Quando recebe queixas sobre inflação, desemprego, recessão e tarifaço, o presidente Mauricio Macri se coloca no lugar de um piloto que evitou que o avião Argentina caísse, mas que segue voando sem instrumentos. Entre o grupo crescente de passageiros angustiados com as manobras e em dúvida sobre um pouso seguro está a família do pedreiro Eder Uribe.
Aos 33 anos, esse morador de uma das enlameadas ruas de um loteamento na área rural de Moreno, cidade de 150 mil habitantes na Grande Buenos Aires, enfrenta sua maior turbulência. São oito meses sem emprego e uma filha de quatro meses para criar. "Fiquei em pânico quando me colocaram na rua, porque a Caroline estava para nascer", lembra, enquanto mostra a casa que parou de erguer em um terreno de 10 por 35 metros comprado "sem papéis, mas de alguém de confiança".
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Uribe é um dos 62 mil operários do setor de construção atingidos pelo congelamento de obras públicas em razão da troca de governo. Desde janeiro, a atividade no setor só cai. Houve um recuo acumulado de 12,4% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2015.
Mariano Lamothe, gerente de análise econômica da consultoria Abeceb, explica que todas as licitações ficaram paradas até maio, quando só as existentes e auditadas foram liberadas. "As novas só foram autorizadas em julho, o que explica os números ruins", avalia Lamothe.
Macri é criticado pela demora na retomada dos investimentos em infraestrutura, um dos fatores para a recessão (a previsão é de que o PIB recue de 0,8% a 1,5% neste ano). Sua equipe argumenta que é preciso revisar contratos de obras, bem como a distribuição de empregos públicos com finalidade política.
Os indícios mais claros de corrupção envolvem concessões a empreiteiros, que teriam retribuído alugando quartos em hotéis da família da ex-presidente Cristina Kirchner que nunca foram ocupados. Outro caso emblemático foi o do flagrante em junho a um do chefes do setor, o kirchnerista José López, tentando esconder US$ 9 milhões em um convento. A justificativa de buscar lisura no setor não convence Eder Uribe.
"Só sei que no governo anterior nunca faltou emprego", reclama o pedreiro, que ajudava a erguer um hospital quando foi despedido, com todos os funcionários da empresa na qual esteve durante quatro anos. Desde então, ele faz raros bicos assentando azulejos ou levantando paredes em casas. Terminou de fechar o primeiro piso da própria residência, onde uma TV de plasma destoa das paredes e do piso sem acabamento.
Como fica com a família a maior parte do dia esperando que o sindicato ligue com uma oferta, ele participa das atividades domésticas. Uma de suas obsessões é evitar que alguém adoeça. Já são mais de cem dias sem que a temperatura supere 20ºC e, nos descampados de Moreno, a 50 km de Buenos Aires, a umidade acentua a sensação de frio. É a razão pela qual não usa sua moto para levar a filha mais velha, Yoseli, de 5 anos, à pré-escola na cidade.
Ainda é noite quando os dois saem para 15 minutos a pé e outros 20 minutos de ônibus. "Não é hora de ficar doente.
Aqui em casa já deixamos de jantar e tomamos só um chazinho. Precisamos saber até onde vai o dinheiro", afirma.
Como operário contratado com carteira assinada, Uribe ganhava 3.800 pesos (R$ 810) por mês, em 9 horas diárias. O seguro desemprego lhe garantirá 1.600 pesos (R$ 341) até dezembro. Se continuar sem algo fixo, precisará recorrer ao programa social que garante benefícios aos que mantêm filhos na escola. "Muita gente prefere não trabalhar para se beneficiar disso, e não acho correto. Mas não vou ter alternativa", lamenta.
Uribe está cético. Durante o primeiro semestre, ouviu do governo que na segunda metade do ano a economia melhoraria. Em 1º de julho, a inflação interanual superava 40% - ante uma meta inicial de 25% para 2016 - e não havia perspectiva para retomada no crescimento. Até a imprensa favorável ao governo ironizou o fracasso da previsão.
A despeito do otimismo externo e das demonstrações de apoio de líderes mundiais à abertura econômica promovida por Macri, internamente, pessimistas como Uribe estão em crescimento. Pesquisa da Management & Fit, instituto rigoroso com o kirchnerismo, mostra que 46% dos argentinos imaginam um cenário econômico pior nos próximos meses. Eram 42% há um mês.
Protestos que começaram o ano dominados pela militância kirchnerista, contra a redução do funcionalismo, ganharam a adesão de eleitores de Macri. Isso ocorreu principalmente quando contas de luz, gás e energia começaram a chegar com aumentos de mais de dez vezes - sem melhora no serviço - e o efeito cascata sobre a inflação levou carnívoros a abolir hábitos como o churrasco, algo que a mulher de Uribe não perdoa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.