Os franceses estão divididos entre a liberdade de expressão e a condenação de um "excesso", após a publicação de caricaturas de Maomé por um jornal semanal satírico, em um contexto de violência no mundo provocado por um filme ofensivo ao Islã. Depois da distribuição do último número da Charlie Hebdo, a reação foi imediata, com medidas de segurança e apelos por calma.
Temendo manifestações, enquanto no restante do mundo o filme "A inocência dos muçulmanos" causou protestos mortais, as autoridades decidiram fechar suas embaixadas, escolas e instituições culturais na sexta-feira em doze países e proibiu protestos em Paris no sábado diante da representação diplomática americana.
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Já o reitor da Grande Mesquita de Paris, Boubakeur, anunciou para sexta-feira, o dia da grande oração semanal, "a leitura de uma mensagem de paz" nas mesquitas. Enquanto o Conselho Francês do Culto Muçulmano (CFCM, que representa essa religião nos órgãos públicos) pediu "para não ceder à provocação".
Na rua, a revista Charlie Hebdo, que publicou uma dúzia de desenhos retratando fundamentalistas muçulmanos e onde Maomé é representado duas vezes nu, teve seus exemplares esgotados em algumas bancas nesta quarta-feira, enquanto em outras, eles foram rasgados. As caricaturas suscitaram um acirrado debate na França sobre qual é o limite da liberdade de imprensa diante da responsabilidade.
Desde terça-feira, o governo socialista reitera que a liberdade de expressão é um "direito fundamental" (Manuel Valls, ministro do Interior), ao mesmo tempo que desaprova "qualquer excesso" (Jean-Marc Ayrault, primeiro-ministro) e "provocação" (Laurent Fabius, chefe da diplomacia).
O posicionamento foi "tímido", segundo o editorial do jornal La République des Pyrénées, e que permeia toda a sociedade em um país dedicado à liberdade de imprensa (adquirida em 1881), mas também "provavelmente um pouco paranoico", de acordo com a Nova República do Centro, outro jornal regional.
À direita, o ex-primeiro-ministro François Fillon defende "a liberdade de expressão e pensa que não devemos ceder um centímetro de terra nesse âmbito", mas seu ex-ministro Rama Yade denuncia "manchetes exageradas com o objetivo de provocação".
O mesmo debate toma conta das redes sociais. "Eu odeio a Charlie Hebdo, mas luto pela liberdade de expressão. Esta é uma República Democrática", escreveu um internauta no Twitter. "Existe a liberdade de expressão. Charlie Hebdo, você acabou de inventar a liberdade de ser estúpido!", respondeu um outro.
Na França, onde a separação entre Estado e Igreja data de 1905, o anticlericalismo e a veia cartunista são cultivados há mais um século, lembram os especialistas. "Podemos blasfemar o tanto quanto quisermos todas as religiões. No contexto atual, o que a Charlie Hebdo fez é provocativo, mas é sua função dizer que em um Estado laico e republicano temos o direito de zombar de tudo que é sagrado", considera o historiador da imprensa na Sorbonne, Patrick Eveno.
"Se começarmos a dizer, porque há 250 agitados que protestam em frente à embaixada dos Estados Unidos, que devemos adiar ou não publicar os desenhos, isso significa que são eles que fazem a lei França", argumentou o editor do jornal, o desenhista Charb.
Sim, mas, respondem os outros, "a liberdade de expressão encontra um limite na violência simbólica que inflige aos outros", ressalta o cientista político Philippe Braud.
A reprodução de caricaturas de Maomé em um jornal dinamarquês em 2005 desencadeou uma onda de fúria no mundo muçulmano e em novembro de 2011 a Charlie Hebdo foi vítima de um incêndio criminoso após a publicação de uma série rebatizada de "Sharia hebdo", com representações do profeta muçulmano.
Em seu editorial desta quarta-feira, o jornal Le Monde levanta a questão: "Fundamentalismo: devemos jogar lenha na fogueira?"
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