Acostumado a receber prêmios pelos seus filmes, o cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho acaba de receber mais quatro honrarias no Festival de Cinema de Gramado. Os quatro Kikitos conquistados – entre eles o de melhor diretor – têm, porém, um significado diferente: foram concedidos ao primeiro longa-metragem de Kleber, O Som ao Redor. O filme já havia sido premiado em festivais internacionais e estreou no circuito brasileiro de festivais sendo extremamente bem recebido pelo público e pela crítica em Gramado. Kleber já havia recebido prêmios nacionais e internacionais por diferentes curtas-metragens, como Vinil Verde (2004), Eletrodoméstica (2005) e Recife Frio (2009).
Kleber Mendonça Filho é também jornalista e crítico de cinema, além de ser curador da programação do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco e do Festival Janela Internacional de Cinema do Recife. Em conversa exclusiva com o LeiaJá, o cineasta fala dos prêmios, da dificuldade em se exibir filmes brasileiros independentes no circuito comercial e do cenário atual da produção audiovisual pernambucana.
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Um dos prêmios do longa O Som ao Redor no Festival de Gramado foi o de melhor diretor. Como é para você receber este prêmio de um dos festivais mais representativos do Brasil já com o seu primeiro longa-metragem?
É uma honra. Houve uma reação excelente a O Som ao Redor em Gramado e esses quatro prêmios registraram isso de alguma maneira. E o prêmio de melhor diretor é bem especial porque é um prêmio de prestígio. Eu nunca espero o prêmio, na verdade, mas quando ele vem é sempre simpático e em alguns casos pode ser até importante.
Quais foram os principais desafios para conceber, filmar e finalizar O Som ao Redor?
O principal desafio é ser um filme bem grande feito com um orçamento relativamente pequeno. Claro que, para os meus padrões, é um orçamento bem grande, eu venho do curta-metragem e meu filme mais caro tinha sido Eletrodoméstica, de 2005, que custou R$ 90 mil. O longa teve um orçamento de R$ 1,8 milhão, o que pra mim é grande, mas para o filme é pequeno. O filme seria para oito semanas de gravação e a gente fez em seis, e conseguir fazer tudo sem deixar nenhuma cena foi o maior desafio. Mas depois eu entrei no meu esquema habitual de trabalho, na montagem eu tive o tempo que foi necessário, não me apressei nem ninguém me apressou. Foi um trabalho bem longo de montagem, um ano e quatro meses. O desafio foi continuar fazendo meus filmes, mas agora em outro formato, o longa-metragem.
Você já tem planos para um próximo longa-metragem?
Existem várias ideias. Ainda estou analisando o que vou fazer porque estou muito ocupado com esse filme, que está me tomando todo o tempo, com viagens, etc. E agora vem um grande desafio: lançar o filme no Brasil, que é sempre uma questão complicada porque o mercado está muito ruim. E é um filme talvez um pouco diferente do padrão, acho que essa parte vai exigir bastante trabalho. Só depois disso é que eu volto para trabalhar em cima do que já estava trabalhando.
O Som ao Redor recebeu, em Gramado, tanto o prêmio do Júri da Crítica quanto o do Júri Popular. O que você considera que há no filme para cativar tanto a crítica quanto o espectador comum, o aficionado por cinema?
Eu fiquei muito feliz com isso, porque é rara essa combinação, ou se ganha crítica ou júri popular, a combinação dos dois é mais difícil. O filme tem sido apontado como extremamente bem cuidado, bem narrado e, por falar de uma maneira muito direta sobre a vida numa cidade grande brasileira, acho que as pessoas têm se identificado muito com ele. Isso é o que eu ouvi das pessoas até na rua, que o filme é muito verdadeiro em relação à forma que a gente vive. E isso parou no extremo sul do país. Eu acho que as cidades brasileiras têm peculiaridades, mas são brasileiras, pertencem a uma mesma sociedade e, mesmo que Recife tenha peculiaridades, acho que várias questões são as mesmas em São Paulo, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre. Acho que é isso que pega as pessoas, o filme é muito brasileiro neste sentido, muito realista. E este realismo parece impactar as pessoas. Tudo isso é teoria, porque a melhor pessoa para falar é alguém que viu o filme, ou do público ou da crítica.
Pernambuco está vivendo um bom momento em volume e qualidade da sua produção cinematográfica. Ganhar quatro Kikitos em Gramado – um festival que teve problemas recentemente, mas ainda é dos mais importantes do Brasil – faz com que você se sinta representando um pouco essa produção? Ou para você não há necessariamente essa vinculação?
Já faz um tempo que há uma admiração muito grande pelo cinema pernambucano em curtas e longas-metragens. Podemos voltar a 1996, quando O Baile Perfumado estava no Festival de Brasília. Ali talvez tenha sido o início dessa nova fase. Claro que, de lá pra cá, nós não tivemos – principalmente no norte-nordeste – filmes todos os anos, mas se você olhar para 1996, vê que é o início de uma curva ascendente. Na década passada a curva foi ficando mais acentuada com uma série de filmes como O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas, Amarelo Manga, Cinema, Aspirinas e Urubus, Arido movie, meus curtas Vinil Verde, Eletrodoméstica, Recife Frio, os curtas de Camilo Cavalcanti, o pessoal da Símio Filmes começou a fazer seus filmes, os curtas de Tião, da Trincheira Filmes, o Praça Walt Disney, o Super Barroco, o Viajo porque Preciso Volto porque Te Amo, são todos filmes que, juntos, fazem uma massa de produção muito interessante no recife.
Então a gente chega em 2012 com O Som ao Redor, que estreou em Roterdã; em Cannes, na Quinzena dos Realizadores, teve Porcos Raivosos, de Leonardo Sette; agora em Locarno teve o Boa Sorte Meu Amor, de Daniel Aragão. No Festival de Brasília tem sete filmes pernambucanos, quatro longas e três curtas. Talvez 2012 seja o ponto mais alto desta curva ascendente. E é claro que eu faço parte disso, todo mundo faz parte disso e é incrível o que está acontecendo, mas é porque de fato existe um reservatório de talentos aqui e, para completar, estes talentos estão sendo incentivados pelo governo. É uma combinação incrível e está todo mundo falando disso, em Gramado se falava muito disso, é realmente notável este momento histórico. E daqui a um mês, quando o Festival de Brasília estiver rolando, acho que vai se falar muito mais disso. Além do mais, os filmes se comunicam entre si, embora sejam muito diferentes, são filmes que se dão os braços tematicamente e falam de coisas muito próximas. A coisa só faz melhorar porque não são só filmes atirando a esmo, mas obras que compartilham uma certa visão de mundo. Então é um momento muito particular, que vai ser muito estudado, tenho certeza, porque estamos muito dentro dele agora, mas quando as pessoas começarem a ligar os pontos vão ter estudos, matérias sobre isso, tenho certeza.
E o cinema pernambucano tem cativado o público, O Som ao redor teve uma sessão concorrida em Gramado...
Existem maneiras diferentes de medir o sucesso no cinema. Uma coisa que eu acho muito interessante no cinema pernambucano é que ninguém aqui tem a pretensão de fazer um sucesso de bilheteria. Os filmes são muito pessoais, não têm concessões. Vejo muitos projetos daqui que participam do edital da Fundarpe (Funcultura) e não conheço nenhum projeto que tenha intenção de ser um sucesso de bilheteria, usar um ator da Globo ou ter a Globo Filmes distribuindo ou divulgando o filme. São filmes muitos pessoais e autorais, os cineastas querem simplesmente fazer um filme. Eu acho que essa é a melhor receita para o sucesso, porque quando você começa a planejar e arquitetar um sucesso, ele muito provavelmente não vai acontecer. Esses filmes acontecem numa esfera de festivais importantes, da crítica, e essa é uma maneira de medir o sucesso. Se as pessoas usam o formato da bilheteria para medir o sucesso do cinema pernambucano eu diria que não é um cinema bem-sucedido, mas ainda bem que esse não é o padrão aplicado aqui, então para mim nem vale isso. Sobre essa aceitação de O Som ao Redor em Gramado, talvez seja cedo para afirmar que eu tenho um filme popular nas mãos, porque o mercado separa de maneira muito fácil o perfil dos filmes, só poderia chamar o filme de sucesso popular daqui a uns seis meses, depois de ele ser lançado – se ele for. O cinema pernambucano chama e atrai muita atenção, mas eu ainda seria conservador para afirmar que é um cinema popular. Dez anos atrás Amarelo Manga fez 150 mil espectadores, o que foi excelente, mas eu não sei se ele faria hoje porque o mercado mudou muito.
O que precisa acontecer para se romper essa barreira do mercado e fazer com que esses filmes, que são bem vistos, ganham festivais, possam se integrar ao circuito comercial e passem a ser parte deste universo também?
É muito difícil responder essa pergunta, porque o mercado está na mão dos exibidores, que cobram ingressos muito caros e têm estruturas bem dispendiosas, então querem sempre filmes de sucesso. E os filmes de sucesso geralmente são filmes brasileiros divulgados pela Globo ou filmes americanos que já vêm com todos os carimbos de Hollywood. Os filmes brasileiros pequenos, em geral, não têm nenhuma oportunidade de acontecer, então é uma situação realmente difícil. Em linhas bem gerais esse é o cenário atual, que é meio deprimente. Talvez os filmes pequenos brasileiros estejam com o perfil um pouco para baixo ou talvez apenas estejam sendo relegados a um espaço menor, é muito complexa a situação. O mercado está extremamente viciado, antes mesmo de O Som ao Redor ter sido visto por seja lá quem fosse no Brasil, vários distribuidores já o encaixaram neste escaninho do “um filme brasileiro que ninguém vai ver”, e eles nem tinham visto, estão tão viciados que já colocam o filme dentro de uma caixa antes de vê-lo. Espero que agora, com essa repercussão e depois de alguém ter de fato visto o filme, ele tenha uma oportunidade melhor do que a que o mercado normalmente daria para ele.