Maioria da população e com recorde de candidaturas em 2020, os negros aumentaram sua participação no comando das prefeituras e no número de cadeiras nas câmaras de vereadores, segundo dados preliminares do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No domingo (15), dos mais de 5,4 mil prefeitos eleitos, aproximadamente 1,7 mil candidatos se declararam pretos ou pardos, o que corresponde a 32% do total. O número é superior a 2016, quando 29% dos candidatos eleitos eram negros segundo a classificação do IBGE.
Se os negros conseguiram um avanço de representatividade nas eleições deste ano, a proporção é ainda distante dos 56% que esse grupo representa na população brasileira e que evidencia que eles seguem sub-representados na política.
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Em 2020, pela primeira vez, os candidatos negros passaram a ser o maior grupo de postulantes a cargos eletivos no país desde que o TSE passou a coletar informações de raça, em 2014. Ao todo, 276 mil candidatos pretos ou pardos se registraram para concorrer no pleito, o equivalente a 49,9%.
Esta também foi a primeira disputa eleitoral em que os partidos tiveram que cumprir regras sobre os repasses de verbas do Fundo Eleitoral para os candidatos negros, com a destinação proporcional a esse grupo dos recursos de financiamento de campanha e do tempo de propaganda eleitoral gratuita na TV e no rádio. Mas a divisão só foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no início de outubro, após o início das campanhas eleitorais. E a prestações de contas dos partidos apenas são analisadas pela Justiça Eleitoral após a disputa.
Câmaras municipais
O aumento do número de pretos e pardos nas prefeituras parece se repetir nas câmaras de vereadores. Ainda sem dados consolidados pelo TSE, o site Gênero e Número fez um levantamento com base em informações disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral e revelou que vereadores negros ocuparão 44% das cadeiras nas câmaras municipais das capitais brasileiras a partir do próximo ano. Dos vereadores eleitos para todos os municípios em 2016, 42% eram pretos ou pardos.
Com 18 vagas, Palmas lidera a representatividade: 95% dos vereadores eleitos nas urnas se declararam negros. Na outra ponta está Florianópolis, única capital que não elegeu nenhum vereador negro nestas eleições. Também no Sul, Curitiba terá sua primeira vereadora negra da história a partir de 2021: Carol Dartora (PT), que vai ocupar uma das 38 cadeiras da Câmara Municipal. Ela comemorou sua eleição pelo Twitter:
“Queria agradecer as 8.874 pessoas que me fizeram a terceira candidatura mais votada e a primeira mulher negra eleita de Curitiba! A cidade também é nossa, e o resultado das urnas expressa a esperança da população em um projeto de uma Curitiba de todas e todos! É só o começo”, escreveu.
A eleição de quilombolas também avançou. De acordo com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), mais de 50 quilombolas foram eleitos vereadores em municípios localizados em estados como Goiás e Maranhão.
Sub-representação
O senador Paulo Paim (PT-RS) comemorou o aumento da diversidade nas eleições municipais, mas disse: ainda há muito a fazer.
“A sociedade brasileira deu um passo importante no reconhecimento da diversidade na política. O número de mulheres, de negros e de LGBTIs eleitos, neste ano de 2020, aumentou em comparação às eleições municipais de 2016. Estamos no caminho certo, mas ainda há muito por fazer”, apontou.
A opinião de Paim é compartilhada com o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que chamou a atenção para a disparidade entre o eleitorado e os eleitos.
“O perfil do eleitor brasileiro é majoritariamente de mulheres, negras, com ensino fundamental e com 37 anos. Já o perfil do prefeito eleito é: homem, branco, com ensino superior e 49 anos. Há um longo caminho pra aproximar a representação” afirmou Contarato em uma rede social.
A cientista política Nailah Neves Veleci aponta que houve um avanço qualitativo nas câmaras e prefeituras com a eleição de mulheres, e representantes negros:
“Qualitativamente tivemos avanços sim e temos muito o que comemorar, pois em municípios de capitais importantes tivemos mulheres negras, cis e trans, eleitas. Durante toda a eleição tivemos discussões sobre a desigualdade racial e o racismo na sociedade, nos partidos e no nosso sistema político e eleitoral. Tivemos a grande mídia pautando a questão racial e a sub-representação de forma mais qualificada durante essas eleições. No país do mito da democracia racial, a discussão do racismo e da sub-representação durante uma eleição é sim avanço para ser comemorado”, avaliou.
Mas Nailah observa que o perfil racial dos candidatos foi alvo de discussões durante a eleição e que ainda é cedo concluir se houve aumento de fato da representatividade.
“Foi um grande avanço a obrigatoriedade de divisão proporcional de financiamento e horário de campanha que o movimento negro conquistou este ano, tanto por trazer o debate da desigualdade racial que ocorre dentro dos partidos quanto por obrigar os partidos a preencherem o cadastro de cor/raça de seus candidatos de forma mais consciente, algo que não ocorria. Agora que olhamos com mais cuidado para as informações de cor/raça dos políticos nós temos alguns dilemas, pois tivemos muitas mudanças de declarações sobre raça da última eleição para esta, então ainda é cedo para analisarmos se teve um aumento real ou só um aumento nos números de autodeclarados”, apontou.
Racismo estrutural
Na avaliação da cientista política, a sub-representação do negro é resultado do racismo estrutural. Nailah afirma que é preciso avançar em uma reforma política eleitoral que derrube esse projeto de negação da cidadania plena dos negros no Brasil.
“O racismo estrutural está presente na formação do país e é perpetuado institucionalmente pela elite política que é branca e segue um pacto narcísico de negação do racismo. A sub-representação negra na política é um projeto do racismo e do colonialismo, enquanto não discutimos o racismo como estrutural e estruturante de toda a vida da população brasileira, enquanto continuarmos negando ou menosprezando o peso do racismo nas instituições, esse cenário não mudará. Precisamos de uma reforma eleitoral e política que não negue o racismo estrutural. Precisamos de uma educação que não negue a contribuição intelectual e política dos negros. Precisamos de uma mídia que não perpetue estereótipos racistas. De modo geral, precisamos ouvir o que o movimento negro vem denunciando a décadas”, disse.
*Da Agência Senado