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Trabalho remoto, aulas on-line, mais tempo em casa com a família. A pandemia do novo coronavírus provocou uma nova dinâmica na vida das famílias brasileiras no último ano.
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Os protocolos sanitários para conter a disseminação da covid-19 determinam que as pessoas mantenham isolamento domiciliar e social. Por isso, uma parte dos brasileiros passou a ficar mais tempo em casa com a família.
A psicóloga Gabriela Araújo conta que os vínculos familiares aumentaram durante o período de isolamento, já que as pessoas passaram a ficar muito mais tempo em casa. “É realmente visível que os vínculos dentro de algumas famílias aumentaram durante esse período, visto que antes do isolamento muitas pessoas passavam mais tempo fora de casa, com seus afazeres, e se encontravam apenas pela parte da manhã ou da noite. Com o home office e isolamento social, os momentos de interação e conexão se tornaram mais frequentes, possibilitando o fortalecimento do vínculo”, assinala.
Com o isolamento social, a relação de Brenda Cristina da Silva, 35, com os filhos Ágatha Cristina da Silva, 10, e Yuri Gabriel da Silva, 12, se tornou mais forte devido à convivência. A ajudante de cozinha conta que passar muito tempo em casa deixava as crianças estressadas e ansiosas e percebeu a necessidade de criar um momento de distração. “Passamos a ficar mais tempo juntos. Nos divertimos juntos; temos um momento cinema, para ver filmes e comer pipoca”, diz.
Brenda fala que passou a prestar mais atenção nas emoções dos filhos e a respeitar esses sentimentos. “Foi importante perceber essas emoções porque eles estão passando por uma fase de transição, da infância para a adolescência. Então, é comum que haja mudanças constantes no humor deles e reprimir não iria fazer bem a eles”, relata.
Além da relação de mãe e filho, ela diz que as crianças passaram a conviver melhor e que foi uma coisa boa. “Espero que no pós-pandemia possamos nos fortalecer mais e mais, que possamos sempre estar tirando um tempo para valorizar a família e se fazendo presente um na vida do outro”, afirma.
Mudanças significativas
A professora do ensino infantil Mônica Campos, 30, fala que, por imaginar que não demoraria tanto para a vida voltar ao normal, o início da pandemia foi mais tranquilo. “Encaramos como férias inicialmente e saímos totalmente da rotina. Mas à medida que o tempo foi passando e o home office entrou em nossas rotinas tudo mudou. Tivemos que tentar retornar à rotina para dar conta de tudo, o que acarretou um maior estresse, mesmo a relação familiar estando mais fortalecida com tanto tempo passando juntos”, relata Mônica.
A relação de Mônica com o filho Théo Protázio, 2, teve mudanças significativas. “Ele já estava bem habituado a ficar longe no período em que eu estava fora trabalhando. Ele tinha iniciado a escola no início de 2020 e tinha sido bem tranquilo, mas depois desse tempo em casa senti que ele ficou me solicitando muito mais. Ele aprendeu muitas coisas e já era bem independente, mas ainda assim solicita o tempo todo minha presença, mesmo que seja só para estar junto”, relata.
Mônica conta que, sem a escola, criou atividades diversas para preencher o dia dele, para brincarem juntos, considerando que normalmente, por conta do trabalho, era raro terem esses momentos. “Começamos a procurar horários alternativos em espaços públicos - horários e dias para fugir das aglomerações - para que ele corra e ande de bicicleta. Investi também em materiais de pintura e livros para os dias de chuva ou em que não conseguíamos fazer uma brincadeira externa”, continua.
A professora diz ainda que pretende continuar com o hábito de sair para pegar um ar. “A rotina cansativa era a desculpa que eu tinha para não sair de casa. E depois de tanto tempo sem poder sair de casa, percebi o quanto isso é importante. Ver ele se sentindo livre para brincar e correr nas praças, nos parques, isso tudo só me faz querer que essa pandemia acabe logo”, relata.
O filho de Mônica está prestes a completar 3 anos e já consegue expor muitos dos seus sentimentos, como a raiva e a frustração. “Converso muito com meu esposo, para ajudarmos ele a entender o que está sentindo. Sempre que ele fica frustrado por alguma coisa que não pode fazer eu tento intervir, nomeando o que eu acho que ele está sentindo e buscando uma alternativa para desviar o foco. Na maioria das vezes dá certo. Senti que mesmo pequeno ele já fala sobre estar triste ou feliz e percebo o quanto a educação emocional tem que vir de quando pensamos que eles ainda nem entendem, e que precisamos acolher sempre”, comenta.
Além da relação com o filho, Mônica teve a oportunidade de entender alguns comportamentos de sua própria mãe neste período em que passaram grande parte do isolamento juntas, o que contribuiu para aumentar a cumplicidade entre elas. “A tarefa de ser mãe e cuidar do lar é exaustiva e muitas vezes solitária. Meus pais tiveram covid-19 e precisaram de internação. Na volta deles para casa, bem debilitados, o papel se inverteu e eles tornaram-se meus filhos. Eles preocupados por estarem dando trabalho e eu extremamente agradecida por tê-los aqui comigo com vida. Sempre dei um valor imenso para minha mãe, acho que fui uma boa filha, mas com toda essa experiência pude entender muito mais os sentimentos dela, suas alegrias e frustrações, o quanto ela é minha fortaleza e o quanto ela se doou e ainda se doa pela família”, finaliza.
Acolhimento é a base
A psicóloga Gabriela Araújo dá algumas dicas para mães com filhos pequenos para auxiliar no dia a dia durante o isolamento. “O principal é lembrar que crianças também são pessoas, por menor que sejam. Pessoas com sentimentos como frustrações, conquistas, raiva e outros. Também está sendo difícil para eles, então o acolhimento mútuo é uma base para o bom relacionamento com as crianças nesse momento. Além disso, existem práticas como auxiliá-los no contato com colegas, mesmo via internet; contar com uma rede de apoio e atividades que sejam prazerosas para a relação”.
Gabriela conta ainda que esse fortalecimento nas relações surgido na pandemia tem impactos diferentes nas relações entre mães com filhos pequenos e mães com filhos adultos. A psicóloga diz que, com filhos pequenos, existe uma relação de codependência e que o isolamento reforçou isso. Com filhos adultos, Gabriela diz que a convivência mostra a necessidade do próprio espaço.
“Com a fase adulta, esse desejo já é algo que acontece naturalmente, mas foi potencializado nesse momento por alguns motivos, como a necessidade de espaço adequado para o home office. Além disso, a convivência mais intensa faz com que alguns incômodos - de ambas as partes - se tornem mais evidentes. Diante disso, o diálogo empático e acolhedor é sempre primordial”, complementa Gabriela.
Gabriela conta que é possível manter e fortalecer esse vínculo que foi potencializado na pandemia, desde que permaneça sendo construído com respeito e afeto por ambos os lados. “As nossas relações familiares também são construídas ao longo dos anos, assim como amizades e relações amorosas. Portanto, também precisam ter cuidado, respeito e empatia como pilares”, finaliza a psicóloga.
André é professor pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Com a pandemia, dá aulas remotamente e passa a maior parte do tempo em casa com a mãe Aracilda Santos, 69, e a irmã Raquell Santos, 38. O professor relata que a mãe é uma mulher ativa e comunicativa, mas não pode sair de casa nem reunir a família e amigos nas festas.
O professor fala que mudanças ocorreram no dia a dia da família e que a dinâmica familiar teve que se fortalecer durante a pandemia. “A grande maioria das conversas acaba girando em torno de nós três, que moramos juntos. De certa forma, é uma mudança benéfica, claro, poder ter mais tempo em casa com a família, mas da mesma forma a gente sabe que tem momentos em que é bom ver e falar com outras pessoas”, conta André.
André fala que também existe um lado negativo nas mudanças. “Você perde muito da sua liberdade de locomoção. Minha mãe reclama muito de ter que ficar esses longos períodos em casa, afinal, já temos mais de um ano de pandemia. E acredito que ninguém seja tão autossuficiente que não precise estar em contato com mais pessoas”, relata.
Aracilda frequentava sessões de terapia convencionais. No isolamento, o filho a apresentou outros métodos terapêuticos para ajudar a aliviar o estresse causado pela pandemia: terapia integrativa, como o Reiki, e o uso de ervas terapêuticas.
O filho de Aracilda acredita que as experiências positivas do isolamento social devem permanecer no pós-pandemia. “Temos que aprender a tirar lições das adversidades. E o período de isolamento social não pode ser encarado como um monstro, então eu acredito que as experiências positivas que envolvem uma melhor sociabilidade entre as pessoas da casa devem permanecer mesmo depois da pandemia”, afirma André.
O isolamento também fortaleceu a relação entre Maria José Jaste, 57, e seu filho Lucas Jaste, 25. Os dois passaram a conversar mais, dividiram a gestão da casa e as contas do dia a dia. “Durante a pandemia, para organizar questões como contas, tivemos que conversar mais, o que acabou nos tornando mais próximos”, diz Lucas.
Antes da pandemia a família costumava passar pouco tempo em casa, devido a trabalho e faculdade. O isolamento acabou promovendo um convívio com o qual a família não estava acostumada. “No início houve um pequeno estresse, pois não estávamos acostumados a passar tanto tempo juntos, mesmo morando na mesma casa, mas agora sinto que estamos mais parceiros”, relata o estudante.
Essa proximidade também os ajudou a resgatar alguns hábitos antigos. “Sempre fomos próximos, então voltamos a conversar contando com a maturidade de entender o lado de cada um”, comenta o filho de Maria José.
Para Lucas, a tendência é que essa proximidade com a mãe, gerada pelo convívio assíduo no isolamento, permaneça e se fortaleça no pós-pandemia. “Mesmo com a rotina voltando ao ‘normal’ estamos seguindo com as conversas, para que a organização e a proximidade continuem fluentes”, afirma.
Por Ana Vitória da Gama e Isadora Simas.