Ruas estreitas, casas coloridas e arquitetura portuguesa. A primeira praça, a primeira igreja e a primeira rua da cidade. Nas esquinas, pequenos montes de lixo se acumulam e, próximo desses lugares, alguns moradores de rua fizeram seus abrigos. Casarões abandonados e outros pichados ou rachados. Ruas completamente desertas. Nelas, uma grande sensação de insegurança acompanha os visitantes e moradores durante um passeio na Cidade Velha.
O descuido com o primeiro bairro de Belém e seus antigos prédios, praças, monumentos e casarões revela uma situação ainda mais preocupante: o esquecimento da identidade histórica e cultural da cidade. “As construções antigas são como uma herança deixada pelos colonizadores. Elas funcionam como peças fundamentais para criar e manter a memória histórica e cultural da cidade”, explica Hugo Lima, estudante do curso de história da Universidade Federal do Pará (UFPA).
##RECOMENDA##
Antes conhecidos como cartões-postais e pontos turísticos, alguns locais da Cidade Velha tornaram-se lugares violentos e abandonados. “Fim de semana, por volta das sete da noite, tem que tomar cuidado. Aqui perto, na praça Dom Pedro, costuma ter arrastão nesse horário”, avisa Socorro Souza, vendedora há mais de dois anos na região próxima ao Forte do Presépio.
Ela, que também é moradora do bairro, revela toda a sua indignação com a atual situação de abandono e perigo constante. “Aqui é um lugar lindo. Tem tanta coisa para ver, tanta história para descobrir. Mas, muitas pessoas perderam o interesse de conhecer a Cidade Velha e o centro histórico que ela abriga porque o perigo é muito grande.”
A sensação de insegurança e o medo constante da violência não são exclusividades apenas do primeiro bairro de Belém. Outros lugares históricos da cidade, como o Ver-o-Peso e o Centro Comercial, passam pela mesma situação. “Os ladrões se aproveitam da distração das pessoas e da pouca segurança para sair puxando carteira e bolsa. Tem que ficar atento”, explica Camila Dias, vendedora de uma das lojas do comércio.
Além da forte insegurança muitos desses lugares históricos se encontram em péssimo estado de conservação. Calçadas quebradas e paredes pichadas. Lixo nas esquinas. Casarões e prédios abandonados ou totalmente destruídos marcam o cenário de uma grande parte do Centro Histórico de Belém.
“Há um desinteresse na reforma desses prédios, pois a maioria deles são comerciais e seus proprietários não veem na reforma algo lucrativo, prático ou vantajoso”, explica Hugo Lima. Para ele, os órgãos de proteção ao patrimônio histórico fazem o que podem para reverter está situação, mas ainda há um grande desinteresse por parte da iniciativa privada. “O que falta é empenho. Vontade de valorizar o imóvel.”
A destruição, o abandono e a sensação de insegurança frequente no Centro Histórico de Belém desvalorizam o lugar. Além disso, desvalorizam também a memória histórica e cultural que o espaço possui, a memória dos primeiros anos da cidade.
[@#galeria#@]
Casarões - Brancos ou coloridos e quase sempre de dois andares. Os primeiros casarões construídos em Belém encontram-se em ruínas. Esquecidos pelos donos e pelo poder público, eles cada vez mais tornam-se um perigo constante para quem vive e passa próximo deles.
Cheios de rachaduras e com a estrutura parcialmente destruída, esses imóveis abandonados escondem um grande perigo para a cidade. “Não precisa ser especialista para perceber que esses prédios estão quase para desabar”, analisa a estudante Luana Andrade, que passa todos os dias em frente a um desses casarões.
No papel, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tombou cerca de 2.800 prédios antigos localizados nos bairros da Campina e Cidade Velha. Essa ação ajudaria a diminuir a situação de abandono e destruição desses imóveis. No entanto, basta dar uma volta por esses lugares para perceber que a situação continua a mesma.
Sem grandes incentivos do poder público, muitos proprietários de casarões antigos abandonam seus imóveis. Depois de fechados esses espaços sofrem a ação do tempo e do clima de Belém. Tornam-se depósitos de lixo, abrigo de moradores de ruas, esconderijo de bandidos e uma ameaça constante para a cidade.
Reconstruindo ruínas - Quinta-feira. Madrugada do dia 23 de junho. O fogo atinge dois casarões históricos que serviam de sede para três lojas na rua Santo Antônio. Na noite do dia 24, parte da estrutura que ainda restava desabou. No dia seguinte, após a avaliação do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil, as estruturas que ainda apresentavam um risco de desabamento foram demolidas.
Na tentativa de recuperar um pouco da história desses casarões e prédios atingidos pelo fogo, os alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPA iniciaram um projeto com o auxílio de professores e pesquisadores. No meio das ruínas eles tentam encontrar materiais antigos que possam ser revitalizados.
“Na maioria das vezes resta muita coisa intacta entre os escombros desses prédios. Muita coisa que pode ser resgatada. Geralmente os materiais de maior relevância são os azulejos, tijolos, peças metálicas, grades e louças”, explica o estudante de história Hugo Lima.
Os escombros passam por um processo de triagem para que esses materiais sejam resgatados e separados. Cada peça encontrada passa por um minucioso processo de análise e pesquisa. O ferro da Europa, o azulejo português, o tijolo amazônico e todos os outros materiais encontrados serão catalogados. O objetivo é enviar esse registro aos órgãos de proteção do patrimônio histórico de Belém.
A maior parte dos envolvidos no projeto trabalha de forma voluntária para tentar resgatar e preservar a memória e o patrimônio histórico de Belém. Eles tentam reconstruir os primeiros lugares da cidade e reconstruir a importância social, histórica e cultural que esses espaços possuem.
Esclarecimento - Em nota enviada ao LeiaJá, a assessoria de comunicação da Fumbel (Fundação Cultural do Município de Belém) esclarece que “a manutenção e conservação dos casarões da Cidade Velha são de exclusiva responsabilidade de seus proprietários. Como incentivo, para que essa manutenção se realize, a PMB, através da FUMBEL, oferece descontos do IPTU que podem chegar a até 100%”. Diz, também, a nota: “Há a expectativa de um financiamento para imóveis privados, com recursos provenientes do PAC CH. Esta ação deverá ser, como foi, executada durante o Programa Monumenta, com juros zero, cobrindo as recuperações de fachadas, coberturas, estabilidade estrutural e instalações elétricas. Tal financiamento ainda não foi disponibilizado, porque IPHAN e Caixa Econômica ainda não chegaram a um acordo. Está previsto o retorno do Bondinho, que terá seu trajeto ampliado até a Praça do Carmo”.
Para 2016, ano em que Belém completa 400 anos de fundação, segundo a assessoria, estão previstas as seguintes obras com recursos do PAC CH: revitalização da Feira do Ver-o-Peso; revitalização das Praças: do Relógio, das Mercês, D. Pedro I e do Carmo; restauração do Palácio Antônio Lemos; restauração do Palácio Velho (Teatro Municipal); restauração do Cinema Olympia; restauração do Palacete Bolonha. Fora do PAC CH, diz a nota, estão programados: recuperação completa da Praça da República (em licitação); Monumento Belém 400 Anos - Praça dos Estivadores; Palacete Pinho - Instituto de Artes; revitalização da Rua João Alfredo - SECON; revitalização da Trav. Leão XIII - SEHAB, entre outros.
Por Alinne Morais.