Tópicos | Christopher Garman

O cientista político Christopher Garman, diretor executivo para as Américas da Eurasia, consultoria americana especializada em avaliação de riscos, é um dos mais prestigiados analistas internacionais do Brasil. Nesta entrevista ao Estadão, Garman afirma que os riscos associados tanto à vitória de Lula quanto à de Jair Bolsonaro nas eleições deste ano "estão superdimensionados". Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Hoje, muitos analistas traçam um quadro catastrófico do País. Como o sr. avalia o atual cenário político e econômico do Brasil e qual deve ser o seu impacto nas eleições?

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O Brasil está vivendo um momento desafiador. A América Latina foi uma das regiões mais penalizadas pela covid-19. Está sofrendo também com repercussões políticas e sociais mais fortes. A pandemia exacerbou os desafios que a gente já observava antes. Havia todo um ambiente de revolta contra o sistema político, contra a qualidade dos serviços públicos, com um crescimento econômico medíocre. Com a covid-19, a desigualdade e a pobreza aumentaram. A alta da inflação afetou principalmente a população de baixa renda. Então, a gente está entrando num ciclo eleitoral com um ambiente social complicado e de grande descontentamento. Agora, eu acredito, sim, que alguns riscos estão sendo superdimensionados.

Que riscos, em sua visão, estão sendo exagerados?

Eu vejo o Brasil no cenário pós-eleitoral com limites no downside (lado negativo). O País saiu da crise de 2015 e 2016 com a classe política reagindo a essas pressões sociais, mas sem ficar indiferente às repercussões de um descontrole fiscal maior. Viu como o descontrole fiscal pode levar a uma recessão profunda. Acredito que, em Brasília, há um reconhecimento de que, se esticar muito a corda do fiscal, todo mundo vai perder. Isso vale para o Congresso e também para a esquerda, inclusive se o Lula ganhar a eleição. Temos de lembrar que esse mesmo Congresso aprovou a reforma da Previdência e o teto de gastos. É claro que, durante a pandemia, a preocupação com a questão fiscal foi suspensa, não só no Brasil, mas em outros países, o que não significa que a classe política jogou a responsabilidade fiscal no lixo. As lições de 2015/2016 ainda perduram. Também vejo a equipe econômica dizer que tem de respeitar e furar pouco o teto. Então, acho que, independentemente de quem ganhar as eleições, não vamos ter um abandono da responsabilidade fiscal no novo governo.

O sr. não vê diferença nas visões dos principais candidatos sobre a questão fiscal?

Não quero subdimensionar a importância de quem ganhe. Acredito que haverá divergências importantes entre um governo Lula, um governo Bolsonaro e um governo da terceira via. Cada um tem os seus ativos e passivos. A terceira via entraria com muito mais credibilidade. Daria um choque de credibilidade de largada. Em um eventual governo Lula, vai ter mais gasto com mais tributo. Já em um governo Bolsonaro, a política que temos hoje deverá continuar, talvez com avanço nas privatizações. O meu ponto é que não vejo nenhum desses três fazendo grandes irresponsabilidades fiscais. O Lula não vai dar uma guinada radical para a esquerda, ampliando os gastos de forma irresponsável, e o Bolsonaro não vai representar uma ameaça à democracia. Quer dizer, você tem um exagero dos riscos associados tanto a Lula quanto a Bolsonaro. Mas isso não quer dizer que há pouca diferença entre eles.

Como o quadro político, econômico e social que o sr. descreveu deve afetar o comportamento dos eleitores?

Acredito que os principais temas da campanha vão ser emprego e renda. A alta dos alimentos e dos combustíveis gerou uma redução de renda importante. Então, acho que quem for mais crível nesses dois temas vai ganhar a eleição. Tudo indica que, neste ano, a corrupção vai ser uma questão menos relevante. No ranking das prioridades da população, segundo as pesquisas, a corrupção hoje não tem um peso tão grande quanto no passado.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

O cientista político americano Christopher Garman, responsável pela área de Américas da Eurasia, uma consultoria internacional de avaliação de riscos, tem um retrospecto notável em suas previsões sobre o Brasil.

Em 2014, logo depois das eleições, Garman antecipou a formação de uma "tempestade perfeita" contra a presidente Dilma Rousseff, com a combinação de um governo com sustentação política limitada e baixa credibilidade perante o mercado, um escândalo de corrupção "já contratado", como o petrolão, e um cenário econômico complicado no exterior. Deu no que deu.

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Em maio de 2018, quando os principais analistas do País apostavam na repetição do embate entre o PSDB e o PT ou numa disputa entre o PSDB e o PDT de Ciro Gomes, ele acertou mais uma vez, ao afirmar que Jair Bolsonaro tinha grandes chances de chegar ao segundo turno.

Nesta entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Garman diz que, ao contrário do que aconteceu nos últimos cinco anos, "agora é a economia que vai pautar a política". Segundo ele, a "retórica belicosa" de Bolsonaro "não é o principal motivo" de retração dos investidores internacionais. Em sua visão, o que mais afeta hoje a percepção dos estrangeiros em relação ao Brasil é a lenta recuperação da economia.

O sr. mantém contato frequente com investidores, bancos e grandes empresas internacionais. Qual é a percepção deles em relação ao atual cenário político e econômico do Brasil?

Eu diria que tanto as empresas multinacionais como o mercado financeiro reconhecem que, diante da grave crise macroeconômica do País, com forte desequilíbrio fiscal, a reforma da Previdência era necessária para haver qualquer recuperação da economia. Passada essa etapa, que deve ser concluída até meados de outubro, com a aprovação da reforma pelo Senado, é claro que você tira um risco do horizonte. Mas a pergunta é: isso vai ser suficiente para voltar a atrair investimentos externos? A resposta provavelmente é não.

Por quê? O que impede a volta dos investimentos externos ao País?

O que atrapalha mais é que a economia não está se recuperando. A recuperação ainda é bem modesta. O investidor de fora vê com bons olhos a ampla agenda de reformas que a equipe econômica e o próprio Congresso estão articulando. Mas os detalhes dessas reformas ainda não foram apresentados e não se sabe a profundidade que elas terão. Então, há um reconhecimento de que o Brasil está tendo alguns avanços, mas com pouca clareza se essa agenda de reformas, que tem mais impacto na produtividade, vai levar a um crescimento mais robusto nos próximos anos.

Várias declarações do presidente Jair Bolsonaro tiveram grande repercussão no exterior. Que efeito isso tem nesse quadro?

Algumas coisas atrapalham, sim. Há uma visão desse governo muito ruim fora do Brasil, uma cobertura da imprensa que transmite todas as declarações polêmicas do presidente, embora o maior impacto em termos de reputação tenha sido com a crise na Amazônia. Acredito que essa retórica não é o principal motivo de os gringos não estarem vindo para o Brasil. O Brasil está menos atraente porque a recuperação está muito mais lenta do que as pessoas imaginavam no início do ano. Isso contamina tudo. Esse é o fator mais importante.

O sr. está dizendo que, apesar das reformas, há uma certa frustração lá fora em relação ao Brasil? É isso?

Essas reformas podem aumentar a produtividade, mas não são coisas de curto prazo. São reformas mais estruturantes, com efeitos de médio e longo prazos. Isso dificulta. Também não ajuda o fato de o Brasil estar entrando numa fase mais construtiva em termos de aprovação de reformas, num momento externo ruim, com a aversão ao risco aumentando por causa da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Além disso, há uma preocupação com o desaquecimento em vários lugares - na Alemanha, na China e possivelmente nos Estados Unidos - e uma saída do mercado de ações. Hoje, o mercado financeiro olha para o Brasil e diz: "Bom, os preços já subiram bastante, já me queimei lá antes, o jogo não parece atraente agora". É uma avaliação um pouco mais fria. O Brasil está pagando um preço por entrar nesse ciclo de reformas mais construtivas num cenário incerto, de desaquecimento global.

Como as privatizações e as concessões se encaixam nesse cenário? Os investidores externos não vão participar?

Acredito que esse cenário não atrapalha esse investidor. Há apetite externo para ativos que estão sendo colocados à venda. Há ativos bem atraentes. O Brasil é o principal mercado da América Latina e ninguém pode ficar fora do País. Por isso, as consultorias internacionais estão apostando pesado no Brasil. Talvez o preço seja um pouco menor, mas não acho que é um empecilho para essa agenda de privatização andar. É claro que, se isso tiver êxito, ajuda um pouco na melhora da percepção externa.

Para concluir, como o sr. vê as perspectivas do País daqui para a frente? O cenário atual deve mudar para melhor ou para pior?

Vai depender muito da economia. Se a gente olhar o que aconteceu no Brasil nos últimos cinco anos, a política é que pautou a economia. Grandes eventos políticos pautaram a economia. Agora, acredito que isso se inverteu. Então, para mim, o resultado da economia nos próximos 12 meses vai ter repercussões políticas bem importantes.

Que tipo de repercussão política o desempenho da economia pode ter?

Se a economia não se recuperar no ano que vem e o crescimento do PIB ficar abaixo de 1,5%, com o índice de desemprego em dois dígitos, a relação com o Congresso vai começar a piorar. Vai "bater" o pânico no Congresso, em decorrência dessa situação, e ele pode começar a tomar medidas ruins. Se a economia ficar patinando, o Congresso pode começar a pensar em aumentar o salário mínimo um pouquinho, flexibilizar o teto, esse tipo de coisa. Agora, se a economia crescer 2,2% no ano que vem e aumentar para 2,5% no ano seguinte, as lideranças no Congresso começam a ver que o retorno do ajuste e das reformas está vindo. Se isso acontecer, a percepção externa melhora, a agenda reformista continua e você consegue ter um ciclozinho virtuoso.

 

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

A crise política vivida pelo governo da presidente Dilma Rousseff tem se agravado nas últimas semanas, mas a possibilidade de impeachment, apesar de ter crescido, ainda é pouco provável na avaliação do cientista político Christopher Garman, diretor de Pesquisa da consultoria de risco político Eurásia. "Há duas semanas, aumentamos de 20% para 30% a probabilidade de que a presidente não termine o seu mandato", disse Garman, ressaltando que um eventual processo de impeachment seria "traumático" para o país e para a política econômica.

Ao participar de Conference Call promovido em parceria com GO Associados, Garman afirmou que a Eurasia trabalha com o cenário mais provável - 55% - de que a presidente Dilma consiga entregar o ajuste fiscal ao longo de seu mandato. "Mesmo que seja aos trancos e barrancos, é provável que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, continue capitaneando a política econômica", explicou.

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Para Garman, a principal preocupação e que pode agravar o cenário político atual não é exatamente a crise econômica e política e sim o desenrolar das investigações da Operação Lava Jato. "Nossa preocupação em termos de construção de cenários sempre focou no risco Lava Jato", disse.

Um terceiro cenário que Garman trabalha - com 15% de probabilidade de acontecer na sua avaliação - é uma crise de governabilidade que derrube a capacidade do governo entregar o ajuste fiscal e com isso afrouxar a política econômica. "Seria um cenário em que Dilma largaria o Levy e faria uma guinada à esquerda", afirmou. "Acho pouco provável e se houvesse essa guinada o risco político de impeachment poderia aumentar ainda mais", afirmou.

Efeito Cunha

A despeito do anúncio feito hoje pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de rompimento com o governo, Garman afirma que para a maior parte do PMDB ainda "é útil" manter a aliança com o governo. "É útil na medida em que ela permanece como alvo da opinião pública e que a mídia ainda foque nas investigações ligadas ao PT", disse.

Segundo Garman, em um cenário em que o vice-presidente Michel Temer assumisse a presidência, o PMDB poderia ficar sob os holofotes e mostrar suas fraquezas já que também há membros do partido sendo investigados pela Polícia Federal, como o próprio Cunha e o presidente do Senado, Renan Calheiros.

O cientista político classificou a reação de Cunha hoje de "desespero" ao tentar transformar as investigações contra ele de "jogo político do Planalto" para derrubá-lo e disse que o risco maior de a crise política se agravar é caso as investigações cheguem de fato ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Todos temem as repercussões desse cenário. Lula perdeu capital político, mas ainda detém 30% do eleitorado", disse.

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