a palavra-chave que o ativa.
Segundo a investigação da Bloomberg, que dá como exemplos uma mulher que canta no chuveiro ou uma criança que chora, estas gravações involuntárias não são pouco habituais.
Duas pessoas indagadas disseram, no entanto, que haviam interpretado os sons como se fossem indicação de uma agressão sexual.
"A voz é um fato biométrico, o perigo real é a usurpação da identidade através da cópia do traço vocal", diz Rand Hindi, membro do conselho nacional digital francês, e também fundador da Snips, uma empresa que propõe assistentes virtuais que funcionam sem internet.
Segundo ele, a possibilidade de constituir "um banco de dados de vozes que correspondam a todos os usuários da Amazon, fácil de confrontar com outro banco de dados externo, é um perigo real".
A controvérsia sobre o uso de dados pessoais por esses gigantes digitais deu origem a outro tipo de assistentes alternativos, como Snips, que tentam tirar proveito da desconfiança gerada pelo "GAFA" (Google, Apple, Facebook, Amazon).
A American Winston Privacy ou a Dutch Scalys sugerem, por exemplo, sistemas que fazem comunicações seguras com objetos conectados.
A empresa Smarte desenvolveu um módulo capaz de bloquear os microfones do Amazon Echo.
Essas iniciativas, no entanto, ainda são muito minoritárias contra esses gigantes: os assistentes vocais da Amazon e Google concentram mais de 60% do mercado mundial, de acordo com o gabinete da Canalys.