Um primeiro escalão com atuação mais técnica, economicamente liberal e conservador no tocante aos costumes morais. Assim se desenha o perfil do governo do futuro presidente Jair Bolsonaro (PSL), de acordo com estudiosos da ciência política ouvidos pelo LeiaJá, com base nos convocados por ele para compor a equipe ministerial a partir de janeiro de 2019.
Seguindo a promessa de reduzir o tamanho do Estado, cortando o número de ministérios de 29 para 22 - tendo a pasta do Trabalho entre as extintas -, Bolsonaro convocou sete militares, sete políticos e oito técnicos. Dentre eles, apenas duas mulheres e tendo DEM, MDB e PSL como partidos contemplados.
##RECOMENDA##“A gestão [em relação aos ministérios] terá precisamente o perfil de sua equipe, ou seja, quatro grandes áreas: terá orientação majoritariamente ‘liberal’ no que diz respeito à área econômica e aos investimentos públicos (sob a liderança de Paulo Guedes) e ‘conservadora’ no tocante aos costumes. Ainda há, nessa composição de forças, duas outras áreas relativamente autônomas, que são os militares e a área do ministério da Justiça, liderada pelo ex-juiz Sérgio Moro”, avaliou o cientista político e pesquisador do Observatório do Poder, Arthur Leandro.
Um aspecto que tem chamado a atenção na nova roupagem da Esplanada dos Ministérios imposta pelo futuro presidente com a redução das pastas, é a criação dos chamados ‘superministérios’. Um deles é o da Economia, que acomodará Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio, e será comandado pelo economista Paulo Guedes - considerado “guru” da campanha do futuro presidente.
Outro é o da Justiça e Segurança Pública, de Sérgio Moro, que é uma fusão dos dois ministérios que nomeiam o setor, mais o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a Transparência e itens do extinto Ministério do Trabalho.
A mudança, na ótica de Arthur Leandro, não deve trazer impacto nas políticas públicas operadas por cada área. Para o estudioso, o que se altera, na prática, é a relação com o presidente que, deixa de ser direta, e passa a ser subordinada ao chefe do ministério que abriga agora a pasta que perdeu o status do primeiro escalão.
“O impacto da mudança em termos de políticas públicas depende basicamente da importância do conjunto de ações ligadas ao tema, para o governo, e no total de recursos – financeiros, de pessoal, de tecnologia, de capacidade operacional, etc. – destinados ao tema. Por exemplo, as áreas de segurança pública, administração judiciária, transparência e controle de atividades financeiras não perderam poder, ou relevância para o governo, por serem remanejadas, ou estarem agrupadas em um único ministério”, considerou.
Um governo militarizado?
O cientista político também acredita que a presença maciça de militares não deve fazer com que o governo seja militarizado. “Não creio. Três dos militares ocupam pastas civis; sua nomeação [dos militares] pode ser atribuída, ao menos em parte, das características políticas da eleição do presidente, que foi eleito praticamente sem apoio dos partidos”, ressaltou.
Além de escolher como vice-presidente o general Hamilton Mourão (PRTB), o capitão da reserva indicou três generais para a Defesa (Fernando Azevedo e Silva), Secretaria de Governo (Santos Cruz) e Segurança Institucional (Augusto Heleno); e quatro integrantes das Forças Armadas para as Minas e Energia (almirante Bento Costa Lima Leite), Ciência e Tecnologia (tenente-coronel Marcos Pontes), Controladoria Geral da União (Wagner Rosário) e Infraestrutura (Tarcísio Gomes de Freitas).
Os militares juntamente com Paulo Guedes, Sérgio Moro e o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), são considerados os pilares do novo governo em que a maioria são novatos na administração pública. Fato considerado por Arthur Leandro como “marco de um novo ciclo”.
“No início dos governos que inauguram ciclos, e este é o primeiro governo depois de um ciclo de 12 anos do PT/PMDB, é comum os presidentes nomearem mais nomes politicamente próximos a si, e depois redistribuírem as pastas conforme se alterem as relações de poder no mundo político; lembremo-nos como o PT era superepresentado no primeiro governo Lula, com metade das pastas e mais de três quartos do orçamento, em 2003”, salientou.
Articulações políticas
A falta de experiência política da equipe também é somada a tese de fim do “toma lá dá cá”, tão visto nos governos, mas que Bolsonaro prometeu, na campanha, que faria diferente.
“Bolsonaro, em certa medida, cumpriu a promessa de campanha que era formar uma equipe mais técnica, apesar de que parte da equipe econômica vai precisar de apoio do Congresso para provar algumas reformas, como é o caso da Economia; o ministro Paulo Guedes vai precisar negociar com o Congresso para muita coisa ser aprovada”, ressaltou o cientista político Antônio Henrique Lucena.
“Vão precisar ser um pouco políticos também se quiserem aprovar essas demandas”, completou, fazendo referência, por exemplo, a reforma da Previdência que é um dos focos da nova administração.
Mesmo que o famoso método de troca de favores entre governo e parlamentares não seja colocado em prática, Lucena pondera que Bolsonaro terá que negociar de alguma maneira.
“De certa forma ele vai ter que barganhar alguma coisa perante a própria base. O próprio PSL está apresentando algumas divergências, ele vai precisar ter algumas ações neste sentido, de juntar a bancada e reunir alguns congressistas. Ele não vai conseguir mudar o sistema eleitoral da noite para o dia”, destrinchou Lucena.
“Talvez não queira fazer o famoso ‘toma lá dá cá’, mas vai ter que negociar de alguma forma. O primeiro escalão dá para perceber que não foi negociado, mas o segundo escalão talvez seja necessário abrir mão para ter apoio o Congresso”, acrescentou o estudioso.