Às vésperas do início de uma rodada decisiva das negociações do acordo entre Mercosul e União Europeia, na próxima semana, o vazamento da oferta que os europeus deverão fazer para o comércio de carnes e de etanol provocou forte reação do lado sul-americano. Ela ficou muito abaixo do esperado, o que indica que as conversas serão duras. Isso coloca em risco o objetivo assumido pelos dois lados de fechar um "acordo político" até dezembro.
Até a noite de ontem, o Itamaraty não havia recebido formalmente nenhuma comunicação dos europeus, que estão profundamente divididos e têm dificuldades de chegar a uma proposta consensual. Tudo indicava, porém, que eles trarão para a rodada de negociações os números que circularam informalmente na quinta-feira.
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A UE se propõe a importar, anualmente, até 70 mil toneladas de carne e 600 mil toneladas de etanol. A expectativa era que, no mínimo, viesse uma oferta igual à que estava sobre a mesa em 2004, quando as negociações pararam: 100 mil toneladas de carne e 1 milhão de toneladas de etanol.
"Não dá", reagiu o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), Antonio Jorge Camardelli. "Os números não são palatáveis." O setor esperava ser autorizado a exportar até 390 mil toneladas por ano. Essa cota já está negociada e dividida entre os sócios do Mercosul.
Em 2004, a UE tinha 15 membros e se propunha a comprar 100 mil toneladas de carne do Mercosul. Agora, com 28 membros, a disposição de compra caiu para 70 mil toneladas. "É uma quantia que chega a ser ridícula quando comparada à preferência que os europeus vão obter no mercado consumidor do Brasil", disse Pedro de Camargo Neto, representante da Sociedade Rural Brasileira.
A reação foi semelhante no setor de açúcar e álcool. "Está muito abaixo do aceitável", disse o diretor executivo da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), Eduardo Leão de Sousa.
A cota de 600 mil toneladas era o mínimo esperado para o álcool carburante. Além dessa, o setor esperava a liberação sem cotas para a venda de etanol para uso industrial. Além do etanol, o setor espera uma abertura para o mercado de açúcar. "Para nós, é fundamental que entre na oferta", disse Sousa.
Conversas
"Essa é a fase mais delicada, mais melindrosa das negociações", disse ao Estado o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes. "Mas é hora de colocar a oferta na mesa para começar a negociar."
O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, se mostrou pouco impressionado com a suposta oferta inicial dos europeus. "Negociador trabalha assim mesmo", comentou. "Com certeza devemos continuar a insistir." Ele explicou que, na área agrícola, os europeus têm interesse de abrir mercados no Mercosul para produtos lácteos e vinho.
Se os sul-americanos acharam a oferta muito modesta, agricultores europeus prometeram organizar protestos na próxima quarta-feira. O bloco está dividido quanto ao acordo com o Mercosul. Alemanha, Itália, Espanha e Portugal e outros quatro países insistem em avançar para garantir acesso a um mercado avaliado em mais de ¤ 150 bilhões. Numa carta enviada à Comissão, esses governos pedem que o processo seja acelerado e que uma oferta seja apresentada.
Mas onze dos 28 governos do bloco rejeitam a abertura, principalmente em um momento de fortalecimento de partidos de extrema-direita pelo continente em busca justamente dos setores afetados pelo comércio. "Quero um acordo com o Mercosul. Mas quero ver nossos padrões protegidos e nossos fazendeiros protegidos", disse o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar.
"A Comissão está amplamente consciente das sensibilidades de alguns setores e já compartilhou isso com os negociadores do Mercosul", disse a Comissão Europeia, em nota ao Estado. "O futuro acordo com o Mercosul vai levar em conta a sensibilidade de alguns produtos para os fazendeiros europeus e estarão sujeitos a cotas."
Indústria
A abertura do mercado sul-americano para industrializados europeus deverá ocorrer de forma "gradual e responsável", disse o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira. "Entramos na etapa decisiva das negociações, e o Mercosul está preparado para buscar acordo equilibrado, que nos amplie oportunidades."
Tachada no passado como principal foco de resistência ao acordo por temer a concorrência europeia, a indústria brasileira agora vê ganhos na conclusão da atual rodada. "Em uma lista de 1.000 produtos em que o Brasil tem chance de competir na Europa, 67% enfrentam tarifas", disse o gerente de Negociações Internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fabrizio Panzini.
Os aviões da Embraer, por exemplo, precisam pagar tarifa de 3% para entrar na Europa. Os calçados são taxados com até 20% e os produtos químicos, com 3% a 8%. Um acordo ajudaria a reduzir essas tarifas e a dar melhores condições de competição aos produtos brasileiros.
Há ganhos também em outras frentes, como por exemplo o acordo de compras governamentais. Ele vai garantir que, numa lista de produtos comprados pelas administrações públicas europeias, os fornecedores brasileiros tenham as mesmas condições dos fabricantes locais. E vice-versa. Trata-se de um mercado de US$ 1,6 trilhão.
O acordo contempla também regras para facilitar investimentos europeus no Mercosul e vice-versa. "O acordo traz oportunidade para aumentar o investimento europeu no Brasil e gera fluxo de comércio grande", disse Panzini.
A proposta apresentada pela indústria do Mercosul prevê a redução gradual de tarifas de importação cobradas sobre quase 90% dos produtos. A queda ocorrerá ao longo de 10 a 15 anos, mas em alguns produtos a abertura ocorrerá mais rápido, num prazo de dois a oito anos. Na via oposta, o Mercosul quer que os europeus "zerem" de imediato tarifas de importação que se propuseram a eliminar em prazos como quatro e oito anos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.