ESPECIAL/NÃOPUBLICAR-Rua do Hospício, Rua da Aurora, Avenida Dantas Barreto. As ruas do centro do Recife já integraram o itinerário cultural da cidade, levando a cinemas, teatros, museus e áreas de convivência onde os recifenses, e os turistas, podiam encontrar diversão, entretenimento e cultura. Porém, não mais. Os endereços mais tradicionais do coração da metrópole estão relegados ao esquecimento, com equipamentos culturais fechados, ou funcionando precariamente. Em consequência, com o público ausente, é cada vez mais difícil encontrar diversão e cultura na capital pernambucana, desde o bairro da Boa Vista até o Bairro de Santo Antônio.
Talvez o exemplo mais notável desta triste realidade seja o Teatro do Parque. Localizado na Boa vista, mais precisamente, na Rua do Hospício, o lugar chegou a ser um dos palcos mais célebres da cultura no Recife e um verdadeiro centro cultural que agregava as mais diversas artes. Inaugurado em 1916, o Cineteatro do Parque, durante sua trajetória, recebeu grandes artistas e espetáculos, além de projetos como o Pixinguinha; Seis e Meia; Todos verão teatro; e sessões de cinema a R$ 1. Pessoas de todas as idades frequentavam o espaço que garantia diversão e dava vida àquela área do centro.
Mas, em 2010, o Parque foi fechado para reformas que não aconteceram até hoje. Durante estes oito anos de fechamento, o espaço foi se deteriorando cada vez mais. Atualmente, até a placa que sinalizava a reforma do equipamento cultural está toda desbotada, acompanhando as grades enferrujadas e vitrines quebradas na fachada do prédio.
O ator e produtor Oséas Borba tem acompanhado o calvário do Parque desde o fim de sua operação. Integrante de movimentos como o Guerrilha Cultural, OcuParque, ReExiste Teatro do Parque e Virada Cultural, ele tem lutado pela recuperação do espaço desde 2010: "O Teatro do Parque é um teatro chave na cidade do Recife. Além da localização geográfica, ele é um dos poucos teatros que envolve todas as artes, porque ele era um cineteatro, tinha festivais de dança, exposições, o cinema, grandes shows, peças de teatro, musicais; então é um teatro que faz muita falta. Sem contar que o entorno do Parque também foi ficando abandonado. Muitos bares e comércios ali na região fecharam.", lamenta o ator.
Em 2015, a Prefeitura do Recife (PCR), por meio de licitação, realizou um contrato de reforma do prédio mas, alegando um cenário de crise, paralisou as obras pouco depois de seu início. Agora, nova licitação foi feita e a empresa MultiCon Engenharia foi a escolhida para retomar os trabalhos de revitalização do Parque. A PCR, através de sua assessoria, informou, na última quinta (26), que "os próximos dias serão de preparação e mobilização para retomada das obras de reforma e restauro da edificação. O valor total para a continuidade dessa etapa é de R$ 5.652.904,38."
Ainda através da assessoria, a PCR explicou que a reforma do teatro do Parque é "uma obra delicada" e que "exigiu cuidadosos estudos preliminares, feitos pela equipe técnica do gabinete de Projetos Especiais". Apesar das aparentes dificuldades inerentes à reforma, o órgão informou que a obra está prestes a começar e deve durar cerca de 12 meses: "Dada a complexidade do trabalho, que será iniciado no mês de maio, a finalização das obras deverá acontecer no prazo de aproximadamente um ano."
Para Oséas, o momento é de ficar atento a esta nova promessa do poder municipal: " A gente fica na expectativa e no aguardo para fiscalizar essa obra, até porque não é a primeira vez que a Prefeitura publica no Diário Oficial uma empresa para iniciar a reforma. Em 2015 começou-se a obra e foi paralisada. E quando eles pararam, negaram que estava parada quando já estava. Na véspera do aniversário do teatro, em agosto de 2015, eles chegaram a colocar funcionários lá dentro para dizer que a obra continuava funcionando. Espero que dessa vez eles realmente cumpram a promessa e deem prosseguimento à obra."
Pouco mais adiante, na Rua da Aurora, outro equipamento cultural acumula anos de fechamento e abandono. O Museu da Imagem e do Som de Pernambuco, o Mispe, antes um local de pesquisa e mergulho na cultura da música e artes visuais, hoje se resume a um sobrado lacrado com tapumes e caindo aos pedaços. Houve uma promessa de reabertura do lugar em 2014, porém esta se perdeu no tempo e continua sem explicação sobre não ter vingado. Atualmente, o acervo do Mispe está disponível apenas para pesquisadores em uma sala da Casa da Cultura.
A presidente da Fundarpe, Márcia Souto, afirmou, em entrevista ao LeiaJá, já haver um projeto concluído para a requalificação do Mispe e que este depende, apenas, de captação de recursos para poder iniciar. "A gente fechou o projeto para este imóvel da Rua da Aurora, orçamos e abrimos para captação do recurso. Ele prevê área de formação,acesso ao acervo, salas de consulta, auditório. Mas é um projeto caro, R$ 4 milhões só a parte física da obra. Conseguimos captar uma parte, R$ 1,300 mil e já estamos negociando com a Caixa o restante da captação para podermos abrir uma licitação. Já está bem encaminhado.", afirmou. Com um projeto grandioso a depender de verba e licitações, é impossível estimar quando o Mispe retornará ao seu funcionamento.
Até lá, existe um outro projeto, o de abrir uma unidade do museu na Casa de Capiba, desapropriada pelo Governo de Pernambuco em outubro de 2017. O imóvel, localizado no bairro do Espinheiro, Zona Norte da cidade, deve virar um equipamento cultural após votação favorável do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural. "É uma unidade que a gente já pode ir adiantado", assegurou Márcia. O projeto, no entanto, também não tem previsão de entrega à população.
Ainda na Rua da Aurora, outro prédio tradicionalíssimo do centro do Recife abriga o não menos tradicional Cinema São Luiz. Inaugurada em 1952, a sala de exibição mais famosa e concorrida do centro já foi lugar de entretenimento para diversas gerações além de ter recebido importantes festivais, inclusive, a nível internacional.
Em 2015, o São Luiz recebeu um aporte de R$ 1, 2 milhões para que seu maquinário fosse digitalizado e, assim, ficasse em condições de receber as novas produções da indústria cinematográfica. O moderno sistema de projeção e som contava com projetor digital 4k, 3D e som Dolby 7.1. Porém, o que deveria ser um ganho para o cinema acabou transformando-se em martírio pois o equipamento, que constantemente tem quebrado, é de difícil e dispendiosa manutenção. Só para ter ideia, na cidade do Recife não é possível encontrar peças para o conserto deste maquinário e a sala acaba sendo fechada para que técnicos e peças de fora possam ser solicitados.
É o que está acontecendo desde novembro de 2017. De lá até este mês de maio, o São Luiz permaneceu mais tempo fechado do que aberto. Em novembro, o festival Janela Internacional de Cinema por pouco não aconteceu no cinema do centro por conta de problemas técnicos como este e a equipe do evento precisou intervir para solucionar a dificuldade. À época, o realizador do festival, Kléber Mendonça, falou ao LeiaJá sobre o ocorrido: "Até quarta a gente estava com medo de não ter projetor pro Janela. Essa equipe milagrosa daqui faz um excelente trabalho mas a gente precisa de mais estrutura. Esse problema foi um bom alerta para que o governo tenha uma estrutura melhor pro São Luiz funcionar".
O público, muitas vezes pego de surpresa, fica sem entender o abre e fecha contínuo do São Luiz. Até porque, nestes últimos meses em que não funcionou, nenhum aviso foi afixado na porta do cinema, ou publicado em suas redes sociais. No entanto, a presidente da Fundarpe, Márcia Souto, explicou que, neste meio tempo foram feitos os reparos nas placas do projetor e, em seguida, foi preciso fazer uma manutenção no ar condicionado da sala. Os serviços já estão em finalização e uma possível data de reabertura do cinema foi estimada: "A previsão é que por volta do dia 10 de maio, no máximo, deve estar abrindo. A ideia deles (equipe técnica) é liberar o cinema antes do dia 7 de maio." A presidente não soube informar o motivo pela ausência de informativos sobre o não funcionamento do São Luiz.
Do outro lado da ponte Duarte Coelho, chegando ao bairro de Santo Antônio, outro espaço, antes de convivência, turismo e lazer, sofre paras manter-se vivo no cotidiano dos recifenses e visitantes. O Pátio de São Pedro, largo com alguns equipamentos culturais, restaurantes, bares, que costumava ser palco para eventos, como festas e shows, já não figura mais entre os destinos mais procurados daqueles em busca de diversão. Alguns destes equipamentos, como o Museu de Arte Popular, o Centro de Design do Recife e o Mamam no Pátio, seguem em uma manutenção eterna, os demais - o Núcleo de Cultura Afro, o Memorial Chico Science e Memorial Luiz Gonzaga e o anexo da Casa do Carnaval -, estão de portas abertas, mas com pouca sinalização.
Procurada pelo LeiaJá, a Prefeitura do Recife afirmou que “o diagnóstico dos equipamentos já foi concluído e algumas intervenções e ações estão programadas”. Segundo o órgão, “o momento é de captação de recursos” e, portanto, é impossível estimar prazos e datas para a volta do funcionamento dos equipamentos fechados. Questionada, também, sobre reuniões e planejamentos em busca de uma nova ocupação para o Pátio, hoje usado quase que exclusivamente nos ciclos festivos como Carnaval, São João e Natal, informadas, em setembro de 2017, pelo Secretário Execuitivo de Cultura, Eduardo Vasconcelos, a PCR não deu resposta.
Mesmo assim, ainda há quem não desista do Pátio de São Pedro. Como os integrantes do Pátio Criativo, coletivo que, na casa 52 do largo, oferece brechó, oficinas de arte e eventos; o produtor da tradicional Terça Negra Demir Favela, que após bastante insistência conseguiu retomar o evento, ainda que somente uma vez ao mês; e o chef Thiago das Chagas que, sem temer o clima e abandono do lugar, abriu um novo restaurante no pátio, o Restaurante São Pedro, há cerca de um mês.
Uma “ousadia”, como o próprio chef coloca. Para ele, estar no Pátio de São Pedro é uma forma de se aproximar da essência do Recife e dos recifenses, além de poder estar mais perto dos produtos que compõem seu menu. A ideia é “fazer uma cozinha urbana, com a cara da cidade”: “Pra quem, é cozinheiro,o que dá mais satisfação é de fazer uma cozinha relacionada com os produtos da sua região, com a facilidade de acesso aos produtos. Compro os insumos do Mercado de São José, compro o camarão de bacia da esquina.”, diz Thiago.
Ele assumiu o risco de tentar um novo negócio em um local em processo de degradação, e não foi por acaso: “O Pátio, de certa forma, era a praça de alimentação do recifense. Antes dos shoppings, todo mundo ia beber e almoçar lá. O Pátio tem cinco restaurantes tradicionais, hoje em dia a maioria está penando para se manter vivo. A principal motivação também é de fazer um processo de mudança ali no centro da cidade. Não só o Pátio, como o seu entorno, está todo degradado, é uma cracolândia.”.
O chef contou, também, sobre projetos que ele, junto a outros apaixonados pelo Pátio de São Pedro, e órgãos como o Sebrae estão planejando. São ações pensadas em diversas frentes como música, festival gastronômico e jantares dançantes, que devem compor um cronograma para preencher 12 meses do ano. “São iniciativas que a gente está tocando do ponto de vista privado que talvez revigore, de certa forma, o Pátio, sem depender da iniciativa pública”.
*Fotos: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens